O carpinteiro que virou revolucionário e perseguidor de cangaceiros nas caatingas de Alagoas

06/06/2021 11:11 - Roberto Gonçalves
Por redação
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Cada ser humano tem sua história, seu destino e o seu mundo, um universo fruto de suas experiências de vida e do meio em que nasceu e habitou. Arthur Gonçalves da Silva meu saudoso pai, nasceu em Barra do Ipanema, um lugarejo bucólico de paisagens paradisíacas, onde a natureza foi generosa, no município de Belo Monte, as margens do Rio São Francisco no estado de Alagoas. Ainda menino, aprendeu a desafiar as correntezas do “Velho Chico”, era um exímio nadador. 

Quando atingiu a adolescência aprendeu as atividades naturais do seu mundo onde vivia, remar, navegar, pescar e aprendeu a profissão de carpinteiro naval. Produzia com perfeição, utilizando os instrumentos artesanais da época, construía canoas de pequeno porte, canoas chatas e até as canoas de tolda. Essas embarcações tiveram papel importante no transporte de pessoas e de mercadorias em todas as cidades ribeirinhas quando não existiam as pontes e as rodovias. 

Década de 1920, os grupos de cangaceiros, comandados pelo famigerado Virgulino Ferreira, aterrorizavam os estados nordestinos praticando toda a sorte de violência. Os bandos de cangaceiros tinham como preferência, por uma questão de estratégia de fugas e mudarem dos estados de Alagoas, Sergipe, Bahia, o Rio São Francisco, As cidades ribeirinhas e do Sertão próximas ao rio sofriam e viviam um clima de tensão e medo das investidas dos temidos cangaceiros. 

Os jovens daquela época, sem leis, para se livrarem da violência dos bandos de cangaceiros tinham duas opções, integrar e se aliar ao bando dos cangaceiros ou se alistarem na Policia Militar para perseguir os bandos nas volantes nas caatingas nordestinas. O jovem carpinteiro Arthur Gonçalves da Silva fez a segunda opção, ingressou na Policia Militar de Alagoas em 1922. 

Dois de seus irmãos, um deles, Luiz Cândido, se estabeleceu em Piaçabuçu, constituiu família e foi proprietário de canoas de tolda e comercializava e beneficiava arroz. Chegou a possuir seis canoas de tolda. Na época, foi perseguido pelo grupo de Lampião, para continuar vivo, teve que ficar escondido por um bom tempo. Outro irmão, José Gonçalves da Silva, ingressou na Policia Militar, chegou a primeiro tenente e foi para a reserva remunerada como capitão, ambos são falecidos. Arthur Gonçalves da Silva, era muito temente a Deus e fiel devoto da Virgem Maria. 

 

O casamento em Murici 

Inicialmente o soldado, foi atuar na função militar, na cidade de Murici, zona da Mata de Alagoas, saindo da área de conflito e da ações dos grupos de cangaceiros no alto Sertão. Em Murici, o jovem soldado de cabelos pretos e cabeleira farta, em uma das tardes de verão, na Estação Ferroviária da cidade conheceu Josefa, jovem morena, atraente e de uma beleza singela, natural como todas as donzelas jovens da sua época, Com a coragem e a força da mulher, ela foi a régua e o compasso na vida do jovem sertanejo. 

Em pouco tempo, se uniram no matrimonio, quando a esposa estava grávida do primeiro filho, o jovem soldado foi escalado para integrar um grupo de militares alagoanos na Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932. Revolução Constitucionalista foi um movimento armado iniciado em 9 de julho de 1932, liderado pelo estado de São Paulo, que defendia uma nova Constituição para o Brasil e atacava o autoritarismo do Governo Provisório de Getúlio Vargas.

No regresso meses depois foi promovido a cabo a bordo do navio quando regressava para Alagoas. Um reconhecimento pela sua bravura, bom comportamento, e dedicação a missão reconhecido pelo coronel do Exército Tinoco. 

Retorno a Alagoas 

Retornando a Alagoas foi designado para prestar seus serviços no 2º Batalhão da Policia Militar em Santana do Ipanema quando passou a fazer parte das volantes alagoanas comandadas pelos tenentes Lucena Maranhão, João Bezerra dentre outros.

 Nos 27 anos de atuação dos grupos de cangaceiros no Nordeste, especificamente nas caatingas de Alagoas, o cabo PM Arthur Gonçalves foi subdelegado nos distritos e vilas do Sertão de Estado, participando de diligências e conflitos armados com os grupos de cangaceiros.   

 

Enfrentamento ao grupo de Lampião em Girau do Ponciano 

Quando da passagem do grupo de Lampião as 10:h00 da em um dia de feira livre, no ano 1938, meses antes do massacre do bando na grota de Angicos, a então Vila Ponciano, atual cidade de Girau do Ponciano, foi atacada por um grupo de Cangaceiros liderado por Lampião.

O cabo Arthur Gonçalves com um pequeno número de soldados enfrentou o grupo do Rei do Cangaço. O reduzido número de policiais ficaram entrincheirados na torre da Matriz e reagiram a bala ao grupo de cangaceiros. 

Na sua chegada, ao vilarejo, segundo relatos, Lampião passou pela casa do senhor Manoel João Neto, que teria pedido a Lampião para não incendiar duas lojas de tecidos, mas sim dar os produtos ao povo. Lampião teria vindo ao lugarejo, à procura de dois comerciantes da localidade, os quais eram os donos dessas lojas que conseguiram fugir, 

Após distribuir os tecidos ao povo, Lampião e seus cangaceiros estavam se preparando para partir, foi então que houve a chegada do reforço da Volante que já vinha na perseguição do bando, ocorrendo um rápido tiroteio seguido da partida de Lampião e seus cangaceiros para destino ignorado. 

Segundo relatos dos moradores da época, um dos tiros efetuado pelos cangaceiros veio a atingir a cruz em frente à igreja matriz.

Após mais de 30 anos no serviço ativo da Polícia Militar, e assumir as subdelegacias de polícia em quase todas as regiões do Estado, Arthur Gonçalves foi para a reserva remunerada como Sargento. Da sua união matrimonial, teve 10 filhos, dois morreram ainda recém nascidos, oito sobreviveram sendo quatro homens e quatro mulheres.

 Dos quatro filhos homens, três seguiram a carreira militar. João Gonçalves da Silva foi subtenente na ativa da PMA e foi para a reserva remunerada como 2º tenente. José Gonçalves da Silva chegou ao oficialato na Marinha de Guerra do Brasil ambos são falecidos e Jarbas Gonçalves da Silva, 1º Sargento da reserva remunerada da Policia Militar de Alagoas e residente em Maceió. 

Arthur Gonçalves, após passar para a reserva remunerada como sargento, ainda ocupou o cargo de delegado de polícia na cidade de Paulo Jacinto. Faleceu em 08 de setembro de 1961, aos 59 anos de idade em Maceió. Deixou um legado de honestidade, lealdade e, sobretudo de amor a família a Alagoas e ao Brasil. 

 

 

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