Além de todos os impactos em termos de vidas perdidas, crise econômica e sequelas físicas, mentais e emocionais, a pandemia do novo coronavírus trouxe outra coisa negativa: o aumento dos sintomas de várias doenças neurológicas e da dor crônica, aquela que persiste ou acontece por um período de mais três meses. O alerta foi feito pelo neurocirurgião Thiago Fortes, em entrevista ao CadaMinuto.

Segundo ele, com o fechamento dos serviços de saúde e de reabilitação diante da insegurança vivida no início da pandemia, diversos pacientes que necessitam de reabilitação e uso contínuo de medicamentos, além de psicoterapia, perderam essa continuidade do tratamento.

“Além disso, os sistemas neurais de supressão da dor estão relacionados com o sistema límbico e seus neurotransmissores, logo, com o aumento da ansiedade que todos vivemos nesse período, tivemos uma diminuição nessa regulação natural o que desencadeou o aumento dos sintomas”, explicou.

O médico prosseguiu lembrando que a própria Covid-19 também pode trazer sequelas e sintomas neurológicos, entre eles aumento da ansiedade, cefaléias, dores neuropáticas, lombalgia e, consequentemente, a piora das dores crônicas dos pacientes.

Traumas físicos e emocionais

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de antes da pandemia apontam que mais de 30% da população mundial sofre de alguma dor crônica, que pode ser oriunda de trauma, patologia clínica ou pós-cirúrgica e, em alguns casos, até de traumas emocionais. Isso é mais um sinal amarelo para a possibilidade dessa porcentagem ter se ampliado durante a crise sanitária.

“Qualquer doença ou trauma se não for tratado de forma correta pode desenvolver o processo de dor crônica. A dor crônica vem como um processo de sensibilização progressiva e errática das vias de dor do paciente, como consequência de diversas patologias. Além dos casos onde não conseguimos descobrir o início da dor física, casos esses que podem decorrer de traumas emocionais dos pacientes”, pontuou o neurocirurgião.

A boa notícia é que, dependendo da condução do caso, uma dor crônica pode ser curada definitivamente: “O diagnóstico preciso do motivo inicial da dor pode ser descoberto e assim o tratamento ser direcionado para a sua resolução. O convívio sem prejuízos para as atividades do dia a dia varia de pessoa para pessoa, das necessidades que cada um possui e do acesso ao tratamento multidisciplinar, medicamentos, procedimentos invasivos e cirurgias para a doença do paciente. Quanto melhor tratado o paciente, menores serão seus prejuízos diários”.

Tratamento

Conforme o médico, o profissional mais indicado para o tratamento deste tipo de paciente é aquele especializado em dor. Em um primeiro momento, o profissional investigará a causa da dor e iniciará um tratamento geral, adotando posteriormente tratamentos específicos, que podem ser por meio de medicamentos, de pequenos procedimentos ou mesmo cirurgias, tudo feito por uma equipe multidisciplinar composta por médicos, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde.

“A dor não pode ser negligenciada. Se o paciente tem essa queixa, ele precisa ser ouvido e o profissional médico deve investigar a causa do problema exaustivamente, utilizando todos os recursos disponíveis. Viver com dor, além do desconforto traz para esse paciente uma incapacidade precoce na atividade laboral e pode até o levar a um isolamento social”, frisou.

neurocirurgião Thiago Fortes

O neurocirurgião, que atua no Hospital Memorial Arthur Ramos, ressaltou ainda que pacientes de dores crônicas muitas vezes encontram dificuldades nos seus tratamentos, seja por falta de conhecimento, seja por dificuldade de um diagnóstico. “A minha sugestão é que este paciente procure um local que ofereça toda estrutura necessária, pois o principal objetivo é trazer para este paciente um alívio da dor e uma vida o mais confortável possível”, concluiu.

Ansiedade e agravamento

O empresário Bruno Dâmaso da Silva, de 35 anos, que tem neuralgia occipital e espondilite anquilosante, conversou com o CadaMinuto e revelou que a primeira patologia teve início 2016 e foi decorrente da inflamação e irritação do nervo occipital. Já em 2018 uma segunda patologia foi diagnosticada, que foi a espondilite anquilosante, doença autoimune inflamatória crônica.

Segundo ele, muitos fatores, entre eles a ansiedade, podem fazer o quadro se agravar. “No último ano, quando começou a pandemia e ao chegarem as primeiras notícias fiquei bem preocupado e isso gerou um aumento nas dores. Depois muitas idas e vindas a médicos e tratamentos fora do estado, hoje me trato em Alagoas, porque além da qualidade dos profissionais que me acompanham, poder estar perto da minha família faz toda a diferença”.

Resistência e aceitação

Bruno lembra que, em 2016, quando os sintomas começaram a aparecer e todos os tratamentos conservadores não davam resposta positiva, precisou implantar um neuroestimulador na região occipital para aliviar as dores.

Já a espondilite anquilosante é tratada com o uso de imunobiológico uma vez ao mês, em um hospital particular de Maceió. “No início de ambas as patologias tive um pouco de resistência e isso atrapalhou bastante, depois que aceitei e vi que podia ajudar a amenizar o quadro de dor junto à equipe médica e terapêutica com algumas mudanças, e tudo começou a fluir melhor. Ter ao nosso lado uma equipe que realmente compreenda o quadro de dor e apoio familiar ajuda muito no processo”, acrescentou o empresário.

Uma das coisas que o paciente não abre mão é da prática de exercícios físicos.  Mesmo que sejam adaptados para determinados dias e com pouca intensidade, o importante é não deixar de fazer, recomendou: “Hoje já consigo intercalar com os exercícios, quatro dias de caminhada na semana e isso faz toda a diferença”.

Aprendendo a conviver com as doenças que sempre irão acompanhá-lo, Bruno relatou que no ano passado passou pelo 13º procedimento e “graças a Deus e à equipe médica”, hoje está em uma “fase tranquila e com as dores bem controladas. Depois de seis anos, nos últimos quatro meses posso dizer pela primeira vez que estou em processo de remissão”, comemorou.