O Brasil é o único país que possui um sistema de eleição 100% eletrônico e desde sua implementação, em 1996, nenhum caso de fraude foi notificado pela Justiça Eleitoral. Apesar disso, há no meio político o ressurgimento de propostas para que o voto impresso seja novamente utilizado nas eleições do país.

Uma proposta está tramitando no Congresso Nacional, na qual, além do voto eletrônico, também sugere a impressão de cédulas em papel na votação e na apuração. O principal argumento é o de que a impressão do voto eletrônico, possibilita a auditoria dos votos de forma independente. 

A pauta também é apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, que após as eleições nos Estados Unidos, e o episódio da invasão do Capitólio, mantém a ideia de estabelecer uma comparação, com possível contestação de resultado no Brasil.

Em entrevista ao CadaMinuto, o advogado eleitoral Gustavo Ferreira definiu como retrocesso da Justiça Eleitoral uma possível aprovação da proposta. Ele ressaltou a segurança do sistema eletrônico brasileiro, recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU). O especialista também apontou que haveria um gasto desnecessário e possibilitaria a ocorrência de fraudes.

Confira a entrevista na íntegra:

A volta do voto impresso pode ser considerada um retrocesso ao sistema da Justiça Eleitoral Brasileira? 

Com toda certeza. O retorno ao modelo impresso acaba sendo retrocesso com tudo que a Justiça Eleitoral tem tido até agora na votação eletrônica. Nós temos um processo que é recomendado pela ONU, que é seguro e que apresenta poucos problemas. Aliás, em regra, nas eleições a quantidade de urnas com dificuldade de coleta de informações é muito pequena e na única experiência que tivemos em voto impresso ela foi enorme. Isso, fazendo uma média histórica, foi no ano 2002, quando tivemos uma série de problemas e de complicações decorrentes de falhas não na urna, mas na impressora. 

O que, na sua avaliação, esse processo de votação significaria para o país? 

Sempre com máximo respeito às opiniões no sentido contrário, representaria um custo desnecessário para o país e para a Justiça Eleitoral. Parte da premissa de quem vai fraudar uma urna, ou vamos tentar imaginar que o cidadão vai fraudar a urna, mas não vai fraudar a impressora. Qual o significado disso? É você querer crer em um silêncio enorme, a título informativo. Se alguém for fraudar a bases dos dados, porque ele não iria fraudar o resultado da urna. É um gasto desnecessário e além dos problemas que mencionamos podemos ter atraso das urnas e outras complicações. 

Como advogado eleitoral, qual a sua avaliação sobre essa discussão? 

Eu acredito que essa discussão decorre muito mais, inclusive vi em um artigo, devido a um pertencimento de um grupo ideológico, do que da busca efetiva da verdade. Essa discussão da urna parece muito mais próximo a isso. Tentar encaixar a determinado grupo, do que buscar o que efetivamente aconteceu. Talvez as pessoas não se lembrem de como era o nosso sistema de votação de cédulas antes, o caos que gerava, a quantidade efetiva de fraudes que aconteciam e, aí sim, ocorriam muitas fraudes quando nós não tínhamos o sistema de urna eletrônica.  Parece que o resultado complicado das eleições dos Estados Unidos não serviu de lembrete a esse grupo que quer crer na volta de um sistema que efetivamente, com todo respeito, é ultrapassado e não traz nenhuma segurança extra ao nosso sistema eletrônico. 

 

Gustavo Ferreira / Foto: Reprodução

Sobre essa questão de fraude no sistema eleitoral alegada pelos defensores do voto imprenso, implica também em alguns julgamentos e decisões da Justiça Eleitoral? 

Se voltar tão somente o voto impresso, como foi em 2002, quando o voto foi coletado para uma verificação posterior, você não vai ter uma situação de novas fraudes, você vai ter uma situação de quebras de urnas, como tivemos em 2002 com o problema nas impressoras. Agora se for para voltar o sistema de cédulas antigas, aí sim vamos ter fraudes e não será fraudes somente em cidade pequenas não, será fraude em âmbito nacional como era antes. A idade nos permitiu ver isso e a memória nos permite não esquecer como era comum acontecer fraudes nos municípios, inclusive resultado de eleição sair de um jeito no dia, e no outro, aparecer de outra forma.  As histórias do folclore político nacional, e não somente alagoano, são inúmeras acerca disso, com discussões tenebrosas no âmbito da Justiça Eleitoral. O que vimos nos Estados Unidos em 2020 foi café pequeno para o que acontecia no Brasil, e que pode voltar a acontecer se voltarmos com a votação de cédulas. Não se deve ter dúvidas disso. Quando o mundo começa a discutir uma segurança digital, e o exemplo do Brasil é citado, uma parcela da população começa a questionar, o que é exitoso.

Entenda a proposta que tramita no Congresso

Apresentada pela deputada Bia Kicis, (PSL/DF) a proposta retoma a ideia de que impressoras sejam acopladas à urna eletrônica, com um recipiente lacrado e transparente onde esses votos seriam armazenados.

A proposta não prevê que o eleitor levaria um comprovante do voto para casa. Conforme o texto, o votante poderia observar pela transparência do recipiente se o voto computado pela urna eletrônica corresponderia ao que foi digitado por ele no equipamento. A sugestão apresentada na Câmara é que, em caso de contestação sobre o resultado, os comprovantes possam ser contados para confronto do resultado.