“Kit Covid”: médicos alertam para alterações hepáticas e ineficácia no tratamento da doença

19/04/2021 06:12 - Especiais
Por Alícia Flores*
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Usado por alguns como forma de prevenção e tratamento para a Covid-19, o “kit Covid”, composto por medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina, teve grande aumento no número de vendas e usuários em todo o Brasil no último ano. 

Segundo levantamento feito pelo Conselho Federal de Farmácia, nos cinco primeiros meses de 2020, a prescrição médica da cloroquina teve um aumento de 676,89%. Já para a hidroxicloroquina, o número de prescrições subiu 863,34%. O medicamento que teve o maior aumento foi a ivermectina, com 1.921,04% a mais de prescrições em farmácias do país inteiro.

As vendas de medicamentos do “kit Covid” em Alagoas apresentaram um crescimento variado. Na capital, por exemplo, a média de venda destes medicamentos, entre 2019 e 2020, ficou em 250 caixas, de acordo com o CRF de Alagoas. No interior, esse número ficou em 100, já que muitos municípios distribuíram esses medicamentos à população, afetando as vendas diretas nas farmácias. 

O presidente do Conselho Regional de Farmácia de Alagoas, Robert Nicácio, ressalta que até o momento não existem estudos totalmente confiáveis de que os medicamentos utilizados no protocolo são 100% seguros, seja para tratamento precoce ou para tratamento tardio. 

“A própria fabricante da ivermectina já informou que não existem evidências do medicamento no tratamento da Covid-19. O que acontece é que, diante de tantas informações sobre tratamentos medicamentosos para a Covid-19, a população vai até a farmácia comprar o medicamento, sem acompanhamento de um profissional de saúde, e faz o uso de maneira incorreta. A prevenção é seguir as medidas sanitárias de distanciamento social, de lavagem das mãos, de uso de álcool gel e de não aglomerar”, orientou. 

O CRF/AL reitera a importância do uso consciente dos medicamentos, sempre respeitando a prescrição médica. Com esse intuito, o Conselho lança todos os anos, no mês de maio, a Campanha do Uso Racional de Medicamentos, que alerta a população sobre os riscos de se automedicar. A automedicação é uma das principais causas de intoxicações no Brasil e seus riscos são muito altos, podendo levar à morte. Entre eles estão alergias, intoxicações, interações medicamentosas indesejadas, etc.

presidente do Conselho Regional de Farmácia de Alagoas, Robert Nicácio

Lesões do fígado

Ao CadaMinuto, a médica hepatologista Eleusa Farias comentou que o uso do chamado “kit Covid” pode causar lesões ao fígado, que “vão desde colestase, que é a estase da bile com icterícia (olhos amarelados) e colúria (urina escura), e até mesmo a um quadro de toxicidade hepática maior, com insuficiência hepática aguda, sendo necessário o transplante de fígado”.

Ela explicou que a cloroquina pode alterar o ritmo cardíaco e causar, também, lesões ósseas e oculares. Já a ivermectina, além de toxicidade hepática, tem causado dores abdominais e diarreia em usuários.

Farias conta que atende muitos pacientes com alterações hepáticas leves após terem Covid-19, o que é comum, já que, “como uma doença de causa viral, pode levar a uma hepatite transinfecciosa e colestase, que habitualmente se normaliza após algum período da doença”.

No entanto, a hepatologista alerta que serviços de referência científica, como o Hospital das Clínicas e a Unicamp, relataram casos de toxicidade hepática grave e necessidade de transplante de fígado, devido ao uso abusivo de ivermectina como profilático.

A quem ainda faz o uso indiscriminado do “kit Covid”, a médica recomenda que deve parar de usá-lo, pois não há comprovação alguma de que possa prevenir a doença e ainda pode pôr em risco a saúde. “Medidas de higiene, uso de máscaras e distanciamento social são comprovadamente mais eficazes em prevenir essa doença”.

A médica afirma que as medidas, associadas à vacinação em massa, são as mais eficientes para a prevenção da Covid-19. “Medicina não é crença, medicina é ciência”.

Falsa segurança

O infectologista Fernando Maia falou que o maior problema do uso do “kit Covid” é que, assim como estudos têm mostrado, ele “claramente não funciona”.

“Esse tratamento dá uma falsa sensação de segurança. A pessoa toma o remédio, achando que está tratando a doença, está está se protegendo e, na verdade, não está”, alertou.

Maia recordou que há inúmeros estudos que mostram que os medicamentos do “kit” não alteram o curso da doença e não têm influência sobre a mortalidade causada pela Covid-19.

Fernando Maia

“Não adianta tomar, porque ele não funciona. Não é que seja perigoso, não é porque faça mal, simplesmente não funciona”, observou. 

Sobre a prescrição que alguns médicos fazem dos medicamentos, Maia diz que o grande problema que vê “é que pessoas que estão tomando essa medicação têm a falsa sensação de segurança, acham que estão tratando e há o risco de que descuidem dos sintomas. A pessoa pode começar a piorar, não perceber e deixar de procurar assistência médica, achando que não precisa porque tomou medicação”. 

Ele reforçou que a preocupação também é válida para os outros remédios que estão “em alta”, como vitamina C, vitamina D, Zinco, dentre outras. “Não há evidências de que essas medicações sirvam como medicação antiviral”.

Dedução

A estudante Juliana Arruda (nome fictício a fim de preservar sua identidade), 19 anos, conta que, quando se infectou com o novo coronavírus, no final de 2020, usou ivermectina para tratar a doença.

“Eu fui a três médicos, dois deles receitaram ivermectina e a outra não me receitou nada. Então, desses dois médicos que eu fui, que me passaram um monte de remédio, a pessoa fica meio que sem saber o que tá te ajudando a melhorar”, falou.

A estudante conta que tomou quatro comprimidos do medicamento Ivermectina, dois em cada dia. Ela teve melhora dos sintomas, mas confessa que não acredita ser mérito apenas do remédio, mas de seu sistema imunológico.

Juliana falou que fez uso do remédio em parte por pressão de seus pais, que tomam ivermectina desde março do ano passado, início da pandemia em Alagoas. 

“É uma incógnita muito grande saber se foi por conta da ivermectina ou não. Acredito que não faz nenhum efeito, mas usei porque o médico receitou”, disse.

Tratamento pós-Covid

De acordo com orientações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), ao receber alta hospitalar, o paciente com sequelas deve procurar a rede do SUS para receber assistência. 

O Centro de Especialidades Eliane Machado, localizado próximo ao PAM Salgadinho, no bairro do Poço, disponibiliza uma equipe multidisciplinar formada por vários profissionais da saúde, para atendimento às pessoas que tiveram complicações após contraírem o novo coronavírus e também outras síndromes gripais. 

Segundo a assessoria de Comunicação da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), caso o paciente apresente alguma das complicações relacionadas à Covid-19, pode procurar também a Central de Triagem vinculada ao Hospital Geral do Estado (HGE), localizada no Ginásio do Sesi, e a Unidade de Urgência para Síndromes Gripais Iza Castro, em Arapiraca, instalada no Ginásio João Paulo II.

O serviço também está disponível nas Unidades de Pronto Atendimento, nos municípios que possuem o serviço.

 

*Estagiária sob supervisão da editoria

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