A situação do transporte público de Maceió e a paralisação: há muitos pontos a serem discutidos...

05/04/2021 13:20 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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A situação do transporte público em Maceió carece de reflexões mais profundas. Não se trata apenas de uma busca por entendimento entre o empresariado e os funcionários das empresas, mas sim do equilíbrio financeiro do sistema. É válido ressaltar que o que os empregados solicitam são direitos mínimos, e esses precisam sim ser garantidos. Logo, eles (os funcionários das empresas) possuem razão.

É falso também colocar que a culpa da situação é única e exclusiva da atual gestão da Prefeitura de Maceió. São diversos fatores. Primeiro: em razão da pandemia – como mostram os números – houve uma redução no número de passageiros. Como consequência, dentro do modelo de licitação executado, uma queda de receita. Há muito que o problema se arrasta, e o ano de 2020 só veio para agravar. O temor é que, para além da paralisação e da greve anunciada, comece, justamente nesse momento, a ter desemprego nessas viações. Afinal, não são entidades filantrópicas.

Porém, as ações de JHC – por mais bem-intencionadas que tenham sido – podem ter causado danos.

Essa é uma das preocupações, por exemplo, do Ministério Público Estadual (MPE). Por isso a cobrança feita, pela promotora Fernanda Moreira, dos estudos nos quais o prefeito João Henrique Caldas, o JHC (PSB), se embasou para reduzir o valor da tarifa do transporte público por decreto.

A promotora, como estava claro desde o início (e falei sobre o assunto nesse blog) nunca foi contrária à redução da tarifa, mas questionou o caminho encontrado por JHC para isso. Pois não havendo base para uma decisão tão séria, haveria o comprometimento ainda maior do sistema. Na discussão anterior sobre o valor da passagem, o órgão ministerial foi um dos responsáveis por evitar o reajuste, o que já era uma avanço diante da situação.

Esse desequilíbrio financeiro levará a Prefeitura de Maceió, para preserva o sistema de transporte público, a ter que aportar recursos nas empresas, seja por subsídio, injeção de dinheiro de alguma forma, ou renúncia fiscal. Já disse isso em textos passados.

Em uma recente reunião envolvendo representantes do Executivo, das empresas, dos funcionários e do Ministério Público do Trabalho (MPT), o que coloquei em texto anterior se confirmou.

No último encontro, intermediado pelo MPT, consta na ata da reunião o seguinte: 1) que os estudos realizados pelo município mostram a dimensão correta do desequilíbrio financeiro, o que fará com que o Executivo faça aportes no valor de R$ 1,5 milhão, além do já repassado mensalmente por conta de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que foi assinado. O total do aporte chegará a R$ 2,5 milhões; 2) o Executivo ainda fala de postergação da outorga e que encaminhará para o Legislativo projetos de lei para a isenção do ISS.

Ou seja: o decreto de JHC que reduziu a tarifa pode ter agravado a situação, mesmo sendo – evidentemente – uma boa notícia para quem depende do transporte público. Afinal, todo maceioense merece um serviço mais barato e de melhor qualidade. Ninguém é contrário a isso. A questão é: a decisão do prefeito é viável? Uma pergunta que a Prefeitura de Maceió deveria responder com estudos, não simplesmente com uma canetada.

Esses estudos são os que foram cobrados pelo MPE, mas nunca apresentados. Faltou transparência. O que é de se estranhar, pois quando legislador, JHC era um fiscal implacável em relação às decisões do Executivo. Como deputado – seja federal ou estadual – o atual prefeito cumpriu esse papel com maestria. Dessa forma, sabe muito bem o valor da maior transparência com os números para que a população possa acompanhar e fazer melhor juízo de valor da gestão pública.

A ata da reunião com o MPT ainda segue com o seguinte: “Pela SMTT foi dito que os estudos foram finalizados; que comprovou-se o desequilíbrio econômico financeiro; que vem tentando resolver o desequilíbrio junto ao sistema; que não conseguiu equalizar totalmente, por enquanto, o sistema, mas que já vem resolvendo progressivamente os problemas das empresas; que já atendeu cerca de 75% das demandas das empresas; que já vem trabalhando as mudanças nas legislações para viabilizar o equilíbrio do sistema; que o Município manterá a redução da tarifa, permanecendo no valor de R$ 3,35”.

Que a Prefeitura consiga manter a tarifa, mas que – de forma séria – consiga também equilibrar o sistema. É válido lembrar que JHC ainda decidiu implantar o Passe Livre para todos os estudantes, seja da rede pública ou privada, o que acarretará em mais gratuidade e, consequentemente, redução de receita.

O fato é que – diante de tal situação – os trabalhadores rodoviários buscam lutar por seus direitos, o que é mais do que justo. Não pode ser a categoria a sofrer as consequências. No entanto, foram várias reuniões, com o MPT presente, sem que houvesse avanço.

Portanto, não se trata de um problema simples. É possível até resolver o imediato, encontrando forma de garantir os direitos do trabalhador e evitar o prolongamento de uma greve geral. No entanto, a situação persiste e há dinheiro público envolvido.

Desta forma, é mais do que importante que o Ministério Público Estadual acompanhe o processo, se debruce sobre os estudos que o próprio Executivo afirmou existir, e analise os atos tomados pelo prefeito de Maceió.

As boas ações que beneficiam a população maceioense, sobretudo o trabalhador que vem sofrendo com a pandemia e que precisa de transporte público de qualidade com preço justo, não podem se resumir à demagogia ou ao populismo, como forma de buscar um lucro político imediato, agravando problemas reais. Com o tempo, esses se tornam maiores. Uma hora a “bomba” estoura.

Lá atrás, logo quando o decreto de JHC foi publicado, o MPE – por meio da promotora Fernanda Moreira – teve uma postura corajosa, ainda que incompreendida por alguns. Pois ela cumpria a função que se espera dela: o detalhamento de todas as informações para se compreender o equilíbrio financeiro do sistema.

Percebam, caros (as) leitores (as), que – conforme as atas do MPT – o próprio Executivo reconhece as dificuldades e o desequilíbrio. Quando um assunto não é discutido com a profundidade que ele merece, quem acaba pagando a conta é justamente o mais pobre: de um lado os que sofrerão sem um transporte público que já é deficitário. Do outro, os empregados do setor que não estão conseguindo garantir o mínimo.

Essa é a preocupação, pois – de uma forma ou de outra – as empresas possuem sua força política para pressionar por aportes e subsídios em função da deficiência do sistema, o que faz com que o Executivo acabe pagando a conta com o dinheiro de todos os contribuintes para manter suas decisões.

Isso significa que não haveria o problema se não fossem as decisões mais recentes do prefeito? Claro que não. O problema já existia desde sempre. Apenas agora, por conta de JHC, o Executivo é mais parte dessa situação do que nunca..

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