Estudo mostra que sem auxílios federais economia alagoana teria colapsado. Em 2021, cenário é preocupante

21/12/2020 12:08 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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Na manhã de hoje, li o trabalho do professor e economista Cícero Péricles de Carvalho “Os impactos da epidemia na economia alagoana”. Nesse, que foi publicado no Portal da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade (FEAC), Péricles aprofunda uma análise que até já havia feito quando entrevistado por mim no programa Direto da Província, aqui do Portal CadaMinuto.

Basicamente é o seguinte: durante o ano de 2020, as medidas restritivas que foram adotadas pelo governo do Estado de Alagoas, só não causaram tanto impacto negativo na economia do Estado por conta de um colchão econômico criado pelas ações de socorro que foram adotadas pelo governo federal. Dentre elas, o auxílio emergencial, que – segundo dados da Associação dos Municípios Alagoanos – correspondeu a 3% do PIB do Estado.

Esse colchão econômico – entretanto – tem prazo de validade. Isso significa dizer que o cenário para 2021, diante da ausência dos auxílios federais, será muito mais preocupante. Afinal, mesmo com os mecanismos das medidas emergenciais, o ano de 2020 apresentou taxas negativas de crescimento, em que pese a sinalização de recuperação econômica após o início da reabertura. Todavia, o próprio consumo que aqueceu as atividades do setor produtivo foi estimulado pelo próprio auxílio emergencial.

Em 2021, caso a economia não tenha um impulsionamento natural, podem ser maiores as perdas de renda, empregos e mais empresas, estados e municípios enfrentarão situações ainda mais adversas.

“A partir de janeiro, caso esses mecanismos não sejam renovados ou substituídos por medidas compensatórias, teremos, provavelmente, uma conjuntura mais desfavorável, quando a economia estadual poderá conhecer uma taxa negativa mais alta que a prevista para este ano”, aponta o estudo.

Segundo Péricles, “o impacto final dessas medidas será sentido, primeiro, no consumo, quando forem cortados 2/3 dos 1,2 milhão de alagoanos que recebem o auxílio emergencial, com rendas atuais de R$ 600 e R$ 300, e apenas os 415 mil inscritos no programa Bolsa Família voltarem para seus benefícios no valor médio de R$ 186”.

Afinal, entre abril e agosto desse ano, os recursos transferidos representaram R$ 780 milhões, somando um total de R$ 3,7 bilhões. A partir de setembro até dezembro, foram reduzidos para R$ 320 milhões, somando R$ 1,3 bilhão. “Em janeiro (2021), serão pagos tão somente R$ 78 milhões aos beneficiários do PBF (Bolsa Família)”.

Isso quer dizer que o volume de recursos se reduzirá a 10% do que foi pago nos cinco primeiros meses da pandemia por meio do auxílio emergencial. Todavia, esse não será o único impacto negativo na economia alagoana, pois ainda há o final do Programa de Manutenção de Emprego e Renda do governo federal que, entre os meses de maio e dezembro, permitiu a assinatura de 197 mil contratos de suspensão ou redução da jornada de trabalho, em troca do benefício financeiro mensal e da garantia de emprego.

Esse benefício foi utilizado – conforme o estudo apresentado por Cícero Péricles – por 15,5 mil empresas do Estado. “Os efeitos diretos da extinção desse conjunto de medidas surgirão a partir de janeiro, quando os cortes na renda social pública coincidirão com o aumento esperado do desemprego, elevando a informalidade; com a inflação de alimentos acima de 12%, pressionando a renda dos mais pobres; e com o congelamento dos salários do funcionalismo, que tendem a reduzir a massa salarial”, explica o economista.

Diante desse quadro, com a restrição dos recursos para o consumo, a inadimplência e o endividamento crescerão. O impacto será imediato nos setores de comércio e serviços e atingirá – ainda segundo a análise apresentada pelo professor – indiretamente a agricultura, a indústria e o setor de construção. No efeito cascata, teremos a queda de arrecadação dos municípios e Estados.

Segunda onda

“Esse novo cenário corre o risco de ser agravado pela segunda onda da pandemia, influenciando negativamentesetores vinculados diretamente ao mercado interno, como também segmentos dependentes do mercado nacional e regional, a exemplo do turismo. Tal situação tornará ainda mais difícil o processo de retomada da economia. Neste cenário de incertezas, uma nova agenda para 2021 deverá ser construída no Congresso Nacional, da mesma forma que este ano, e implementada pelo executivo federal, com base em medidas anunciadas de apoio à renda e ao emprego, como: a extensão do Bolsa Família (ou Renda Brasil) para o público do Cadastro Único (680 mil inscritos em Alagoas); transformação do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) em programa permanente de apoio financeiro as MPE’s, o que já está sendo negociado no Congresso; continuidade da linha emergencial com recursos do FNE (BNB/Sudene); aprovação do Programa de Microcrédito direcionado aos MEI’s – microempreendedores individuais, para a formalização de seus negócios e estímulo às suas atividades (108 mil em Alagoas); antecipação do pagamento da 13ª parcela aos beneficiários do INSS (540 mil pessoas em Alagoas), a exemplo do que ocorreu este ano; compensação das perdas de transferências de FPM e FPE, beneficiando estados e prefeituras com mais recursos para a área da saúde; e a reativação da construção das obras, em coordenação com as prefeituras e estados”, pontua Péricles.

Períodos

Segundo o economista, no ano de 2020, Alagoas viu três períodos diferenciados de funcionamento da economia na pandemia: 1) de janeiro a março foi positivo, mas com um ritmo lento de crescimento, pois era ainda impactado pelo baixo desempenho dos anos anteriores, incluindo as quedas sequenciais de PIB em 2015 e 2016; 2) de março ao final de junho, as medidas de isolamento social obrigaram ao fechamento de grande parte das atividades do setor produtivo, logo queda na economia; 3) a partir de julho iniciou o processo de recuperação lenta, que foi marcado pela reabertura paulatina de seguimentos, “apresentando uma leve recuperação, sem, no entanto, conseguir alcançar o ritmo pré-pandemia; e o quarto e último trimestre (outubro a dezembro), ainda com um elevado grau de incertezas, mas com sinais moderados de crescimento”.

Entre março e dezembro desse ano, portanto, a economia alagoana basicamente funcionou sustentada pela renda pública e pela rede emergencial de financiamento das empresas e empregos. “Graças a esses mecanismos, nos meses de isolamento ou distanciamento social, Alagoas atravessou uma conjuntura de “aparente normalidade”, mesmo num cenário de forte queda na atividade econômica, como vêm registrando os números da Secretaria Estadual da Fazenda, da Receita Federal, IBGE, BNB e Banco Central. Nesse período, graças à renda social, o consumo das famílias continuou ocorrendo, movimentando todos os segmentos da economia, com queda de endividamento e inadimplência, e os números do desemprego permanecendo baixos”, ressalta Péricles.

Isso criou uma normalidade aparente que foi sustentada pelas medidas emergenciais aprovadas no Congresso Nacional e postas em prática com recursos federais. Todavia, a realidade deve bater a porta em 2021.

“A situação social da população alagoana é caracterizada pela pobreza da maioria de sua gente e pela desigualdade entre os estratos sociais de renda e, desde 2015, refletindo as dificuldades da economia, há uma tendência de aceleração desses doismfenômenos, que vem sendo registrada desde 2016, como mostrou o documento “Síntese de Indicadores Sociais” do IBGE12. Em 2019, quatro das cinco regiões brasileiras apresentaram redução de desigualdade de renda. A única onde ocorreu o aumento na desigualdade foi justamente o Nordeste. Índice de Gini da região passou de 0,545 para 0,559. Esse indicador varia entre 0 e 1, quanto mais próximo de zero, mais equilibrada a distribuição de renda entre a população”, mostra o estudioso ao contextualizar a situação.

Ele continua: “segundo a PNAD Contínua (IBGE, 2020), a forte alta na renda da população 1% mais rica e perdas nos rendimentos na faixa dos 10% mais pobres da Região contribuíram para maior concentração de renda. No Nordeste, a massa do rendimento médio mensal real domiciliar em 2019 alcançou R$ 60,3 bilhões, com os 10% mais pobres da população acumulando apenas 0,6% desse total; já os 10% mais ricos acumulam 44,4% do total da massa do rendimento médio mensal regional. Como em todos os estados nordestinos, a pandemia atingiu a sociedade com suas características de pobreza econômica e social, principalmente os trabalhadores pobres”.

Pobreza

“Apesar de todos os recursos emergenciais no enfrentamento da pandemia, o quadro de pobreza em Alagoas ficou ainda mais grave que no trimestre anterior e o desemprego subiu um pouco mais (20%), constituindo-se na terceira maior taxa do Brasil; a subutilização da força de trabalho chegou a 45,6%, a segunda maior do país, assim como a taxa dos informais (48,6%). O isolamento social teve como consequência o aumento das características históricas da economia alagoana e do mundo do trabalho em Alagoas: a informalidade, o desemprego e a subutilização da força de trabalho. São 3,3 milhões de alagoanos residentes, 2,6 milhões são maiores de 14 anos, com idade de trabalhar. No Estado, a força de trabalho (pessoas ocupadas e desocupadas) é formada por um conjunto de 1,1 milhão de pessoas. Desses, 892 mil são os ocupados, 606 mil são empregados (nos setores públicos e privados e serviços domésticos), 22 mil são empregadores e 233 mil trabalhadores por conta-própria (autônomos). Nessa força de trabalho, 461 mil pessoas estão no conjunto das ocupadas, mas estão na informalidade, sem contrato ou, quando autônomos, sem documentação, representando 48,2% desse conjunto amplo”, revela o levantamento.

Esse contexto gera uma renda média do trabalho em Alagoas que é a mais baixa do Brasil: R$ 1.543. “Ademais da pouca dinâmica econômica, do grau menos elevado de escolaridade e da formação profissional deficiente dessa força de trabalho, o rendimento dos assalariados é empurrado para baixo pela presença de um grande contingente de trabalhadores na informalidade e, principalmente, no conjunto dos “subutilizados”, onde se registra a disponibilidade de seiscentas mil pessoas desocupadas ou desalentadas. Essa pobreza social explica a importância da massiva renda social pública”. Eis o cenário de 2021, pois – como mostra a publicação – o isolamento social, ao paralisar algumas atividades, acentuou os problemas. 

“No período da pandemia e do isolamento social, as atividades produtivas foram afetadas, o desemprego aumentou, a queda da renda média atingiu os trabalhadores mais pobres e famílias de baixa renda, fazendo diminuir o consumo e, claro, penalizando os segmentos mais vulneráveis da população”.

Sem esses recursos federais, Alagoas teria um colapso imediato, pois seria reduzido o consumo de dois terços das famílias mais pobres, quebrando mais empresas, aumentando o desemprego e penalizando as finanças estaduais e municipais, tornando ainda mais difícil o processo de retomada econômica.

A realidade exposta por Péricles não pode ser ignorada. Ao contrário, tal estudo tem que embasar as discussões a serem travadas para que não sejam alimentadas pelas falsas dicotomias entre Saúde e Economia, mais uma vez. É óbvio que o momento carece de medidas sanitárias. Porém, retomar o fechamento do setor produtivo pode acarretar em mais doenças, fome, miséria, dentre outros problemas não tão visíveis. O remédio a ser adotado não pode ser pior que a doença.

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