Política de papel

09/11/2020 14:39 - Artigos
Por André Barros
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Ouvindo os candidatos no horário eleitoral, tenho a impressão de que não estou em Maceió. Chego até a duvidar, se a cidade da qual eles falam é a mesma em que eu vivo. Diante dessa dúvida, encontrei três explicações: 1) ou estou louco, perdi o senso de realidade, ou 2) os candidatos é que estão loucos, ou 3) eles simplesmente não conhecem a realidade sobre a qual falam. Acredito que a terceira opção é a explicação correta. Certamente, aquela cidade do cotidiano da maioria das pessoas é uma Maceió que os aspirantes a prefeito não conhecem, uma realidade paralela muito distante deles...

Mas, apesar desse flagrante desconhecimento e dos anos-luz que separam os candidatos e a maioria dos eleitores, chama a atenção a aparente convicção que demonstram em suas falas de campanha. A hipocrisia comprova que eles falam de uma cidade imaginária, que só existe no papel e na fantasia demagógica que despreza as péssimas condições de vida da maioria. Esses candidatos de papel são aplaudidos e votados por eleitores de papel!

O papel aceita tudo sem contestar, mas o cidadão que trabalha e sustenta a máquina pública com o suor dos seus impostos, esse não deveria tudo aceitar. “Projetos e propostas” de campanha que desprezam as contradições sociais e as gravíssimas deficiências de infraestrutura que vêm se arrastando pelos 200 anos de existência de Maceió, na verdade são planos irrealizáveis: isso é política de papel!  

Política, candidatos e eleitores de papel: muita conversa, tempo e dinheiro desperdiçados. Eu prefiro as palavras de Gonzaguinha que traduzem o desabafo sincero dos humildes, quando cantou em 1988: “A gente quer valer nosso suor, A gente quer viver a liberdade, A gente não tem jeito de babaca, A gente não está com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela, A gente quer viver pleno direito, A gente quer viver todo respeito”. Por que esse tipo de música já não encanta mais?  

Conversa bonita desconectada com a realidade serve para nada. Retórica não transforma uma cidade. Antes de tudo, é preciso reconhecer as necessidades mais urgentes da maioria. Quando deixo de refletir sobre minhas reais condições de vida e de lutar por causas legítimas, renuncio aos meus sonhos e à minha vida, condenando-me a viver tão somente para realizar os sonhos dos outros.

Política de papel é política de mentiras. Se não posso controlar as mentiras alheias, posso evitar contá-las a mim mesmo, pois “Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira” (Legião Urbana, 1986).

*Advogado

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