As aglomerações políticas e a hipocrisia. Lembrem de Renan Filho: “não vote em quem aglomera”

02/10/2020 11:03 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar

O que aponto aqui nesse texto já foi – evidentemente – percebido por muitas outras pessoas que fizeram indagações justas em relação às atividades de campanha que estão sendo realizadas nas eleições municipais. Houve algumas matérias jornalísticas nesse sentido, inclusive aqui no CadaMinuto e na Gazetaweb.

É fato que as campanhas estão gerando aglomerações tanto na capital quanto no interior do Estado, desrespeitando – abertamente – o protocolo sanitário estabelecido pelo próprio governo estadual, incluindo as mais recentes regras para eventos sociais.

Não por acaso, o Ministério Público Estadual (MPE) notificou a Secretaria Estadual de Saúde para que fizesse um protocolo específico para as atividades eleitorais. Eu me indago: para que um protocolo específico? Lembro da máxima de George Orwell em A Revolução dos Bichos: “Todos iguais, mas uns mais iguais que os outros”.

Ora, os políticos não são de fauna diferente. Se as atividades produzidas por eles ferem o protocolo já existente e esse determina PARA TODOS o que pode e o que não pode, as campanhas ferem tal protocolo e pronto! Que sejam tomadas logo as providências cabíveis.

Afinal, o poder público seria bem mais enérgico (aposto!) se a quebra de protocolo se desse por parte do setor produtivo. Não por acaso, algumas manifestações realizadas durante o período da pandemia foram duramente criticadas por isso. Pesos e medidas diferentes? Se fosse um evento social com essa “concentração de gente”, e não fosse campanha, talvez tivesse polícia, processo e o escambau.

Todavia, a hipocrisia tomou conta do processo eleitoral. E muitos dos adeptos do famoso “fique em casa”, que já criticaram de todas as formas o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) por promover aglomerações, agora fazem a chama “vista grossa”. No Brasil, muitas vezes o problema não é o que é feito, mas sim quem faz.

Basta uma visita às redes sociais dos candidatos para perceber tais aglomerações. Uma das caminhadas promovidas pelo candidato Alfredo Gaspar de Mendonça (MDB), por exemplo, reúne milhares de pessoas, todas juntinhas, o que evidentemente não seria permitido pelo governo estadual caso fosse um outro tipo de atividade. Aí, seria destaque como “mau exemplo”.

Mas não é só Alfredo Gaspar. Em uma recente matéria jornalística da Gazetaweb é possível ler que Davi Davino (Progressistas) “arrastou multidões” com “grande concentração de pessoas na capital” (leia-se: aglomeração). As fotos publicadas pela reportagem falam por elas mesmas. Mas, caro leitor, estavam todos de máscaras: esse objeto místico que projete nas aglomerações, não é mesmo? Santa hipocrisia.

Ah, o deputado federal João Henrique Caldas, o JHC (PSB) não fica de fora da crítica. No mais, não sejamos hipócritas: há muitos candidatos que só não aglomeram porque não possuem eleitor suficiente para isso...

E assim vão eles, todos os candidatos, entre abraços e beijos. Tudo aquilo que para os meros mortais – por indicação dos especialistas – não é permitido, pois para esses é “toque de pezinho” ou “toque de cotovelo”.

Repito: mesmo havendo tudo isso em evidência, o Ministério Público Estadual quer a elaboração de um protocolo específico, como se protocolos não já existissem proibindo eventos, regulando shows etc.

Talvez, o coronavírus – caro leitor – não goste muito de atividades políticas. Ou talvez, o poder público não seja assim tão rígido com os de sua casta. Afinal, entre os “aglomeradores” está o candidato apoiado pelas duas máquinas públicas.

Não estou dizendo aqui que as campanhas não devam existir, nem que essas atividades não devam ser feitas. O leitor que me acompanha sabe que defendo a tese de que já deveríamos ter tidos, com base nos números da matriz de risco, mais avanços na reabertura gradativa em Alagoas, incluindo até o retorno parcial das aulas, iniciando pelas que menos aglomeram, como cursos técnicos, cursinhos etc.

Portanto, o que ressalto aqui é os pesos e medidas.

Estou dizendo aqui apenas o seguinte: é impressionante como a hipocrisia fica às claras. Assim, as autoridades fazem um monte de regras que proibiriam essas mesmas “atividades aglomerativas” se não fossem eventos políticos, mas essas mesmas autoridades eleitas – que adoravam o discurso do “fique em casa” - se calam diante dessa “concentração de gente”.

Lembro-me, por exemplo, de uma fala do senhor governador Renan Filho (MDB) aconselhando os eleitores a não votarem em candidatos que aglomeram. Será que diante das caminhadas promovidas pelo seu próprio candidato (que é semelhante aos eventos promovidos pelos demais), Renan Filho manteria a mesma frase? Perguntar não ofende.

Vale ressaltar que as massas são necessárias para se mostrar o volume da candidatura nas ruas, sendo – inclusive – uma estratégia de marketing na angariação de votos, já que o candidato que aparece forte atrai eleitores.

Pela lógica de Renan Filho, portanto, o eleitor teria uma dificuldade imensa de escolher o seu candidato. Enquanto isso, o coronavírus segue sendo um problema para os eventos de grande porte, para o retorno às aulas (que pode ter muito mais controle do que em uma atividade de campanha), para a retomada de cinemas, teatros, museus etc. Talvez, o governo estadual saiba quais são e quais não são os lugares que o vírus chinês frequenta… vai que é isso.

O fato é que não há campanha sem as massas. Os políticos sabem disso. Então, que eles sejam mais iguais que os outros nesse momento. Que o que passe a valer para determinadas ações sejam válidas para todas, sem protocolo específico para A ou B.

Engraçado ainda é que para disfarçar, afinal não pode ser tão assim na cara, eles (os candidatos) colocam uma máscara e pronto: está todo mundo protegido. Eu sempre achei que usar máscara fosse uma prerrogativa de muitos políticos… Parece ser mesmo. Só que agora, além de metaforicamente, literalmente também.

Mas e aí, lembraremos ou não de Renan Filho: não votar em quem aglomera? Ou aceitaremos passiva e bovinamente que determinadas regras só passem a valer para uns e outros não… Enquanto isso, o Ministério Público cobra, para os que já se sentem diferenciados, um protocolo diferenciado…

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