Elas são mulheres, trabalhadoras e não pararam de trabalhar presencialmente mesmo com os casos de Covid-19 crescendo em Alagoas durante a fase mais crítica. O medo e angústia prevaleciam, mas elas precisaram enfrentá-los para garantir o emprego. Por causa do decreto do Governo do Estado, essas mulheres tinham basicamente um meio - mais barato - para chegar ao local de trabalho: os ônibus.  

Com o decreto, trens e transportes intermunicipais precisaram parar. Táxi, mototáxi e transporte por aplicativo não foram cogitados pelas passageiras que alegaram que “não teriam condições de pagar” todos os dias. Foram os coletivos que asseguraram que essas mulheres chegassem ao emprego em segurança. 

Mas para que as passageiras e funcionários andassem com segurança, medidas de prevenção precisaram ser reforçadas para que ninguém se contaminasse. Máscara, álcool em gel, luvas por parte das passageiras. Já por parte das empresas de ônibus, algumas medidas foram adotadas também: os coletivos e terminais passaram por higienização, passageiros tiveram a temperatura aferida e os ônibus não circulavam cheios. Além disso, as empresas incentivaram o uso do cartão eletrônico para evitar a contaminação com o uso de dinheiro. 

Foto: Sinturb.

Mulheres eram as mais expostas ao vírus

Apesar de não ter dados em Alagoas que comprovem que as mulheres utilizaram mais os ônibus durante o período da pandemia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) as mulheres representavam a maioria da linha de frente do combate ao coronavírus. Logo, elas eram as mais expostas a ele. 

O Cada Minuto trouxe relatos de mulheres que trabalharam presencialmente e que foram ‘salvas’ pelo transporte urbano. Elas também contam como se protegeram do coronavírus dentro dos coletivos.  

 “Os passageiros dependiam da gente” 

 E para quem estava na ativa como trabalhadora do transporte urbano sabia dos riscos que corria. Mas também entendia que por trabalhar na linha de frente não podia parar. A motorista Bruna Waléria Pereira, de 36 anos, levantava na época do isolamento social todos os dias às 5h40 para ir ao trabalho.  

Bruna, motorista. Foto: Maciel Rufino

Ela trabalha há 8 anos como motorista de ônibus e hoje dirige para a empresa Cidade de Maceió. Todos os dias Bruna faz a linha Dubeaux Leão-Centro. A chegada da pandemia, diz, foi um susto, e o medo era constante na vida da motorista. Não só por ela, mas também pela mãe que tem quase 60 anos, a filha de 2 anos e o irmão asmático. Todos moram com ela. 

Mas ela não tinha o que fazer. Foi com medo e com todas as medidas de prevenção que Bruna continuou trabalhando. A missão, segundo ela, era de transportar os passageiros com segurança para que eles chegassem até o trabalho. 

E ela conta que as mulheres eram maioria no coletivo. “Sempre via mais mulheres indo trabalhar. No começo, percebia que muitas ainda não tinham o costume de usar máscara, mas eu sempre orientava”, disse. 

Mesmo com o medo de se contaminar e contaminar os outros, a motorista disse que redobrou os cuidados tanto dentro do ônibus como em casa. “Álcool em gel constante, a roupa do trabalho era tirada na área da residência para não entrar em casa e máscara o tempo todo”, reforçou. 

Apesar da situação da pandemia, Bruna disse que ama profissão e que sabia que os ônibus eram essenciais para quem não pôde parar de trabalhar. 

(Veja o vídeo abaixo com o relato da motorista)

“Via que muitas mulheres iam trabalhar, então eram mulheres que não podiam deixar de trabalhar. Já imaginou se os ônibus tivessem parado? Como seria para elas? Será que elas não iriam trabalhar em transportes irregulares que colocassem em risco a vida delas? Me sinto feliz por saber que trabalho em algo que é essencial na vida das pessoas. Nòs salvamos essas trabalhadoras que não podiam parar. Os passageiros dependiam da gente”, finalizou. 

  

  Ônibus ‘salvaram’ passageiras 

Durante a fase mais crítica da pandemia e isolamento social, foi no transporte coletivo feito pelos ônibus urbanos que elas conseguiram manter a rotina que para muitos não foi interrompida, apesar da ameaça do coronavírus e se manter nos seus empregos.  

Sem os ônibus, elas afirmam, não teriam como pagar outro transporte.  Apesar da sensação de insegurança, as trabalhadoras ouvidas não foram contaminadas pelo vírus. 

Maria do Socorro tem 52 anos, é casada e tem dois filhos, um casal. Ela é porteira de edifício no bairro da Jatiúca, parte baixa de Maceió e não parou de trabalhar mesmo na fase mais crítica.  

Maria do Socorro. Foto: Cortesia

  

Como ela mora na Cidade Universitária, Tabuleiro do Martins, para chegar ao trabalho só havia um jeito: ir de ônibus. “Utilizo ônibus duas vezes ao dia, ida e volta do trabalho. Continuei sim usando ônibus durante a pandemia”, conta, ao dizer que enfrentou dificuldades, como a maioria dos trabalhadores, o medo de espera por um ônibus nas ruas vazias e da contaminação pelo vírus. 

E Maria não nega o medo que sentiu de se contaminar. “Na fase do isolamento foi bastante complicado”. Mas também ressalta que se não fossem os ônibus, ela não teria como ir até o trabalho todos os dias. “Se não fossem os ônibus não teria condições de pagar um transporte particular”. 

Quem também passa pela mesma situação que Maria é Kátia Alves de Oliveira, de 48 anos. Ela mora no Village Campestre, parte alta da cidade e não parou durante a pandemia. O trabalho fica no bairro do Farol, mas para ir até o local, ela dependia exclusivamente de ônibus. Segundo ela, o coletivo era a maneira mais segura de ir trabalhar. “Eu não teria coragem de ir ao trabalho de transporte irregular”, disse. 

Kátia Alves. Foto: Cortesia.

Se não fossem os ônibus, Kátia não teria como ir ao trabalho. “Uso ônibus duas vezes para ir pro trabalho. Continuei usando ônibus, agora com muita dificuldade. Não tinha ônibus suficiente para atender. Até hoje tenho medo de andar por causa da contaminação”, enfatizou. 

A enfermeira Ana Carla, de 40 anos, trabalhava em uma Unidade de Pronto Atendimento de Maceió. Ana disse que não tinha carro para ir trabalhar e que os ônibus foram essenciais para que ela pudesse ir à UPA.  

“Sabia dos riscos que estava correndo por ser profissional da saúde, mas não tinha outro jeito. Inclusive, eu sempre sentava no fundo do ônibus e pedia para que não sentassem próximo a mim por ser profissional da saúde”, reforçou. 

A enfermeira contou que os ônibus estavam mais vazios durante a fase mais crítica e que isso ajudou ela e os passageiros. “Apesar de atuar na linha de frente não fui contaminada, graças a Deus”. Entrava no ônibus de máscara, álcool em gel, luvas e trocava de roupa quando chegava na UPA. “Era um protocolo bastante intenso e cansativo até”. 

Transporte público é importante, diz economista

A economista Luciana Caetano é enfática na análise dela, ao afirmar que o transporte público, independente da pandemia, tem importância fundamental para a economia, embora considere que é instrumento de contaminação. 

“Com relação a sua importância, ele vai além de qualquer crise pandêmica porque a grande maioria da população não dispõe de veículo particular. Então, transporte público para a economia, independente de pandemia ou não, ele tem uma importância fundamental para manutenção desse fluxo, deslocamento das pessoas”, ela afirma, ao ressaltar que além disso não há em Maceió uma estrutura de ciclovias que permita o deslocamento do trabalhador de outro modo. 

Frota foi reduzida

A frota também foi reduzida por causa do decreto governamental. Para as passageiras, a medida não as beneficiou. Com menos ônibus, as passageiras demoraram mais nos pontos que, muitas vezes, estavam vazios. 

“Ficava horas esperando o ônibus e isso foi um ponto que me prejudicou. Cheguei a passar duas horas no ponto e chegava em casa muito cansada”, desabafou a enfermeira.

A reportagem entrou em contato com a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) e foi informada que no período da pandemia em Maceió - de março a junho - a frota de ônibus operou com 70% de sua capacidade durante a semana e com 50% aos finais de semana.  

 Em nota, a SMTT disse que a medida foi adotada com o objetivo de diminuir os riscos de proliferação e de contágio pelo novo coronavírus no transporte público. A redução, de acordo com o órgão, levou em consideração o distanciamento social obrigatório, a suspensão das atividades nas escolas das redes municipal, estadual e privada, além da paralisação das aulas nas universidades e o fechamento de alguns segmentos do setor econômico, seguindo as determinações dos decretos Municipal e Governamental. 

 Na avaliação de Guilherme Borges, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Maceió (Sinturb), as empresas registraram uma diminuição de passageiros e perceberam a mudança de comportamento de forma positiva.  

Para ele, o transporte municipal está apto também a transportar passageiros de fora da cidade dentro de Maceió. 

Por fim, o presidente destacou “que desde que nos deparamos com a situação de combate ao coronavírus, as empresas buscaram novos métodos de higienização e segurança para oferecer o melhor serviço para os passageiros e para os funcionários”.