Uma fala da presidente da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), Pauline Pereira – durante uma reunião que discutia o retorno das aulas nas redes de ensino das cidades alagoanas – merece maior destaque. Não apenas por conta da pandemia, mas porque nas entrelinhas da fala expõe a situação histórica da estrutura da maioria das escolas dessas redes municipais, que – por serem prédios antigos e distantes do ideal para a educação como pensada hoje – terão problemas para se adaptarem ao que for exigido como medida de segurança sanitária.

Em outras palavras, Pauline Pereira diz o seguinte: as escolas dos municípios alagoanos são equipamentos públicos sem as condições necessárias para adotar um protocolo de segurança sanitária par o retorno das atividades presenciais. Isso significa dizer que será impossível cumprir, para parte dessas unidades, medidas que possam ser impostas para que se tenha a volta das aulas. Ou seja: as prefeituras não possuem como implantar aquilo que possa ser exigido da rede privada.

Obviamente que isso se dá por uma questão histórica que já é conhecida: a situação física dos prédios e a ausência – em muitos casos – de investimentos importantes, ao longo do tempo, para modernizar essas estruturas.

Isso passa a impactar agora, diante de uma situação não prevista, e revela o abismo entre a educação que o poder estatal deveria oferecer e aquela que se oferece. A preocupação de Pauline Pereira faz todo o sentido, pois mesmo que haja – com protocolo adotado e medidas de segurança – condições para o retorno das aulas presenciais, muitos municípios enfrentarão dificuldades para as adaptações simplesmente pelas condições de grande parte das edificações. É válido repetir!

Eis a fala de Pauline Pereira:

“Um retorno nesse momento causa uma preocupação pela FALTA DE ESTRUTURA (grifo meu) das escolas das redes municipais. Será preciso rever largura de portas e portões, ofertar mais lavatórios, além dos funcionários do grupo de risco, que em alguns municípios são maioria na Educação”.

Traduzindo: 1) prédios antigos que há muito não sabem o que é uma reforma no sentido de modernizar-se, 2) com uma estrutura que sequer atende a demanda e não tem espaço para mudanças necessárias agora e 3) com maioria de servidores que se encaminham para a aposentadoria sem que tivesse uma renovação de quadros, mostrando um déficit. A pandemia, portanto, revela um problema antigo dessas redes de educação básica.

Mais uma vez, os alunos de famílias mais pobres são prejudicados pela ineficiência estatal. E aí, eis a encruzilhada, pois os dados da matriz de risco apontam para a possibilidade de retomada das aulas dentro de critérios que precisam ser cumpridos. Já que, como reconhece a AMA, existe uma preocupação com o fechamento da folha de pagamento que depende do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), eis o desafio.

Nesse sentido, uma proposta de adiar o retorno das aulas para 2021 – como surgiu na discussão feita com a presidente Pauline Pereira – não se dá apenas por conta da pandemia do novo coronavírus, mas sim pela incapacidade do Estado ofertar o serviço de forma relativamente segura nesse momento. Porém, é esse mesmo Estado que vai cobrar tais medidas do ensino privado, uma vez que regras precisam sim ser adotadas. Então, teremos o retorno de uma rede e da outra não? Ampliaremos ainda mais o abismo?

Também me chamou atenção ler, na matéria oficial divulgada pela AMA, uma fala que é colocada como sendo do presidente da União dos Dirigentes de Secretários de Educação de Alagoas (Undime), Rubens Araújo. Eis a fala: “Quero agradecer à presidente Pauline por fortalecer o discurso dos secretários. Acho que não deveria voltar às aulas esse ano, voltaríamos 2021 com mais segurança. A única coisa que me preocupa é a questão financeira, porque em muitos municípios a principal renda é do Fundeb”.

Entendo a preocupação de Araújo e até compartilho dela, mas creio que tenha se expressado mal, pois a questão financeira é de fato grave, mas não deve ser a única coisa que preocupa nesse momento, pois o prejuízo tomado pelos alunos é imenso, uma vez que o ensino online não tem tido a eficiência esperada no quesito aprendizagem o que acarreta em defasagem para muitas crianças, que acabarão – por força da circunstância – passando de ano, mas acumulando esse déficit.

Quanto mais demora a decisão, maior o déficit, pois tudo vai sendo feito sem uma perspectiva clara e sem sequer um projeto pedagógico. O professor – nesse caso – é até mais uma vítima, pois acaba sendo cobrado pelo que não é sua função.

Presumo que Araújo também se preocupe com isso. Não quero aqui fazer juízo de valor por uma fala destacada em uma matéria que resume uma reunião que deve ter sido ampla. Apenas chamo atenção para o leitor para que fique claro que há preocupações tão graves quanto a questão financeira, inclusive a exposição de problemas históricos de uma rede de ensino que ficam mais evidentes agora em função da pandemia.

Em todo caso, Pauline Pereira destaca algo que há muito defendo: a maior autonomia dos municípios nas decisões que devem ser tomadas nesse e em outros aspectos relativos à pandemia, pois eles possuem particularidades. O problema é que todas as vezes que um prefeito age nesse sentido, a Justiça tem levado em conta apenas os decretos estaduais, invalidando as decisões das gestões municipais. Não lembro de ter visto a AMA falar sobre isso.

O retorno às aulas, portanto, como diz Pereira, depende sim de uma análise das questões sanitárias e “cada município tem sua particularidade”, inclusive em relação à estrutura dos prédios físicos e às adaptações necessárias. O problema é – diante do já visto – cada município conseguir elaborar seu próprio protocolo diante da realidade vivenciada e conseguir aplicá-lo.

Em todo caso, Pauline Pereira foi sincera em sua exposição e tocou em um problema que, muitas vezes, passa batido. Já elogiei as falas de Pauline Pereira em outros momentos aqui por ter uma visão de diagnóstico de situações que corresponde à realidade. Isso deveria ser obrigação de um gestor, mas em tempos atuais passou a ser mérito já que a qualidade da maioria dos prefeitos desse país faz com que eles gaguejem ao falar a palavra descentralização ou municipalismo.