Sobre a declaração de Alexandre de Moraes...

14/08/2020 10:27 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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O que nos salva da “tirania da maioria” é uma democracia sólida com princípios e valores morais objetivos, sem relativismos, que permita a compreensão de que minorias possuem o direito à voz, à liberdade de expressão de suas opiniões e não sofrerem a censura prévia por contrariarem interesses, sendo apenas submetida a uma igualdade perante a lei. Isso nos salva da máxima orwelliana de que “todos são iguais, mas uns mais iguais que os outros”.

Deus me livre de um sistema onde aqueles que pensam diferente de mim não tenham direito à voz. Lembro aqui uma colocação de Santo Agostinho que diz, em outras palavras, que os que nos criticam também nos ajudam, pois os que nos adulam nos corrompem.

É isso que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, parece não entender ao afirmar que “toda tirania deve ser afastada, inclusive a tirania da maioria que elege o Executivo e o Congresso”. É óbvio que toda tirania deve ser combatida. Todavia, é justamente por isso que há a tripartição do poder na busca – por princípio ideal – de que esses poderes sejam harmônicos e independentes.

O ideal, evidentemente, não é o real. Por essa razão, os homens que integram as instituições são alvos de críticas que se baseiam naquilo que as instituições deveriam ser. Essa crítica pode ser feita a todos os poderes constituídos. O problema é que alguns desses, ao alcançarem o cargo, acham que eles são a instituição.

Por conta dessa visão pautada no ideal, o Executivo ser expressão da vontade da maioria, em uma eleição majoritária, mas o Congresso – por obedecer uma proporcionalidade – garantir a representatividade de correntes múltiplas que são condensadas, de forma mais simples, dentro da “situação” e da “oposição”, para que não seja subserviente ao Executivo. Dentro dessa representatividade, situação e oposição ainda se desdobram em função das correntes políticas e interesses existentes no jogo democrático. Para todos eles, deve prevalecer a lei e a Constituição. Por isso, o STF é o guardião da Constituição.

Não por acaso, senhor ministro Alexandre de Moraes, Rui Barbosa já pontuava: “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Ou seja: quando magistrados, por se sentirem iluminados, exercem a sua vontade pela força da lei e por meio de uma ativismo nefasto que ignora os outros poderes, usurpando a função desses. No caso do Supremo Tribunal Federal, é deixar de ser um guardião da Constituição para se comportar como se legislador fosse, querendo corrigir – em suposto nome do povo – o que enxerga como “o mal”. Uma visão ditatorial e estamentária de uma alta casta que subverte a democracia.

Artistóteles – o filósofo grego – já dizia que todas as formas de poder podem descambar em uma tirania, quando a monarquia se torna um depostismo, quando a aristocracia se torna uma oligarquia e quando a democracia se torna pura demagogia. No Brasil, em século passado, o pensador Raymundo Faoro mostrou bem esse mal da nossa democracia, explicando – em Os Donos do Poder – como ela (a democracia) emana do povo para contra o povo ser exercida.

As altas castas se unem numa plutocracia cleptocrática para realizar seus interesses. A tal “estratégia das tesouras” firmada na reabertura democrática brasileira foi isso. As eleições eram traçadas antes mesmo do processo eleitoral, no tapetão, e dentro de um único espectro político que ia, no máximo, do centro-esquerda para a esquerda, que produziu um Estado de imenso gastos públicos, que ampliou o poder coercitivo estatal e nos presenteou com a “crise de representatividade”, colocando em descrédito as instituições como o Congresso, Executivo e o próprio Judiciário. No máximo, cabia ao eleitor escolher o “menos ruim”.

A Operação Lava Jato – com erros e acertos – escancarou esse estamento, mostrando o comportamento por trás das máscaras, que vem de antes do Partido dos Trabalhadores. O PT apenas soube se apoderar disso, dentro de uma estratégia gramsciana, que implantou o “nós contra eles”, que se “vendeu como os pais dos pobres”, que corrompeu moral e materialmente o país, que comprou apoios políticos no varejo e no atacado, dentro dessa plutocracia a serviço de um projeto ideológico. Alexandre de Moraes nunca fez críticas a esse sistema.

A eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi um processo disruptivo com vários fatores que o impulsionaram: o lavajatismo, a insatisfação com esse sistema, a retomada de ideias conservadoras e liberais, a revolta com a corrupção desenfreada, a insegurança que tomava conta do país (com quase 70 mil homicídios por ano), a instabilidade e a derrocada econômica, depois de dois anos consecutivos de queda do Produto Interno Bruno (PIB), desemprego e dentre tantos outros males que se personificaram na ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Bolsonaro é a cura de todos esses males? Evidente que não. O governo de Bolsonaro, assim como próprio presidente, tem seus defeitos. É natural e não podemos cegar a eles diante de tudo aquilo que o país precisa, como reformas profundas na parte administrativa, política, econômica e até naquilo que – em minha humilde opinião – não depende tanto de um governo: o resgate moral e o combate à fé política que deposita confiança demais em ideologias seculares. Por essa razão, o governo Bolsonaro merece sim muitas críticas.

O presidente faz movimentos que merecem ser questionados: a aproximação com nomes do Centrão que antes eram tão hostilizados, a demora em algumas reformas e no andar de algumas pautas de campanha, algumas declarações polêmicas desnecessárias que só alimentam crises. Porém, há também outros fatores que travam o governo: os interesses fisiológicos de um Congresso viciado, o comprometimento ideológico de parcela da imprensa e um STF que resolveu ser ativista e agir politicamente o tempo todo.

E há indagações também – por ele ser um homem público – que são necessárias, como as explicações devidas do caso envolvendo Queiroz, apesar de não ser algo do governo.

Agora, o governo federal tem também acertos: a reforma da previdência, a MP da liberdade econômica, a indicação de ministros que fazem um bom trabalho técnico, como o de Infraestrutura (Tarcísio Freire), a busca por desburocratizar processos que facilitam o empreendedorismo, dentre outros pontos.

Alexandre de Moraes se coloca na posição o guardião da democracia, assim como Dias Toffoli – o presidente da Corte – já se viu como editor do pensamento nacional. Moraes aplica censura prévia como se estivesse em defesa da liberdade, quando há os mecanismos que ele pode usar – dentro da lei e sem um inquérito com vício de origem – para processar aqueles que tenham cometido, na visão do ministro, exageros no uso da liberdade de expressão. Ora, que os que se sintam ofendidos busquem a Justiça, mas aguardem o julgamento justo dentro dos mecanismos ofertados pelo Estado Democrático de Direito que, em seus códigos, faz a previsão da injúria, da calúnia, da difamação e de outros supostos crimes. A aplicação da censura prévia visa impor o medo à crítica a um poder que – como qualquer outro – pode ser criticado. E isso é feito sem a garantia da defesa.

Assim como cabe críticas ao Executivo, ao Legislativo, também cabe ao Judiciário. Se alguém extrapola as críticas para fazer ameaças a algum dos membros desses poderes, que seja processado por isso. Porém, o STF se comporta hoje como se fosse um censor, como se fosse um tutor, como se fosse um legislador, como se fosse um editor e acaba sendo ele o mais tirano dos poderes constituídos. Tem sido assim com a temática do aborto e até mesmo com algumas ações legítimas do Executivo, como simples nomeações. Se os nomeados cometerem crime, aí sim merecem ser punidos, como em qualquer outro governo.

A sentença proferida por Moraes parece conter uma raiva da representatividade legitima que é exercida por deputados, senadores e pelo presidente, independente de serem de direitas ou esquerda. Não importa o espectro político do eleito, se ele ali chegou, é um representante legitimo de uma parcela da sociedade (que são seus eleitores) com direito a voz, seja pela maioria ou pela minoria.

A tirania – senhor ministro – é combatida pelo sistema legal, garantindo a liberdade de expressão, garantindo todas as liberdades, assim como é concedido – no jogo democrático – os poderes da oposição de obstruir pauta, apresentar projetos, tentar derrubar matérias por meio do voto ou até recorrendo ao Judiciário argumentando elementos de inconstitucionalidade. Por isso a tripartição é importante, ainda que nunca venha a ser o ideal. Afinal, democracia não é produto. É processo.

É óbvio que dentro de um sistema onde só a maioria tenha voz e poder ou só uma minoria tenha poder, a tirania será exercida e atropelará os divergentes. E aí, caro ministro, é que mora o perigo, pois o Judiciário pode ser essa minoria tirânica não eleita a fazer valer apenas a sua vontade, impondo aos demais poderes os seus desejos, desfazendo a ideia de tripartição, sufocando a liberdade, a representatividade e a democracia. Em outras palavras, não reconhecendo a legítima vontade da maioria exercida por meio de um processo eleitoral, pois quando o povo o contrarie, ele passa a querer tutelar o povo. Não mais será o guardião da Constituição, mas se verá como os iluminados dentro de um ativismo secular com total desrespeito aos demais poderes.

O pensamento de Alexandre de Moraes conduz à máxima de que todos são iguais, mas os ministros do STF são mais iguais que os outros.

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