No início desse mês, a Companhia das Letras trouxe ao mercado a reedição de uma das melhores biografias do primeiro-ministro inglês Winston Churchill. Em que pese gostar muito do trabalho de Martin Gilbert, um excelente biógrafo de Churchill, o livro de Andrew Roberts nos traz a grandeza do biografado sem ocultar seus defeitos, suas concepções contraditórias em função das posições ora liberal ora conservadora que assumia publicamente.
Ali se faz presente o coerente Churchill na defesa da liberdade, mas também o contraditório político que, mesmo sendo crítico ferrenho do socialismo, aderiu a causas da chamada social-democracia.
Andrew Roberts apresenta Winston Churchill em uma verdadeira aula política. O primeiro-ministro inglês, que a tantos incomodou em seu tempo por ser um “grosseirão” cheio de tiradas irônicas, sarcásticas e sem subterfúgios quando partia para cima de seus adversários políticos, soube aliar duas coisas: o conteúdo à retórica, seja pelo uso da linguagem ou pelos trejeitos que adotada, sempre inspirado no pai (Rodolph Churchill) ao fazer o uso da fala.
Churchill – incrivelmente ambicioso – adotou para si uma missão ainda na adolescência: conduzir o Império Britânico em momentos de crise, como ele mesmo afirmou na mocidade. Desde então, mesmo sendo desacreditado, se pautou por isso e criou uma couraça em relação às críticas por imprimir em si mesmo o que era o seu destino.
Isso o fez conseguir abrigar suas contradições e seus defeitos tornando-os até atraentes. As idiossincrasias de Churchill passaram a ser um charme de sua personalidade para alguns e motivo de ódio entre seus adversários. Porém, fez com que ele – no caminho até o topo – não deixasse de ser notado, percebido, confrontado.
A cada confronto, Churchill aprendeu a colocar os holofotes em si mesmo, atacando não apenas aliados, mas também membros de seu partido. Assim, chegou desacreditado à função de primeiro-ministro num dos piores momentos vivenciados pela Europa no século XX, mas com uma carga de conhecimento que o permitia ver além de seu tempo, enxergando a ameaça de Adolph Hitler antes mesmo de qualquer um dos políticos ingleses. Churchill cometeu erros, mas jamais foi covarde.
Essa ausência da covardia – que não é sinônimo de ausência de medo – já estava presente na fuga espetacular, quando correspondente de guerra, das mãos de um exército inimigo. Ele fez da adversidade a fama que perseguia, pois sabia -de antemão – que essa seria o impulso para a carreira política, não se abalando – inclusive – com a primeira derrota sofrida nas urnas. Há, nessa jornada, casos espetaculares, como ter enfrentado o movimento sufragista mesmo tendo defendido o voto feminino.
Churchill destroçava adversários no discurso. Sua ida à tribuna era temida e somente por isso muitas vezes respeitadas, ainda que as críticas corressem pelos bastidores. As pausas em suas oratórias causavam um suspense que atraia ainda mais a expressão do público diante do inesperado, adotando até mesmo o teatral no discurso, como as mãos nos quadris. Por vezes, sabendo explorar isso, como muitos políticos, Churchill deturpava a realidade a seu favor e buscava o lucro para um senso de missão. Obviamente, um defeito altamente criticável. Assim fez, por exemplo, ao biografar o pai, que foi um importante parlamentar inglês. Churchill fez do pai sua imagem e semelhança, enquadrando a biografia do genitor naquilo que era propício a ele.
Porém, mesmo com as falhas, Churchill era admirável e soube identificar o seu papel na história e o combate que deveria travar em seu tempo. O escritor e historiador Andrew Roberts captura muito bem esse espírito e, com uma profunda honestidade intelectual, nos apresenta Churchill. O primeiro-ministro se torna ali um professor de política e, para os mais jovens, uma lição de como atrair para si a atenção e conduzir decisões em momentos críticos.
Andrew Roberts soube analisar de forma precisa as mais de 40 fontes históricas inéditas a que teve acesso, incluindo os diários privados de um rei inglês, que nunca foi usado anteriormente em outra biografia de Winston Churchill.
Por essa razão, permite ao leitor a avaliação das falhas e virtudes de um grande homem, bem como a análise do caráter desse, que por vezes era tirânico em seu ritmo de trabalho, que cultivava vícios, mas que – em função de ser um profundo estudioso – sabia compreender as grandes questões enfrentadas pela Inglaterra e pela Europa. Churchill foi um dos maiores políticos do mundo. Portanto, sempre uma referência a quem gosta de estudar sobre política.
Winston Churchill sabia – e tinha coragem para isso – correr riscos na adversidade, apostar alto sem se abalar com as derrotas, deixar impressa a sua visão mesmo quando perdia, plantando a semente para futuras vitórias, fazendo valer a máxima de que se perde uma batalha, mas não a guerra. E tudo isso era feito com um humor ímpar que se fazia presente mesmo nas tragédias. Churchill é a vitalidade da política em seu exercício diário como se cada dia fosse um passo importante para o futuro que se almeja, pois no final das contas, cada dia acaba sendo isso mesmo.
Por essas e outras razões, caro leitor, indico a obra Churchill, Caminhando com o Destino de Andrew Roberts.