Sobre a Verdade: uma coletânea de Orwell essencial ao nosso tempo...

07/08/2020 11:37 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
Image

Caros leitores,

Permitam-me sair um pouco da discussão sobre a política do cotidiano para, no texto de hoje, indicar uma obra recém-publicada pela Companhia das Letras com o título Sobre a Verdade do escritor George Orwell.

Esse autor é muito conhecido pelo romance distópico 1984 e pela fábula política A Revolução dos Bichos. Em ambos, denuncia a tirania de um estado totalitário. Nelas, há reflexões visionárias que se associam ao mundo em que estamos vivendo, com questões como a censura prévia, o politicamente correto, os poderes coercitivos estatais tentando definir o que pode ou não ser publicado em nome de uma suposta verdade.

Enfim, o controle do que pode ou não ser pensando passa, essencialmente, pela revolução da linguagem, subtraindo palavras e criando outras em função dos interesses políticos e ideológicos de plantão.

A coragem de Orwell fez dele um verdadeiro defensor da liberdade, uma vez que suas críticas – seja pelos romances, artigos ou ensaios – miravam tanto na esquerda quanto na direita. Uma honestidade intelectual que serve de lição, pois não poupava ninguém.

Porém, Orwell não é apenas os clássicos que de épocas em épocas passam a figurar a lista dos mais vendidos. Em um de seus artigos, escrito ainda na década de 1940, o escritor conseguiu não apenas prever a queda de Hitler e o nefasto nazismo como abordou as consequências de ideias decorrentes e remanescentes, tanto do lado do comunismo quanto do nacional-socialismo e do fascismo, para a modernidade, criando fé demasiada na política e nos estados.

George Orwell, ao criticar a imprensa inglesa, por exemplo, notou três possibilidades perigosas para o futuro dos jornais: 1) a submissão às altas castas econômicas e políticas cujos interesses nem sempre é a divulgação da verdade; 2) a vaidade nociva que faz com que muitos escritores passem a escrever apenas para o clubinho dos escritores na finalidade de serem aceitos e aplaudidos pelo corporativismo e 3) o domínio ideológico que expulsa verdades incomodas a essas ideologias.

Orwell cita casos em que, mesmo na Inglaterra, eram perseguidos aqueles jornalistas que ousassem criticar o stalinismo por ferirem os sentimentos de quem ainda acreditava no “sonho” chamado “paraíso na terra” representado pelo totalitarismo da extinta União Soviética.

As críticas de Orwell servem muito bem ao nosso tempo. Esses três eixos seguem sendo um perigo à liberdade de expressão, quando “vigilantes” se acreditam iluminados para estabelecer o que é ou não verdade, como se fosse a “última rede de proteção dos leitores”.

A discussão, na atualidade, sobre as chamadas “fakenews” possuem muito de orwelliano. É inegável que notícias falsas são um mal, pois promovem a desinformação com interesses outros que não a busca honesta pela verdade. Porém, o combate a essas, por meio dos mecanismos estatais (como vemos hoje) se transforma na desculpa perfeita para perseguir uma linha de pensamento.

Ora, quem cometer crimes no exercício da liberdade de expressão tem que ser punido, independente de convicções ideológicas, políticas e filosóficas. Para isso, há um Código Civil e Penal. Todavia, querem expulsar uma corrente de pensamento do debate para que prevaleça uma hegemonia que possa ser verificada pelos mecanismos estatais, criando – como quer parte dos parlamentares – até mesmo legislações para isso. É um perigo. Um mal real é utilizado como desculpa para punições desproporcionais de todos aqueles que ousem criticar um “mainstream de ideias”.

A vigilância segue até mesmo denunciando aplicativos – como o PayPal – que são meras plataformas para vendas sem se importar com o conteúdo ideológico, filosófico, político etc do produto. Fazem isso como se quisessem o nosso bem, como se o consumidor não fosse o árbitro suficiente do processo para definir o que consume ou o que deixa de consumir.

Sufoca-se, nesse sentido, a liberdade em nome dela. É de lembrar quando Orwell frisava em 1984: “Liberdade é escravidão”. No caso do PayPal, o alvo agora é o escritor Olavo de Carvalho. Amanhã será quem?

Não importa a opinião que se tenha de Olavo de Carvalho. O leitor é livre para isso. É livre para gostar ou não. Para seguir ou não. Para acreditar ou não. Para comprar ou não. O mesmo ocorre com outras plataformas como o Brasil Paralelo etc. Se autorizarmos tantas patrulhas e tantos vigilantes a quererem cuidar de nós, em breve estaremos nos indagando o seguinte: “Opa, mas quem vigia os vigilantes? Não teriam eles seus próprios interesses e suas ligações político-ideológicas? Será que eles não mentem? Será que querem tanto o nosso bem assim, esses altruístas de plantão?”.

O consumidor é você, caro leitor. E é o seu direito rejeitar ou querer diante das suas próprias reflexões, sem patrulhas de plantão.

Sobre a Verdade de George Orwell é um livro curto lançado pela Companhia das Letras, mas que nos ensina a compreender melhor esse cenário e o quanto os “altruístas” estatais – ou estatólatras – não são tão “altruístas” assim. Estão longe disso. Esse livro traz uma coletânea dos melhores trechos já escritos por Orwell em suas obras, sobretudo na década de 1940, quando ele observava, entre as reflexões sobre a Guerra Espanhola, a Segunda Guerra Mundial, as ascensões dos totalitarismos do século XX, o mundo apocalíptico no qual a verdade era destroçada em razão de interesses inconfessos.

Orwell, diante disso, teve a coragem ímpar de colocar o dedo na cara de adversários no campo de pensamento e apontar seus erros. Orwell também teve a mesma coragem para colocar o dedo na cara daqueles que professavam convicções semelhantes as dele, mas guardavam em si o desprezo pelas liberdades. Daí, durante muito tempo, foi um escritor criticado por quase todos os lados, só sendo mesmo admirado um tempo depois quando foi impossível negar o quanto ele estava sendo visionário.

A leitura de George Orwell é uma ferramenta para a compreensão de muitas temáticas modernas, não apenas no Brasil, mas no mundo. Sobre a Verdade pode ser o ponto inicial por ser uma coletânea que apresenta os textos em ordem cronológica, o que faz todo o sentido. Ali, as preocupações com a revolução da linguagem, dos costumes, do poder estatal e sua ampliação etc vão se mostrando passo a passo.

Agora, caros leitores, não digo que encerrem a leitura de Orwell em Sobre a Verdade. Vale muito a pena se dedicar a toda a sua obra, não ficando apenas em seus romances. As leituras de seus ensaios, reunidos em Como Morrem Os Pobres e Outros Ensaios, é primoroso, assim como Dentro da Baleia e outros tantos livros de sua autoria. George Orwell é um escritor para o nosso tempo.

Indico aqui Sobre a Verdade por dois motivos: 1) ele dá um panorama geral das ideias defendidas por Orwell e 2) é um livro que tem um preço acessível e, portanto, cabe em muitos bolsos.

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..