O Cada Minuto entrevista desta semana conversou com a Psicóloga Kamila Cabral, que comentou sobre os efeitos da pandemia no comportamento humano e destacou que “a ausência de certezas quanto ao futuro pode trazer uma ansiedade", disse a profissional.
Kamila destacou também sobre o processo de construção do luto, que devido a ausência de cerimonias de velórios, tem feito com que ele se torne mais difícil. “Os rituais fúnebres podem auxiliar na abertura do processo de luto”, afirmou.
Confira a entrevista completa
01 – Você acha que o cenário pandêmico da COVID-19 tem incidência na saúde mental das pessoas?
A iminência da pandemia pelo novo coronavírus invadiu a realidade habitual das pessoas e com isso muitas questões se colocaram. A incidência do vírus provocou desestabilização no modo de vida, obrigando a todos se haverem com tal mudança. A forma como se organiza a rotina, o modo como se vive são maneiras de trazer certa segurança. Como se assegurar frente a algo que foge do controle humano? A imprevisibilidade própria desse momento pode suscitar questões dos sujeitos; é uma realidade que está para todos. No entanto, é preciso considerar que cada um, ao seu modo, lidará com esse encontro a partir de uma lógica singular.
02 – A sociedade de maneira geral, anda demostrando sérios e preocupantes sinais de ansiedade devido à pandemia. Como você avalia isso?
A situação que se atravessa, sem preparação a priori, tem a ver com um desconhecimento, uma coisa que desestabiliza, que afeta por todos os lados. Pegando o gancho da pergunta anterior, o momento denuncia uma ruptura, o encontro abrupto com algo distinto. Isso tem implicações. O ineditismo desse tempo, a indeterminação dessa situação pode expor à angústia da falta de recursos, de meio prontos para lidar com. Bem como, a ausência de certezas quanto ao futuro. Nesse sentido, a ansiedade pode ser um efeito. Todavia, como citei acima, é preciso considerar os modos que o sujeito lança mão para lidar com esse momento, e que não é desacompanhado da sua história de vida.
03 - Através de protocolos sanitários, foi estabelecida a não recomendação de velórios, e o cuidado em relação ao lacre do caixão em casos confirmados ou suspeitos para COVID-19. Isso tem implicações do ponto de vista psicológico?
Os rituais fúnebres podem auxiliar na abertura do processo de luto. É um momento em que é possível delinear, minimamente, um contexto em que se insere a morte de uma pessoa, a partilha sobre a perda com pessoas conhecidas, dentre outros. Neste momento, a morte nos invade por meio de um vírus, quando não por ele, as consequências de sua propagação impedem que haja uma última despedida habitualmente feita através dos velórios e funerais. As pessoas se encontram, em alguns casos, apenas com a notícia da morte. A morte em si já produz uma ruptura, exige um trabalho psíquico frente à perda, mas sem o repertório de despedida que o ritual fúnebre demarca, a experiência pode ser vivenciada de modo desvelado incidindo sobre este tempo para a elaboração simbólica da morte.
04 – Quais os maiores prejuízos do ponto de vista da saúde mental que a sociedade poderá ter num cenário pós-pandemia?
Toda essa situação impôs pausa obrigatória, para todos. Momento em que muitas questões que já apareciam nos cotidianos das pessoas, vieram à tona de modo mais diligente; tem sido possível refletir sobre as relações, olhar mais para si e para o outro, me parece que as pessoas têm se interessado mais pela realidade do outro... Já ouvi algumas pessoas falando sobre trocar o medo, as incertezas pelos cuidados. Isso é muito complexo. Claro que os cuidados são essenciais para precaução e em certa medida podem auxiliar no que diz respeito a um alívio momentâneo quanto ao receio de contágio. No entanto, existem questões mais centrais do ponto de vista do psiquismo e dos dados de realidade. Não se pode tomar como uma relação de causalidade. Há pessoas que não têm o básico, como por exemplo, água e sabão. Veja, há realidades discrepantes! Sobre os prejuízos pós-pandemia no que diz respeito à saúde mental, acredito que seja cedo para delinear, as pessoas ainda estão na tentativa bordear esse vazio exposto pelo caos da pandemia. Claro que, os arranjos que cada um se utilizou, a partir dos repertórios disponíveis de uma dada realidade, para lidar com o que o excede, diz de um caminho possível para o cenário pós-pandemia.
05 – Acredita que em um cenário pós-pandemia, a procura pela ajuda psicológica deva aumentar? Tem momento certo para procurar essa ajuda? Quando deve ocorrer?
Pode ser que sim. Acredito que as pessoas já estão procurando meios de simbolizar, dá um sentido a esse momento avassalador que tem sido a pandemia pelo coronavírus, um deles é a psicoterapia. Não há um momento certo para procurar ajuda profissional, sempre que o sujeito achar necessário seja após um encontro traumático, seja para autoconhecimento, mais que o tempo cronológico em si, interessa o tempo lógico própria a cada um, o motivo da procura pela psicoterapia, como esse motivo se insere na história do sujeito...
06 – É possível manter a saúde mental equilibrada em meio a pandemia?
Costumo dizer que esse momento se trata de uma travessia. Travessia, pois remonta a um percurso a partir de um lugar e para se chegar a outro é preciso lançar mão de meios para bordear o vazio escancarado pela ruptura do esperado que se estava acostumado. Retomo a pergunta anterior, ressalto a importância de profissionais da Psicologia em momentos como esse onde há a impossibilidade de respostas prontas, de algo a dizer sobre, a palavra faz toda diferença: a aposta na palavra, em função de uma escuta, como meio para abertura de elaborações e ressignificações outras para além da catástrofe. Pois crises não se encerram em si, com o recurso à palavra, podem ser potenciais, entre o sem-sentido e a criação. A crise abre possibilidades para a invenção, algo até então não conhecido.
*Estagiário










