A pressão dos setores da sociedade e a democracia…

22/07/2020 10:25 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar

 

Em conversa com um amigo, ele me questionou – com base em uma matéria publicada aqui no CadaMinuto – sobre a pressão exercida pelo setor produtivo (empresários de uma forma geral) sobre o governo para que se iniciasse a reabertura gradual da economia, primeiro com a fase laranja e depois a amarela, após o isolamento social total – mantendo apenas as atividades consideradas essenciais pelo poder estatal – como medida de combate à pandemia do novo coronavírus.

Como o questionamento é interessante, resolvi sair do ambiente da discussão privada e tornar públicas algumas considerações por meio desse espaço. Sempre defendi como falsa essa dicotomia entre “Saúde” e “Economia”, pois vejo como elementos interligados, uma vez que a discussão levantada pelo setor produtivo não envolve apenas números, mas vidas. São empregos e rendas de pessoas que estão em jogo. Sem isso, muita gente sofrerá, inclusive, com problemas de saúde outros que não apenas o coronavírus.

Assim como vejo um erro pensar apenas na “Economia” e não levar em consideração as preocupações que se deve ter nesse momento. Logo, não concordo com quem nega que há uma pandemia, com quem minimiza a doença ou enxerga como uma gripe.

A ausência de perspectivas, entretanto, também traz seus males e já estamos vendo isso, sobretudo atingindo os mais pobres. A situação seria ainda pior se não fosse o auxílio emergencial pago pelo governo federal. Além disso, a queda de arrecadação abrupta também impacta diretamente nos serviços que são prestados pelo poder estatal. Entre eles, os serviços de Saúde. Então, quanto mais dura um isolamento social, maiores são os problemas que derivarão em um caos na vida de muitos.

Evidentemente, como já disse em outros textos, medidas de combate à pandemia – como adoção de protocolos sanitários e ações que evitem o contágio e permitam a ampliação da rede hospitalar sem que essa entre em colapso – são (e foram) necessárias. Então, defendi sim que, inicialmente, pensando na ampliação da rede e no primeiro impacto se tivesse ações mais duras. Todavia, essas não podem durar sem qualquer perspectiva e sem uma discussão de retomada gradativa da economia. Muito disso também passa pela conscientização das pessoas no sentido de tomarem suas precauções.

A doença é real e não se pode descuidar. Acompanhei o sofrimento de amigos que perderam parentes e de outros que enfrentaram a doença.

Agora, diante de uma “quarentena” de mais de 100 dias e com perdas significativas de postos de trabalho, fechamento de lojas, dentre outros danos, era mais do que natural que em um momento no qual as tendências de queda do número de óbito surgem na capital alagoana, como mostra a própria matriz de risco elaborada pelo governo estadual, se começasse o processo de reabertura gradativa. E tem que ser gradativa mesmo, pois é preciso observar os dados reais, como a taxa de ocupação de leitos, contágio e número de óbitos.

Sendo assim, recuar ou avançar em algumas medidas conforme a realidade permita. Espero que sempre sejam avanços e com uma perspectiva de aumento do número de vidas salvas, gente recuperada e retorno a uma normalidade...

Então, dizer que – nesse contexto - “os empresários fizeram pressão para a retomada gradativa do setor produtivo” não quer dizer nada além do reconhecimento de um fato público. Meu amigo tentou dar a isso um sentido pejorativo. É bobagem!

Diversas entidades de Alagoas e Maceió soltaram notas públicas, como fez a Federação das Indústrias, a Fecomércio, a Abrasel, dentre outras. Houve, nesse sentido, uma pressão legítima de um grupo que faz parte da sociedade e defendeu os interesses dos seus. É da democracia.

Fizeram pressão sim. E daí? A pressão por meios legítimos, na discussão das ideias, na emissão de notas conjuntas e na contra-argumentação, dentre outros mecanismos legais, não é apenas natural, mas como essencial à democracia. Afinal, o corpo social é formado por indivíduos que falam por si mesmos e por grupos. É o mesmo direito que possuem sindicatos, associações médicas etc, e até o cidadão comum.

Quando os interesses desses estão em jogo é absolutamente natural que usem os meios que possuem para pressionar quem tem o poder de decisão. A questão primeira a se indagar é: esses meios são legítimos? Se não houve nada de ilegal o que se pode ou não é, em um segundo momento, discordar do mérito. E aí, que quem discorda que também se posicione. Assim, façam o contraponto.

Deslegitimar o setor produtivo por ele ter se manifestado, por ter se posicionando e mostrado estudos, dados da economia, lamentado perdas e se afirmado responsável para cumprir protocolos de um retorno em segurança, dentro do possível, é uma bobagem. É acreditar que só uma parcela da sociedade tem direito a cobrar dos governantes que revejam rumos e repensem ações.

Ora, a democracia requer determinados conflitos de ideias na busca da melhor tomada de decisão. Errado só seria se, para conseguir seus objetivos, um grupo tomasse qualquer atitude ilícita. Se há essa atitude por parte de quem quer que seja, que se denuncie.

Afinal, quando observo as notas emitidas pela entidade do setor produtivo, as participações desses representantes nas discussões públicas e até no grupo de trabalho feito pelo Poder Executivo para repensar a retomada gradativa da economia, nada mais vejo que o mesmo direito (que deve ser defendido) de qualquer outra associação, ainda que essa pense o contrário daquelas que são as vozes de setores da economia nesse momento.

Após as manifestações que venha a discussão do mérito do que é dito. E aí, o leitor e a leitora possuem todo o direito de concordar ou discordar, de se expor caso queira. Não escondo o meu posicionamento: sou favorável à retomada gradual, dentro de protocolos sanitários, da economia por pensar na preservação de postos de trabalho e, consequentemente, em vidas.

As pessoas precisam encontrar meios de sobreviver até mesmo por conta da Saúde dessas. Quem puder ficar em casa, que fique. Quem quiser ou tiver que sair que faça de forma consciente, adotando as precauções necessárias.

As entidades do setor produtivo apenas cumpriram o papel que cabe a elas. Elas existem de forma legal e legítima como tantos outros grupos que compõem a sociedade civil organizada.

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