A importância de George Orwell em tempos de pandemias ou pandemônios…

29/06/2020 11:52 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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Caros leitores,

Não é segredo que a pandemia alterou sensivelmente a vida de muitas pessoas. Além do medo provocado pela doença em si e a histeria oriunda da overdose de informação com requintes de sensacionalismo, em muitos casos, tivemos – todos nós – nossas rotas alteradas, incluindo aí as medidas restritivas dos decretos governamentais.

Não discuto aqui o mérito de tais decretos – se foram exagerados ou não, se se prolongaram demais ou não etc (já fiz textos sobre isso) – mas o impacto desses em nossas vidas. Não por acaso, após a fase longa de isolamento social, falamos em um “novo normal”. O que é esse “novo normal”? O que aceitaremos em nome dele?

Começam a surgir matérias (e li uma delas aqui no CadaMinuto) indagando como será a vida daqui para frente, o impacto em futuras gerações, o medo de muitos de irem às ruas quando o isolamento chegar ao fim, e por aí vai… O fato, meus caros (as), é que devemos estar atento a esses pontos, mas também avaliarmos o que – em razão do medo e da insegurança – entregamos nas mãos do poder coercitivo estatal ainda que momentaneamente.

Não se enganem, a tendência do Leviatã é sempre crescer para cima das liberdades individuais. Foram abertas – em função do momento – exceções. A questão é: será preciso lembrar sempre que foram situações excepcionais para que os tubarões não achem que há sangue na água.

Caminhamos em um mundo em que a revolução da linguagem é uma realidade. O politicamente correto em si já é uma censura autoimposta. No Brasil, há quase que uma hegemonia de pensamento entre os intelectuais orgânicos e qualquer coisa que se diga fora desse círculo de “ideias dominantes” já é visto como extremismo, radicalismo. Some-se a isso uma sociedade hedonista, materialista, que cada vez mais se afasta de concepções que encaram o transcendente como o fim último do homem. Dissolve-se a individualidade.

São os tempos que Nietzsche, em A Gaia Ciência, já anunciava que Deus estaria morto.

Nietzsche não falava da inexistência de uma crença no transcendente, mas sim da ausência de seu impacto na condução de virtudes, valores e hábitos pela fé se tornar algo tão privado quanto superficial. Assim, nossos valores seriam conduzidos por um relativismo, por ideias confusas etc. Utilizando-me de uma expressão de Zygmunt Bauman (não necessariamente no sentido aplicado por ele) é o tal “mundo líquido”.

É preciso pensar sobre essas transformações. Afinal, é nesse mundo – onde o indivíduo, por vezes, desaparece dentro de coletivos e só possui algum valor a partir da causa que defende – que o poder coercitivo do Estado se alastrou. Temos a porta aberta para uma distopia, pois como diria Thomas Jefferson (frase atribuída a ele), “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Em alguns momentos da História, o Estado – em nome de cuidar de nossa segurança – se coloca maior que Deus, maior que tudo, reduz liberdades e vai se mostrando poderoso passo a passo.

Não por acaso, é um perigo – por exemplo – tentativas de legislações como as das “fake news”, dando ao Estado o poder de dizer ou não o que é verdade. Não creio que sejam coincidências tais matérias começarem a ser empurradas no Congresso Nacional no meio da pandemia (ou pandemônio) que o Brasil (e o mundo) passa. O estamento sempre quer mais controle. Não creio que seja coincidência, por exemplo, uma Suprema Corte se aproveitar (e até provocar) uma crise política para realizar o ativismo judicial se tornando – em um processo que aí se encontra – a vítima e a julgadora ao mesmo tempo por meio de seus ministros.

Não acredito que seja coincidência o que mostram algumas ações da Polícia Federal e de outros órgãos de controle revelando o quanto políticos, que fingem agir pelo nosso bem, estão se aproveitando da situação de pandemia para encherem o bolso de rios de dinheiro, já que puderam dispensar algumas exigências para os gastos públicos, ao mesmo tempo em que ampliavam as medidas de controle para cima da população.

Não é por acaso que tudo isso ocorra em um momento em que as pessoas não podem ir às ruas. Afinal, em um passado recente, era nas ruas que a população – cansada do estamento que aí se encontra – se revoltava e dava o recado a chefes do Executivo, membros do Legislativo e até mesmo do Judiciário.

Para usar o linguajar atual: como todo mundo fala em um “novo normal” é hora de refletirmos se essa “normalidade vindoura” não será a reorganização de forças burocráticas para se utilizar de problemas enfrentados, como a grave doença, para nos impor ainda mais controle. Liberdade é algo que se perde no chamado “efeito salame”: aos poucos vão tirando as fatias, sempre com uma desculpa revistida de ideologia ou justificada por um problema que pode até ser real, mas cuja solução prometida é um remédio pior que o mal a ser enfrentado.

É o que ocorre com o tema “fake news”, por exemplo. É claro que é um problema. Afinal, trata-se de uma mentira que visa ajudar na desinformação. Casos assim precisam ser punidos. Todavia, para isso já temos crimes previstos em código penal que vão desde a calúnia, injúria difamação e – se for o caso – a associação criminosa para o cometimento desses. Agora, querem pegar o problema real e transformá-lo em um instrumento de controle de quais ideias podem ou não circular. Quem não acredita nisso ainda, que aguarde sentado o futuro…

O mesmo ocorre com muitas medidas tomadas por conta da pandemia. Não podemos perder o senso crítico em relação ao exagero, pois – se fizermos isso – quando chegar o “novo normal” o medo nos fará entregar barato o que não tem preço, sobretudo diante de governos eleitos que se curvam a mecanismos internacionais e suas agendas políticas, que nunca tiveram um voto sequer e nem possuem relação alguma com a identidade das nações nas quais interferem.

Por isso, meus caros (as), destaco duas distopias de George Orwell que, em que pese tratarem de tempos idos, fala muito ao presente e sobre o poder coercitivo estatal crescente. Trata-se do famoso A Revolução dos Bichos e do igualmente exitoso 1984. É tempo de deixar a literatura nos ensinar um pouco...

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