Li no blog da jornalista Vanessa Alencar algumas declarações do deputado federal Arthur Lira (PP) que me levam a uma frontal discordância com o parlamentar alagoano. Em artigo, Lira diz que o “Centrão é uma força moderadora” e classificou o bloco comandado por ele como sendo “realista”. Discordo – como já dito – de pontos do artigo. Falarei aqui sobre isso.
Bem, não vejo o Centrão como força moderadora alguma, mas como um bloco de interesses difusos que se unem em função da conjuntura política para ter forças dentro da Câmara dos Deputados e além desses limites.
Uma das principais críticas ao Centrão formado no Congresso Nacional não é por ele ter posição de “centro” dentro do espectro político, que é o que levaria a uma possível compreensão de moderação. Razão pela qual a nomenclatura dada a esse bloco é falha, incompleta e esconde aquilo que realmente se aponta, ao falar de muitos que compõem essa fatia da Câmara dos Deputados.
A crítica ao chamado “Centrão” é pelo seu fisiologismo. Isso não tem absolutamente nada de realista. Esses parlamentares nunca se engajaram – na recente história de um país – a um projeto, mas sim a interesses próprios ou partidários (muitas vezes inconfessos), para estarem atrelados ao poder, por meio da negociação de cargos e espaços. É parte daquilo que o escritor Raymundo Faoro chamou de estamento em seu Os Donos do Poder.
Claro: nessas negociações, o Centrão já ajudou a aprovar bons projetos quando olhamos para o mérito desses. Mas será que por convicção?
O caso do PP, por exemplo, do qual Lira faz parte, é emblemático. A legenda esteve com o ex-presidente Lula (PT), com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e agora busca ocupar fatias do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O PP é um dos partidos mais presentes na Operação Lava Jato, que revelou um imenso esquema de corrupção para cooptação de apoio em nome de um projeto de poder que se perpetuaria com ligações estrangeiras e influência de mecanismos internacionais, como o Foro de São Paulo.
O detalhe: muitos dos parlamentares envolvidos nesses esquemas – por conta da diminuta visão fisiológica – sequer isso sabiam, pois pensavam apenas em seus próprios interesses.
Logo, quando se critica o Centrão não se critica a democracia, muito menos a instituição Câmara dos Deputados. Instituições são figuras abstratas compreendidas por meio de um ideal, mas a sua atuação prática é por meio de pessoas e são essas que devem ser criticadas quando se afastam justamente do ideal daquela instituição. A Câmara dos Deputados deveria ser justamente um local de pluralidade de pensamento, com representação de todos os espectros políticos possíveis, para que assim tivéssemos embates de ideias, valores e projetos.
Todavia, muitas vezes, não é isso que ocorre. Há um jogo de interesses – dentro do estamento burocrático brasileiro – que faz com que os votos dos parlamentares não sejam apoiados em convicções ou em negociações naturais da democracia, onde se busca o convencimento, mas sim por meio do “toma lá da cá”, troca por cargos, liberação de emendas ou até mesmo coisas mais nefastas, como foram os mensalões e petrolões da vida, que já colocou muita gente do bloco de Arthur Lira em xeque. O Centrão pode estar aproveitando o momento ruim do governo Bolsonaro para possivelmente apresentar uma fatura.
Criticar o Centrão não é criticar a democracia, repito.
E quem defende a democracia, nunca defendeu o Centrão.
Ao contrário do que afirma Arthur Lira, quem defende democracia – de forma sincera e honesta – defende uma relação de peso e contrapeso entre os poderes, para que não tenhamos um Supremo Tribunal Federal usurpando competências do Legislativo e agindo de forma ativista, sendo muito mais político do que guardião da Constituição, o que seria o ideal da instituição. Razão pela qual não se critica a existência da Corte em si, mas o comportamento dos ministros, como quando – por meio de um malabarismo, cujo único voto que se salvou é o do ministro Marco Aurélio – o STF torna “constitucional” um inquérito “inconstitucional” e prende pessoas da forma mais arbitrária possível em função de supostos crimes de pequena monta.
É algo que vai para muito além de se defender um bloco político. Democracia não pode ser resumida a isso nem mesmo em frase de efeito.
Como pode em uma democracia, um Poder se colocar como vítima, acusador e juiz ao mesmo tempo? Não lembro de ter visto Arthur Lira criticar isso. A visão de democracia do deputado federal alagoano, com todo o respeito, me parece resumida demais.
Retornando à Câmara dos Deputados, é o seguinte: quem defende realmente democracia, defende que a Câmara – assim como o Senado – tenha uma proporcionalidade na representatividade, para que a vontade da maioria não seja uma tirania, possibilitando a visão de uma minoria que, enquanto oposição, pode contribuir para corrigir rumos.
A moderação – da qual fala Lira – pode surgir do choque, do debate, do confronto das ideias, mas nunca será o Centrão o guardião dela. Isso é uma premissa falsa. Pois, o equilíbrio do Legislativo se faz justamente pela proporcionalidade e não pela existência do bloco A ou B, independente do nome que ele tenha. É puro malabarismo retórico do deputado federal para justificar o bloco que – muitas vezes – possui interesses meramente fisiológicos, sendo o mais visível, a ocupação de espaços dentro do Executivo federal, por meio das indicações.
O termo “Centrão” - como diz Lira – acabou mesmo por estigmatizar o grupo. Porém, acho que o “apelido” é até bondoso, pois eu nominaria de “bloco dos mutantes conforme conveniências”. Creio que essa definição seja muito mais cabível quando puxamos a biografia de muitos dos parlamentares que lá estão, mas não todos evidentemente.
O grupo nunca foi e nem é, como afirma Lira, “o grande estabilizador da democracia brasileira”. Evidentemente, como esses deputados foram eleitos, possuem uma grande importância em votações e podem fazer a diferença para se conseguir aprovar reformas estruturantes, por exemplo, já que há – na Câmara dos Deputados – a oposição pela oposição, bem como a situação pela situação.
Mas, o que é estabilizador da democracia é a Câmara dos Deputados poder se aproximar do que é o ideal para aquele poder, analisando o mérito das matérias e os debatendo justamente pelo mérito. Não queiram me convencer que a maioria dos membros do Centrão faz isso. Ao contrário, o mérito é muitas vezes secundário na busca pelas benesses que se pode arrancar do Executivo para aprovar isso ou aquilo.
A prática não é de agora, mas histórica. Tanto que o Partido dos Trabalhadores soube usar muito bem isso para articular o mensalão e o petrolão. O PP, assim como o MDB, e outras legendas sabem muito bem do que estou falando. É sabido na democracia brasileira, quando se deixa de lado os subterfúgios, estratagemas, erísticas e discursos envernizados, o que toca o barco e a fauna nele contida.
Arthur Lira tenta justificar o Centrão como se as críticas recebidas pelo bloco fossem injustas. Não são! São justíssimas. O Centrão é o rosto do fisiologismo brasileiro. É quase possível o registro disso em dicionário, ora bolas. Portanto, Arthur Lira – em minha visão – erra ao dizer que os que “marcharam pela democracia” marcharam também pelo “centrão”. Não!
Os que foram às ruas nos últimos anos – em manifestações que assustaram até mesmo os congressistas – cobraram valores, o fim da relação promíscua entre os poderes, a luta contra a corrupção e demonstraram indignação justamente com os partidos políticos que se tornaram balcões de negócios. Muitos desses deputados – em manifestações locais – foram até críticas. Em Alagoas, Arthur Lira e o senador Renan Calheiros (MDB) também foram criticados, assim como outros parlamentares alagoanos.
O que muitos desses manifestantes querem é que o Congresso Nacional não atrapalhe uma agenda que foi legitimamente eleita pela maioria, para que houvesse uma redução do poder coercitivo estatal, mais liberdade econômica, menos amarras ideológicas, menos roubalheira e por aí vai. Em outras palavras, que os poderes se comportassem mais próximo o possível do que são quando observamos os conceitos que definem as suas existências. Daí a revolta com quem ocupa espaços no poder para o exercício dos malfeitos ou simplesmente pelas benesses.
É claro que é preciso buscar a governabilidade e a previsibilidade institucional. Isso inclui os diálogos com o Centrão também. Nisso, Lira acerta. Então, nada contra a – dentro dos limites da legalidade – haver as negociações naturais da política. Não se pode, evidentemente, criminalizar a política. Agora, isso não é salvo-conduto para que não se possa criticar algumas indicações e nomeações feitas, ainda mais quando sobre essas pesam suspeitas em nome dessa tal governabilidade. Tais críticas são justas.
Logo, é preciso sim se observar essas nomeações, saber se de fato são pessoas comprometidas com uma determinada agenda de valores ou se estão apenas comprometidas com seus partidos políticos, pois já vimos esse filme. É natural que o presidente Bolsonaro – ainda mais nesse momento – busque mais apoios, mas ao contrário do que diz Lira, se não olharmos o Centrão com imensa cautela, ao invés da governabilidade poderemos ter o fatiamento completo do Executivo. Dessa forma, aquele governo que foi eleito para ser uma ruptura com que havia de pior no país pode incorrer em vícios que levaram às pessoas a defenderem a democracia em passado recente.