A pandemia (ou pandemônio) do coronavírus (vírus chinês) deixou várias lições para o futuro. Uma delas: repensar o modelo de Estado brasileiro. Nesse sentido, mais do que nunca – passada essa fase – eis o momento de discutir o pacto federativo e as reformas estruturantes que o país precisa.

O reflexo do atual pacto federativo, que concentra poder e recursos na União, deixará, em virtude da pandemia, um caos social e econômico nos municípios, que é onde de fato as pessoas vivem.

A presidente da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), Pauline Pereira, reclama com toda razão. Todavia, poderia aprofundar o tema justamente por conta do “agora” e apontar o dedo para o fato de que as gestões municipais sequer foram ouvidas em suas particularidades para as tomadas de medidas restritivas em Alagoas, pelo governo estadual.

No máximo, o que se viu foi uma dobradinha entre o governador Renan Filho (MDB) e o prefeito de Maceió, Rui Palmeira (sem partido). Os demais prefeitos foram meros espectadores.

O único gestor municipal que ameaçou tomar medidas levando em consideração a realidade local (e foi extremamente corajoso nesse sentido) foi Joãozinho Pereira (Senador Teotonio Vilela), mas esbarrou justamente na forma como o país tem um pensamento estadista que esvazia por completo as competências dos poderes municipais.

Joãozinho Pereira não contou com o apoio oficial da AMA (que eu lembre) e de outras autoridades que vivenciavam o mesmo problema. É, a covardia cobra um preço. Realidades diferentes merecem reflexões diferentes. Sequer o apoio da irmã e deputada estadual Jó Pereira o prefeito teve a época. Faltou a Jó Pereira entender que as medidas que seriam tomadas por Joãozinho não desfaziam o que genericamente ela pensava sobre o isolamento social.

Nesse contexto, diante de medidas restritivas genéricas e – como bem já colocou o economista Cícero Péricles – a demora para apresentar um plano de retomada econômica a ser discutido com entidades representativas do setor produtivo e prefeitos, eis que a situação apenas se agravou, e as perdas são bilionárias. Quem mais vai sofrer com isso são justamente os prefeitos. Quanto menor a cidade e mais dependente do Fundo de Participação Municipal (FPM), pior.

O que se encontra em risco? Folha de pagamento de servidores, compromissos com fornecedores, em especial aqueles que prestam serviços à área de Saúde nesse momento. Pauline Pereira sabe disso. Tanto que, na entrevista concedida ao Portal Brasil 61, destacou esses gastos como “prioridades”. O problema é que eles são mais que prioridade. Eles são essenciais para que a economia desses municípios esteja ativa, mantendo não só o funcionalismo público, mas todo o comércio, já que são poucos os que possuem qualquer tipo de atividade industrial.

Diante da crise, esses municípios – como muito bem destaca Pauline Pereira – ainda perderam arrecadação própria como IPTU, por exemplo. Se essas cidades eram dependentes, agora são mais dependentes ainda. Era justamente isso – antes da pandemia – que o ministro da Economia, Paulo Guedes, buscava resolver ao querer discutir uma reforma completa do pacto federativo que produzisse, nas palavras do ministro, “Mais Brasil e Menos Brasília”.

Pauline Pereira faz reflexões certeiras sobre os efeitos, mas poderia ir além – diante do posto que ocupa – e também pontuar as causas, incluindo os erros do atual governo estadual e reconhecendo que, apesar dos pesares, a situação só não é pior em virtude do auxílio emergencial da gestão federal e das medidas provisórias que buscaram a recomposição do FPM, ainda que as perdas – no Brasil todo – cheguem a R$ 10,5 bilhões.

Agora, vale frisar que, mesmo com essas medidas, a recomposição do FPM não cobrirá o que os municípios perderam. Eis aí o tamanho do problema. Isso durará anos, pois não haverá – nos cofres dessas prefeituras – recursos para conceder aumento ao funcionalismo e promover políticas próprias, tornando-as ainda mais dependentes (ou meras gestoras) de programas federais. Os prefeitos eleitos não terão direito a projetos próprios e a única diferença entre os gestores será entre a honestidade e a ladroagem, pois tanto faz a linha de pensamento que possuam quanto aos rumos de uma administração, pois muito pouco poderão fazer para deixarem suas marcas.

O problema aqui evidenciado já foi tratado por grandes autores. Em séculos passados, o alagoano Tavares Bastos já falou disso na obra A Província. No século XX, Raymundo Faoro – na obra Os Donos do Poder – já deixou isso claro ao descrever o estamento burocrático brasileiro. Mas, a maioria dos nossos prefeitos são incultos, desconhecem a história do país e as raízes dos problemas que enfrentam. Eles se transformam em meros políticos de pires nas mãos atrás de senadores e deputados federais que, por sua vez, viram office-boys de luxo, orgulhando-se de emendas e reduzindo o Congresso Nacional a um balcão de negócios que não discute os problemas mais profundos do país.

A lástima do estamento descrito por Raymundo Faoro.

Seria interessante que Pauline Pereira – tendo a boa visão que tem do diagnóstico – também falasse mais da doença. Afinal, é uma voz representativa que tem dado excelentes declarações no comando da AMA. A mais recente entrevista que aqui falo – e que foi divulgada pelo Portal CadaMinuto – é um exemplo disso. Minha crítica a ela não é a sua visão correta da situação, mas sim a perda da oportunidade de aprofundar a discussão.