Com 1.473 mortes nas últimas 24 horas, o Brasil galopa para se tornar o epicentro da pandemia de Covid-19 no mundo. A estatística demonstra que o novo coronavírus mata mais de uma pessoa por minuto no país. “Infelizmente, o número de óbitos demonstra claramente o fato que vivemos a maior tragédia da história do Brasil”. A declaração foi proferida pelo médico e neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador da Comissão Científica do Consórcio Nordeste, durante entrevista concedida na manhã desta sexta-feira (05) ao portal UOL.
Referência internacional em neurociência, Nicolelis é professor da faculdade de medicina na Universidade Duke, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, onde lidera uma pesquisa na área de fisiologia de órgãos e sistemas do corpo humano. Logo após o início da pandemia, o pesquisador passou a comandar o comitê criado para abastecer os gestores estaduais com informações e orientações técnicas sobre diversos aspectos relacionados à transmissão do novo coronavírus na região.
De acordo com a estimativa oficial, o país registrou 615 mil casos da doença – 13 mil deles em Alagoas. “Mas há uma subnotificação. Podemos ter passado de vários milhões de casos de pessoas infectadas. Infelizmente ainda vai piorar. Ainda vamos bater vários recordes diários”, sentenciou Miguel Nicolelis, ao responder aos jornalistas Leonardo Sakamoto e Carlos Madeiro.
Para o especialista, a razão do cenário descontrolado de transmissão e do iminente colapso da rede hospitalar reside na falta de planejamento estratégico por parte do Governo Federal, que “ridicularizou a ‘gripezinha’ do coronavírus”. “Não houve a preparação de uma mensagem coerente, unificada e que mostrasse a relevância da única ferramenta disponível, que é o isolamento social. Não criamos uma estratégia para vencer, para atacar o inimigo. Ficamos na defensiva o tempo inteiro”, assinalou Nicolelis.
O cientista enumera o que classifica como erros do Governo Federal no tocante à gestão da crise sanitária. “A quantidade de erros é um caso histórico: quando não levamos a sério, não definimos uma estratégia coerente, não ajudamos os estados e municípios do ponto de vista de um governo federal, não criamos testagem, não compramos equipamentos necessários para dar um apoio na rede hospitalar e não tiramos vantagem dos SUS e dos agentes de saúde da medicina familiar. Não adianta apostar só na linha hospitalar – não há médico e sistema hospital no mundo que vá dar conta da velocidade de replicação do vírus”, argumentou.
Flexibilização
A curva brasileira de contaminação segue subindo. A Universidade de Seattle prevê 125 mil óbitos para o final de julho ou início de agosto. “Eu acho que eles estão sendo conservadores”, estima Miguel Nicolelis.
Diante do cenário dramático, a decisão de flexibilizar a quarentena em alguns estados e municípios soa quase como um absurdo para o cientista. “Não é possível afrouxar com os leitos de UTI ocupados acima de 90%. É um cenário de guerra, um cenário de invasão. É a maior guerra da história do Brasil. Uma guerra biológica. As pessoas não se deram conta ainda. Nós fomos invadidos pela costa e agora o vírus invade o interior do Brasil”.
O preço por ter subestimado o poder de contágio do vírus é alto. Agora, a fatura está chegando com um valor incalculável. “As pessoas falam em afrouxamento quando a pandemia ainda está expandindo. O Brasil tinha que se preocupar com os parâmetros econômicos depois da pandemia”, defende.
No caso do país – e mais especificamente da região Nordeste –, o Comitê Científico avalia que o histórico de transmissão tem início nos aeroportos internacionais. “Não é a toa que as capitais do Nordeste que possuem os maiores aeroportos foram a porta de entrada”, considera. Das capitais e regiões metropolitanas, o vírus começou a se espalhar pela malha viária e agora atinge com velocidade o interior.
Lockdown
Problemas e soluções que envolvem um conjunto de fatores. A começar pela manutenção do isolamento social. “A principal ferramenta é o isolamento social. A questão da pandemia é multidimensional. Você tem que ter um front distribuído porque o vírus se dissemina distribuidamente”.
Coreia do Sul, Japão e na Alemanha são exemplos de países que adotaram ações coordenadas. “Começaram a testar todo mundo, começaram a isolar as pessoas e foi uma história de sucessos. Tinha que cortar as fontes externas e conter na base a explosão exponencial. A receita estava ali. As decisões não poderiam ser adiadas”.
O chamado lockdown também é defendido pelo pesquisador. “Com o lockdown houve dados promissores. São Luís fez e a gente viu o efeito. Fortaleza fez e o número de casos começou a cair, a procura nas UPAs começou a cair e o numero de internações também”.
Por fim, Nicolelis sugeriu que é o momento de sincronizar as políticas de isolamento social no Brasil. “Se não houver uma política nacional não haverá controle. Os estados não ganham ajuda financeira, estratégica, logística e não ganham uma mensagem centralizada. Se a gente tranca uma região e não tranca outra, a curva vai continuar a subir. Por isso que a falta de um Governo Federal é terrível. Você está lutando na maior guerra que o Brasil já lutou sem ter ministro da Saúde ou um Governo Federal que acredite”.