Uma injustiça contra alguém que não gosto segue sendo uma injustiça. Creio que essa assertiva que aqui pontuo deveria reger a forma como analisamos algumas ações humanas e até mesmo de instituições do chamado Estado Democrático de Direito contra o indivíduo.

Afinal, não é o fato de eu discordar da visão de mundo de alguém, do conjunto de ideias que essa pessoa propaga ou defende, que faz deste um criminoso a ser perseguido. Portanto, independente de qualquer coisa, tenho por convicção a defesa plena da liberdade de expressão e se, no decorrer do exercício dessa liberdade, uma pessoa cometer ilicitudes previstas nos códigos (pois não há crime sem lei que o preceda), aí então que responda por seus atos, mas dentro do que exige o próprio Estado Democrático de Direito, com a ampla defesa e sabendo exatamente do que está sendo acusado.

Nesse sentido, o inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) é uma afronta.

Não se sabe exatamente qual o objeto que está sendo investigado e, em diversos momentos, é uma arma de intimidação contra pessoas que ousaram criticar o STF ou divulgar notícias que são incomodas a este ou a aquele ministro, como ocorreu com o Antagonista (lá atrás) quando publicou a reportagem do “amigo do amigo do meu pai” e foi alvo de censura.

Se a reportagem do Antagonista está com a verdade ou não, não sei. É outra história. Todavia, o alvo da matéria – que era o ministro Dias Toffoli – tinha todo o direito de ingressar com uma ação judicial contra o periódico, pois há o espaço no ordenamento jurídico para isso.

Quem usa da liberdade de expressão para mentir, caluniar ou injuriar que responda por isso. É possível responder tanto cível quanto criminalmente. Quem se sentir ofendido tem o direito ao ingresso de ação e em alguns casos com qualificadores.

Porém, o que o STF faz é criar um “balaio” em que reúne todos os que são considerados – pela própria Corte - “inimigos” para assim serem perseguidos pelo suposto crime de “fake news”. Lembro aqui de uma declaração de Lídice da Mata na CPI das Fake News, quando disse ter material farto para punir pessoas a partir de uma lei que ainda seria criada. Seria cômico se não fosse trágico.

O que estamos vendo no inquérito do STF é uma afronta de um tribunal que deveria ser o guardião da Constituição, mas optou por enveredar por outros caminhos, como já fez tantas vezes, com os excessos do ativismo judicial, como quando tratou da questão do aborto, por exemplo. Agora, no tal inquérito, o STF cria um procedimento judicial onde os ministros são vítimas, acusadores e também serão juízes. É algo bem similar ao que George Orwell descreveu em seu 1984, quando fez o Ministério da Verdade. O Estado diz o que a verdade pode ser e se alguém contrariar passa a cometer um crime.

É inaceitável.

Não importa aqui se o leitor gosta ou não das pessoas que foram alvos dessas ações, se concorda com elas ou não ou até mesmo se acha que há algum cometimento de ilicitude. Ainda que o leitor acredite nisso, as ferramentas para a investigação dessas pessoas são outras. Essas pessoas foram expostas pelo poder coercitivo estatal, tiveram suas casas reviradas, foram intimadas sem nem saber do que estão sendo acusadas e dentro de um inquérito de características obscuras. O STF quer criar uma narrativa política e de interesses ideológicos? É uma pergunta a se refletir…

Desta forma, caros leitores (as), divido aqui uma excelente reflexão feita pelo advogado Adriano Soares da Costa em suas redes sociais:

“O CONSTITUCIONALISMO DOS INSTINTOS: QUANDO OS DASAFETOS PASSAM A JUSTIFICAR AS ARBITRARIEDADES. - Quando os inimigos são devorados pela arbitrariedade, com mais vigor devemos defender a observância das garantias constitucionais. Quando somos cúmplices, omissos ou coniventes com os abusos cometidos aos desafetos, contribuímos com a destruição dos fundamentos civilizatórios que nos humanizam e dilapidamos os lastros firmes que nos protegem a todos dos abusos do dia seguinte. Hoje, eles; amanhã, quem de nós?

Vivemos uma quadra curiosa: os que se põem contra o governo aplaudem inquérito aberto pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que não apura fato certo e determinado e que não observa nenhuma garantia constitucional aos investigados, que são todos e qualquer um ao sentir do seu relator.

Os que ainda se recordam que o Brasil é signatário do Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e defendem as garantias dos direitos fundamentais, hão de se sentir compelidos a superar o ódio aos adversários políticos perseguidos por algum braço do Estado e levantar com eloquência a gravidade e nulidade de qualquer persecução penal que não observem o seu art.7º: "3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. e 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.

As garantias judiciais do Pacto de São José da Costa Rica põem a nu a inconvencionalidade desse inquérito inconstitucional do STF. O art.8º prescreve: "1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal COMPETENTE, independente e IMPARCIAL, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Para que sofram a persecução judicial, hão de dar acesso à 2. "b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada". E, finalmente, em seu art.9º: "Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável...".

O constitucionalista que defende a licitude do inquérito instaurado de ofício pelo STF, presidido por um membro seu que investiga, expede ordens, constrange pessoas e bens, sem supervisão externa do Ministério Público, esqueceu das cláusulas pétreas da Constituição e das garantias protegidas pelo Pacto de São José da Costa Rica”.