Infelizmente, o discurso político – na maioria das vezes – possui a seguinte lógica: se escolhe o alvo ou o que se quer fazer valer e se ordena todo um conjunto de informações (entre verdades, falsidades e meias-verdades) para se atingir esse alvo, criando uma justificativa convincente para a chamada “guerra de narrativas”. Assim, se enquadra o que é de interesse do político, seja de um lado ou de outro. A nós, meros mortais, que buscamos nada mais e nada menos que a verdade, cabe ter todo o cuidado mundo com isso.
É que os políticos e ideólogos de plantão – cujos interesses muitas vezes são inconfessos – estão ocupados demais com o jogo de poder. Aí, por questão de sobrevivência (deles e de suas ideologias) se utilizam de elementos muito bem descritos pelo pensador Arthur Schopenhauer em a Arte de Vencer o Debate Sem Ter Razão. Mesmo que nunca leiam essa obra, essas criaturas convivem em uma fauna que transpira recursos erísticos para indignações simuladas, retóricas apaixonantes, posições conforme a moda, discurso para a plateia convertida e por aí vai…
Por essa razão, adoto muito o conceito de “ceticismo político” do pensador Michael Oakeshott. E aí, não me importa qual é o político.
Ou seja: manter sempre um nível de desconfiança, mesmo quando o político em questão é alguém que professa valores e ideias semelhantes as minhas. Então, meus caros (as), surge sim – nesse momento de crise em função da presença do coronavírus – aqueles que usam da falsa indignação para atacar um alvo que já era reconhecidamente o inimigo. Tirar proveito político de tudo é da essência da atividade de muitos políticos, pouco importando se cairão em contradição. Afinal, melhor cair em contradição do que das alturas do poder.
Lidar com isso nos cobra sensatez e saber separar o que é dito da realidade em si.
Dito isso, tentarei ser o mais didático que puder.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem sim cometido erros em suas falas por tensionar ainda mais o ambiente, mas isso – nem de longe – exclui o fato de, dou outro lado, existirem lobos em pele de cordeiro igualmente tentando se aproveitar do caso, pois já possuem o ranço ideológico prévio contra o presidente. Falam manso como se cordiais fossem, mas tudo calculado pelo fisiologismo ou pelas ideologias.
Então, ao ofertar de graça as pedras que os inimigos tanto querem, acontecerá o óbvio: o presidente levará mais pedradas.
Isso não quer dizer que não existam as críticas honestas e que cobrem do presidente uma outra postura, que seja mais associada ao trabalho que vem sendo desenvolvido pelos quadros técnicos de seu governo, incluindo aí os seus ministros. Isso é tudo que Bolsonaro precisa fazer nesse momento: focar no mais importante e não ficar falando de panelaços ou manifestações a favor ou contra o governo. Quem tem panela, tem direito a batê-las quando quiser e pelo que quiser. É a liberdade.
Que bom que agora, aqueles que antes achavam o bater de panelas opressor, capitalista e burguês, quando era contra os seus políticos de estimação, aprenderam que é uma ato permitido somente em democracias diante da insatisfação com os governantes, sejam eles de esquerda, direito, centro ou o escambau. Delícias e dores da democracia que são expurgados – em algum grau – nos países que adotam posições socialistas e/ou comunistas.
No mais, pode-se debater o mérito das batidas das panelas. Mas, isso não é função do presidente. Que os que se envolvem com isso que o façam…
O momento leva Bolsonaro a ter que elencar suas preocupações e, em primeiro lugar, como ele mesmo disse em suas redes sociais, estará a preocupação com a população em geral, que é dar condições de trabalho ao governo para as medidas necessárias que o momento exige. Entre essas, as que estão sendo adotadas pelo ministro Luiz Henrique Mandetta e pelo também ministro Paulo Guedes.
Não é fácil. Imagino – diante dos dados concretos da economia e da saúde nesse momento – a tensão que pesa sobre os ombros dessas pessoas, pois tem a ver com vidas no curto, médio e longo prazo. Torço para que acertem, pois envolvem o futuro do meu país. Um país que já perdeu muito tempo por caminhar em trilhas perigosas que flertavam com ideologias estatistas que nos levaram a uma desgraça econômica, que teve como fruto os PIBs negativos, o crescimento da criminalidade, o deficit e desarranjo nas contas públicas, a falência da educação e da Saúde etc.
No elencar das prioridades, Mandetta e Guedes – a meu ver – estão corretos em se fixarem em três eixos para todas as ações: 1) pensar nos mais vulneráveis, como aqueles empregados informais, os que se encontram economicamente inativos, os mais pobres, os idosos etc; 2) achatar a curva de contágio da pandemia com estímulo a medidas restritivas, atuando em conjunto com os estados e municípios da federação e 3) criar condições para que a economia não atinja o pior cenário: um PIB negativo diante da recessão global. Buscar decretar calamidade foi acertado, pois isso envolve ações rápidas em que o governo estava amarrado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Aqui faço um adendo sem temer ser julgado: esses ministros, e a equipe técnica que possuem, lá se encontram porque o presidente é Jair Bolsonaro. Isso permitiu uma formação de ministério diferente do que era feito no passado.
Agora, o presidente precisa evitar certas trincheiras, pelo menos por enquanto. Não ganha nada ao descer para o jardim de infância, como fez ao rebater uma evidente fake news propagada por uma jornalista de que haveria convocação para o dia 31 de março. Não há convocação alguma. A ânsia de bater fez a jornalista mentir. Mas, que o presidente entenda que vai ter quem combata tais mentiras, ainda mais em épocas de redes sociais, que tem seus benefícios e malefícios também. Se Bolsonaro for parar toda hora para isso, vai gastar energia demais com pequenas coisas e alimentar narrativas. É um erro. Erro grave.
O foco agora é cuidar das pessoas que mais precisam. Essa, por si só, é uma tarefa hercúlea, pois envolve todo tipo de condições adversas, como até mesmo um pânico que se alastra e as desinformações a serem combatidas pelo Ministério da Saúde.
Nesse sentido, Bolsonaro ganharia mais se seu discurso estiver focado na medida provisória assinada – que envolve mais de R$ 5 bilhões – nas verbas utilizadas pelo Ministério da Saúde, de mais de R$ 400 milhões, cujos R$ 6,8 milhões são para Alagoas, nas medidas adotadas em relação à economia, como os mais de R$ 170 bilhões, o 13º salário pelo INSS para os mais idosos, a questão do FGTS etc. Quanto mais isso for mostrado, mais o governo terá o que mostrar.
Erros serão cometidos – evidentemente – pois todo governo erra. Separar a crítica, como quem entende a existência do joio e do trigo, é abrir espaço para correções de rumos. Fechar-se a não ouvir é incorrer em mais erros por acreditar apenas em uma “bolha”. Um bom exemplo disso é a bolha na qual a esquerda mais radical vive. O presidente pode estar sob pressão e com muitos “do contra”, como Bolsonaro já reclamou? Pode. É verdade. Mas nem isso serve de desculpa, pois o cargo tem uma pressão natural que seria ampliada. Todos sabiam disso. Há os problemas previsíveis e imprevisíveis.
Sei que é fácil falar o que eu falo estando de fora, mas acredite, caro (a) leitor (a), aqui não há subterfúgio e é um texto sincero de quem de fato se preocupa com o país. Nem quando os governantes eram de esquerda, torci pelo quanto pior melhor. Ao contrário, busquei sempre defender aquilo que minha consciência apontava como o correto, sem me prender a ranços ou tribos.
Agora, sempre entendi que o caminho do estatismo, do Estado gigante, da máquina pública que muito gasta, da redução das liberdades individuais, das legislações com foco identitário, das relações internacionais com republiquetas ditatoriais, das ligações com o Foro de São Paulo, era tudo que nos levaria ao inferno… Nunca escondi isso. É a minha visão de mundo.
O atual governo tem inúmeros pontos positivos e tem pontos negativos também, que podem e devem ser criticados. Portanto, quando chamo atenção para o ranço ideológico de algumas críticas, não é por achar que análises que apontem os defeitos não devam existir, até mesmo porque já fiz algumas.
É por lembrar de algo dito pelo escritor Graciliano Ramos, quando aqueles com os quais Ramos concordava estavam exagerando na forma como “batiam” em Getúlio Vargas. Ramos diziam que eles tinham tantas verdades para usar como críticas que ao se prenderem às calúnias, às mentiras e a mera ideologização do discurso acabavam por maquiar tanto a realidade que quando precisassem falar a verdade ninguém mais acreditaria neles. E isso é triste, pois a base da liberdade é a eterna vigilância e se há governo, ele deve ser sim vigiado, analisado, criticado e até mesmo elogiado quando acerta.
Do jeito que as polêmicas estão postas hoje, é como se nada tivesse sendo feito diante da crise econômica e do coronavírus. Em absoluto, isso não é uma verdade. Há erros do presidente ao estimular polêmicas vazias e até a criar algumas desnecessárias, mas há ações em andamento de forma planejada e com seus devidos riscos, evidentemente, pois há imprevisibilidades no cenário. Do sucesso ou do fracasso dessas ações dependemos todos nós. Por isso, é preciso avaliá-las pelo que elas são e não por aquilo que dizem dela e sem separar as coisas…