Sendo eu cristão e sabedor de que a quem muito é dado, muitos mais é cobrado, sei que há padres que mesmo se comprometendo com Jesus Cristo não honram com o compromisso assumido com o que os transcende. Por qual razão, então, acreditaria eu que, nos ambientes seculares, todos os membros de uma determinada instituição honrariam sempre com os votos seculares assumidos? Ora, meu ceticismo não permite tal coisa.

Portanto, há sim o que questionar entre promotores, deputados estaduais, juízes, jornalistas e por aí vai… é dever de ofício e da consciência.

Assim sendo, quando critiquei a forma como a Assembleia Legislativa – por maioria dos pares – apreciou as emendas ao Projeto de Lei Complementar da Lei Orgânica do Ministério Público, não estou passando um atestado de que de um lado há os vilões e do outro os mocinhos, em que pese o parlamento estadual fazer questão de dar exemplos de vilanias em sua história, mas isso é outro papo.

Sei, dessa forma, que há os que discordam de mim, mas o fazem com base na honestidade intelectual do debate que se trava no campo das ideias.

Fui contrário (e continuo sendo, apesar da aprovação pela Casa de Tavares Bastos) da emenda que modifica a estrutura dos grupos de trabalho, como o de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, por achar desnecessária, uma vez que isso pode ser regido pela própria Lei Orgânica e os limites estabelecidos pelo que é posto, em Constituição e nos códigos brasileiros, sobre as garantias individuais.

Há os mecanismos para barrar o abuso de autoridade e o MP tem sim seus abusos, assim como há promotores que se sentem no Olimpo e distribuem tiros em caixa de som, por exemplo, que cometeu o imperdoável crime de fazer barulho. Que crime bárbaro que transforma um promotor em advogado, juiz e carrasco… não é mesmo?

Havendo, portanto, leis postas, o poder que o parlamento puxa para si acaba por fazer com que o Legislativo possa interferir diretamente nas prerrogativas desses grupos e só os aprove conforme queiram os deputados estaduais. Há o risco de se cometer um outro abuso para se tentar – ou com a desculpa de – coibir um abuso possível do outro lado.

Não sendo a Casa um mosteiro, eis que é natural que – a depender da composição do parlamento – isso se transforme em moeda de troca ou retaliação. É diferente da criação de uma Vara colegiada dentro da primeira instância, que me fez criticar essa invencionice do Judiciário lá atrás, inclusive me opondo ao que dizia o Ministério Público na época, que era favorável.

Agora, criticar um ponto do projeto aprovado, não me faz achar que tem que se jogar o bebê fora com a água suja do banho. Claro que não! Há sim penduricalhos dentro do Ministério Público que precisam ser combatidos. Aliás, dentro de todos os poderes. Na alta casta do funcionalismo público, há uma série de benesses que assusta os meros mortais, inclusive os servidores públicos que não possuem acesso a essas.

Então, há pontos sobre os quais os deputados estaduais possuem alguma razão, mesmo com alguns membros da Casa não sendo o melhor exemplo para apontar o dedo. Afinal, a Assembleia Legislativa também conta com coisas que são usadas de forma esdrúxulas como a GDE e com verbas que soam aos ouvidos de bom senso como penduricalhos inaceitáveis.

Desta forma, vejo como correto sim o combate ao que se fazia com auxílio-saúde, auxílio-alimentação para integrantes do órgão ministerial, bem como a equiparação de salários com os magistrados. Nada contra o promotor querer ganhar mais, mas vamos com calma. Pois, havia até mesmo adicional por atuação profissional suplementar em mutirões do patamar de 2% dos subsídios, além de adicional de 1% por atuação funcional suplementar em plantões e 7% por difícil provimento.

Há uma discussão constitucional aí que o parlamento deveria ter travado melhor com a sociedade e não fazê-la por meio de notinha oficial toda ofendidinha depois que “Inês é morta”, caindo numa máxima de Machado de Assis que lembrava que, em determinados contextos, há quem ache que o pecado não é o pecado, mas a revelação do pecado. O parlamento se pronuncia agora – saindo de seu silêncio sepulcral em relação à matéria – por ter sido questionado e aí busca expor, como desculpa, o que previamente deveria ter exposto como argumento.

Leiam Aristóteles, deputados. Ele ensina sobre lógica. Leiam também Arthur Schopenhauer, ele versa sobre a estratégia de vencer o debate mandando às favas a razão. A notinha dos deputados estaduais é recurso erístico, ainda que nela contenha sim algumas verdades, como os pontos positivos do projeto aprovado.

Sabedor disso é preciso atacar alguns pontos dos discursos de alguns parlamentares. Acusaram a imprensa de querer fazer “cortina de fumaça”. Ora, ora, ora. A maior “cortina de fumaça” em torno desse projeto foi o silêncio e a forma como a emenda foi implantada, para ser aprovada sem muita discussão, sem muito debate, pois sequer o release oficial produzido pela Comunicação da Casa trazia a informação sobre a aprovação da matéria que foi a mais importante do dia.

Assim, uma jornalista buscou a matéria e jogou luz – conforme sua consciência – naquilo que avaliou como o mais importante. Tornou-se ainda mais relevante pelo fato da própria Casa não ter, por iniciativa própria, jogado luz em coisa alguma.

A Assembleia Legislativa – que deveria ser um poder com exemplo de transparência – só veio fazer esse debate depois que o assunto ganhou as páginas da imprensa. Existe cortina de fumaça maior que o silêncio, caros deputados? As notícias sobre o assunto não foram maldosas, pois trataram daquilo que se encontra na emenda.

O erro, por parte da imprensa, que também merece críticas, foi não explorar o conteúdo como um todo. Nisso, eu concordo. Creio que eu mesmo cai nesse erro, pois me ative apenas ao exposto previamente.

É que ainda – infelizmente – há quem ache mais fácil “bater” no parlamento e tenha uma visão um pouco mais adocicada quando se trata dos membros do Ministério Público. Isso é nacional! Não é o meu caso. Todos os podres constituídos devem ser alvos da fiscalização popular e a imprensa tem papel importante nisso ao agir com honestidade intelectual e de princípios. 

Todavia, não houve maldade, malícia ou nada do tipo. Houve sim, uma discussão aberta por meio de jornais diante do fato dos próprios deputados estaduais não terem feito isso publicamente. O que temiam? A voz da opinião pública? Dizer isso não significa dizer que os promotores e procuradores são todos santos. Em todos os lugares há os bons e os ruins, inclusive no parlamento estadual. Tanto que – nesse blog – já elogiei a conduta de alguns parlamentares quando foi, em meu julgamento, merecido o elogio.

Apresentar emendas é legítimo dos deputados. Se é constitucional ou não, é com a Justiça. Ninguém questionou isso. Questionou-se o mérito do parlamento estadual querer trazer para si mais uma prerrogativa que interfere diretamente no organograma do Ministério Público e pode sim extinguir os grupos, já que suas criações ficarão a cargo da aprovação de outro poder.

Vale lembrar que o MP terá 30 dias para regulamentar tudo. Ainda assim, contará com a velocidade da Casa para apreciação deses projetos – caso a matéria seja sancionada pelo governador Renan Filho (MDB) – dentro desse prazo. Aí, veremos se assim será...

No entanto, reconheço e concordo com os deputados sobre a necessidade de se combater penduricalhos em qualquer alta casta do funcionalismo, inclusive – quem sabe – num futuro próximo, reduzindo o custo do Legislativo no bolso do contribuinte. Por que não?

Como bem lembrou a jornalista Vanessa Alencar em seu post, por quais razões um projeto de tamanha importância tramitou na surdina? Se havia excessos e inconstitucionalidades em artigos, porque não houve um debate franco e aberto? O silêncio aí é que foi uma cortina de fumaça que acabou gerando alguns exageros, como os que estão na fala de uma promotora, ao generalizar todas as posições contrárias a dela como sendo “retaliação”. Obviamente não é bem por aí. Ela, pelo sentimento e o calor da discussão, cometeu exageros a meu ver.

No mais, destaco um ponto da nota da Casa de Tavares Bastos: “Até agora não foi dito que o mencionado Projeto propunha a equiparação com os magistrados, apesar de a Constituição Federal impedir a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal do serviço público”.

Pois é, o parlamento teria a obrigação de debater e mostrar isso também. Que o episódio sirva de lição para a Casa de Tavares Bastos, pois sendo a Casa do Povo, ela – contanto com os meios que possui – pode muito bem ampliar as discussões necessárias na busca pelo esclarecimento dos projetos de lei em suas minúcias, pois há discussões antes destes serem postos em votação. Infelizmente, essa matéria – que tem acertos e erros – não teve o profundo debate que ela merecia e não foi falta de tempo.

Esse bom debate, inclusive, esclareceria os pontos em que as mudanças foram positivas e de adequações constitucionais, bem como permitiria a discussão mais aprofundada sobre a questão da criação dos novos grupos de trabalho. O que o parlamento fez não é ruim como um todo, mas tem sua parte ruim sim.