No dia de ontem, a jornalista Vanessa Alencar fez cumprir a máxima do escritor George Orwell: “Jornalismo é publicar aquilo que ninguém quer que se publique. Todo resto é publicidade”. E a prova disso é que a Assembleia Legislativa, mesmo tendo todo um aparato de comunicação, não quis dar publicidade a matéria que foi aprovada ontem e volta para segunda votação na manhã de hoje: o projeto de Lei Complementar do Ministério Público que abriga, malandramente, a emenda que pode limitar a atuação de grupos como o de Combate ao Crime Organizado em Alagoas.

É que a tão silenciosa quanto explosiva emenda é um presente de grego dos deputados estaduais para o Ministério Público. A diferença é que o Cavalo de Troia era visível para esconder os soldados inimigos por dentro. A Assembleia Legislativa não precisou do Cavalo de Troia. Ela foi o Cavalo de Troia, pois guardou suas intenções em segredo sendo gestada nas noites escuras; mas não as mesmas noites de São João da Cruz, evidentemente, já que de sacrossanto no parlamento estadual nem mesmo as intenções.

Se há criaturas espirituais nessas noturnas elucubrações, elas são de outra espécie...

Os deputados acabarão – caso aprovem em segunda votação – com a possibilidade do Ministério Público Estadual criar tais grupos por resolução. O que ocorre a partir daí? Em 30 dias, o órgão ministerial terá que encaminhar um projeto de lei para regulamentar a existência desses grupos. Tal regulamentação passará pelo crivo dos parlamentares. Então, o Ministério Público acaba ficando na mão dos deputados para isso.

Imaginem só:

- Deputado, a gente não vai ter mais grupo de Combate às Organizações Criminosas?

- Sim, vai. Basta que o parlamento aprove uma lei para isso.

- Mas, a lei que a gente encaminhar será aprovada sem modificações?

- Cri, cri, cri, cri…

Ora, os grupos específicos criados pelo órgão ministerial devem sim cumprir uma série de exigências legais, mas essas são as de sua Lei Orgânica e – em maior grau – da Constituição. É necessário isso, pois o MPE também não é um mosteiro cheio de santidade e tem até vícios semelhantes ao do parlamento, como em qualquer outro poder constituído.

Há sim o risco – sobretudo por conta de visões ideológicas – do órgão ministerial ser persecutório. Daí a defesa das garantias individuais e, evidentemente, dos mecanismos que coíbem o abuso de autoridade. Mas, eles já existem. Não se deve defender o MP como uma casa de santos, pois também há seus “budas ditosos”

O que os deputados estaduais quiseram, e estão em vias de conseguir, é ter mais controle sobre isso, com a posse da caneta para delimitar os grupos que o Ministério Público tente criar dentro de um prazo de 30 dias. Não bastasse isso ser espantoso, em função da matéria ser polêmica por si só, caros (as) leitores (as), se não fosse a matéria da jornalista Vanessa Alencar – que repercutiu posteriormente na imprensa – tudo isso se daria em silêncio.

E a questão é simples: não há justificativa plausível para não existir uma comunicação clara, direta e transparente por parte da Casa de Tavares Bastos para que tal assunto estivesse posto no site oficial do próprio parlamento, pois foi um dos pontos da sessão. Aliás, o mais importante. Ao ignorar algo de tamanha relevância para a sociedade, esse parlamento perde a moral que acredita ter para questionar medidas tomadas pelo delegado-geral da Polícia Civil, como a tal “portaria da mordaça”.

É que ontem – e isso foi noticiado pela própria Casa, vejam só – se aprovou um convite ao delegado-geral da Polícia Civil para questioná-lo sobre uma portaria que limita as informações repassadas ao público geral por meio da imprensa.

Vejam só que ironia: no dia em que se convida um delegado-geral para que ele esclareça uma portaria da “mordaça”, o parlamento estadual também limita a informação a um assunto seríssimo que pegou promotores e procuradores de surpresa, pois não se trata apenas da questão dos grupos de trabalho, mas também há outros pontos na lei que envolvem a eleição do futuro procurador-geral. Como a Assembleia Legislativa vai querer cobrar de alguém aquilo que ela não exerce?

O projeto de lei complementar do MPE precisava e deveria ter sido debatido.

Até mesmo os deputados mais combativos dessa legislatura, como Cibele Moura (PSDB), Davi Maia (Democratas), Cabo Bebeto (PSL), Jó Pereira (MDB) e Bruno Toledo (PROS), silenciaram até aqui. Vejam: não estou cobrando deles que concordem comigo, mas que – diante da relevância do assunto – se posicionem. É claro e evidente que é um dever de todos os outros também, mas os aqui citados são citados nominalmente por serem os que mais possuem participação na Casa e com bons pronunciamentos.

Diante do feito, os representantes do Ministério Público Estadual possuem todo o direito de repudiarem o que a Casa fez, pois sequer foi dado a esses – o autor original da matéria – a oportunidade de se posicionarem sobre o jabuti que apareceu na árvore. E quando há um jabuti na árvore, caros (as) leitores (as), é porque alguém o colocou lá. Todavia, se dependesse do parlamento estadual, o jabuti permaneceria disfarçado de algum fruto natural em meio à folhagem. Ele seria parte da árvore contrariando a natureza da providência.

Ensina-nos Santo Tomás de Aquino que silenciar diante do erro é acatá-lo; não se opor é pior ainda. É, eu peço perdão por citar Santo Tomás de Aquino nesse episódio de tão profano valor, mas as lições do mestre são sempre lições. Também pela lógica aristotélica é possível deduzir que a gente só esconde aquilo do que se envergonha, pois passa a temer a luz do sol que vira um desinfetante. Os deputados estaduais tentaram sim esconder o que fizeram…

Porém, a jornalista Vanessa Alencar – em suas matérias no dia de ontem – partiu pra cima do projeto de lei e o esmiuçou, trouxe os questionamentos necessários e acordou o Ministério Público Estadual para o que está acontecendo. Alencar escreveu um poeminha para os deputados estaduais: “No meio do caminho tinha o jornalismo, tinha o jornalismo no meio do caminho”. Mas não se enganem, em breve nossos heróis legisladores se esqueceram desse fato diante de suas retinas cansadas, fustigadas diante do que enxergam, porém muito bem pagas. No entanto, existirão outros que os lembrem.

Alguns devem estar revoltadinhos com o que veio a público. Dane-se. É para questionar mesmo. Eles são funcionários e não patrões. Agora, na sessão de hoje terão que dar explicações.

Quem sabe não escutem, no dia de hoje, um outro poema que toma por base Camões:

As armas e os Barões assinalados

Que da Caiada Sepulcral praia Assembleiana

Por silêncios sempre navegados

Resolveram colocar uma canga nos investigadores,

Em virtude dos perigos a serem investigados?

Foram pegos de calça curta pela força humana,

De entender o jabuti ali sendo votado

E no novo Reino, que tanto sublimaram;

E também diante das memórias não tão gloriosas

Há algo que precisa ser dito e publicado:

Os interesses inconfessos de terras viciosas

Que acha que pode ter o próprio poder dilatado

Quando no histórico de suas obras libidinosas

Tantos foram os próprios pares já questionados.

Escrevendo, espalhar-se-á por toda parte:

Não há jabuti que suba em árvore sem lá ter sido colocado