Nunca enxerguei o ex-chefe do Ministério Público Estadual, Alfredo Gaspar de Mendonça, como um “bolsonarista”. E isso não é elogio nem crítica, mas uma constatação apenas. Agora, no comando do Ministério Público, em entrevistas concedidas e nas opiniões postas, ele sempre mostrou convicções que são consideradas de direita. E uma direita não se resume a um político, seja ela qual for, por mais apoio ou não que tenha.

Por exemplo: eu tenho convicções fortes de direita e digo quais são: defendo o livre mercado, sou pró-vida, professo valores cristãos, sou contra ideologias seculares, tenho posicionamentos conservadores, defendo o direito do porte de arma ao cidadão, dentro de critérios objetivos e defendo as garantias de liberdades individuais. No entanto, tenho fortes críticas a setores do governo do presidente Jair Bolsonaro e a alguns de seus rompantes que, em minha visão, atraem crises vazias e desnecessárias, como a recente fala de que houve fraude nas eleições. Isso é criar desestabilizações em momentos de crise, quando a tensão já está exposta e aí, vem o presidente, e tensiona ainda mais a corda.

Não me furto ao livre direito de poder criticar o governo federal, estadual e municipal por ele ser deste ou daquele espectro político. Sigo a minha consciência. Assim como acho que acertos devem ser reconhecidos. Outro exemplo: sou um crítico ferrenho do MDB dos Renans. Todavia, já fiz textos elogiosos ao secretário da Fazenda, George Santoro, e a política de segurança pública do Executivo estadual mesmo achando o governador Renan Filho um midiático que adora “jogar para a galera” e que é omisso em muitos momentos, como quando o governo se viu no meio de uma ação da Polícia Federal apontando escândalos na Saúde. No caso do governo federal, sempre pontuei dois acertos de Lula: a unificação dos programas sociais e a manutenção, no início de sua gestão, da matriz econômica ortodoxa.

Se alguém não entende isso, paciência. Eu busco ter honestidade intelectual até para com o maior dos adversários no debate político.

Quanto a Alfredo Gaspar de Mendonça, ele mostrou uma visão de segurança pública sem relativismo e com valorização da tropa, conquistando o apoio de boa parte da Polícia Militar de Alagoas e da Polícia Civil dando suporte a ações em que dizia, de forma clara, onde enxergava o papel do policial e que, em situação de confronto, primava pelo apoio a este. É uma visão que se associou à direita política.

Isso não quer dizer que defenda o discurso infame do “bandido bom é bandido morto”. Eu também não defendo esse discurso. Bandido bom é bandido preso, respeitando tudo aquilo que preconiza o Estado Democrático de Direito, que inclui o direito de defesa etc. Agora, em confronto, torço pela vida do policial. Se há policiais que se comportam como bandidos (e esses existem) devem ser tratados como bandidos e expurgados da corporação, que – em virtude dos bons policiais (que creio ser maioria) – merece o reconhecimento da sociedade, pois atuam na ponta em um país extramente violento e ainda com altos índices de homicídio.

O bom policial tem uma coragem que admiro, sobretudo diante das condições tão adversas.

Dentro dessa lógica, Gaspar de Mendonça nunca relativizou o que considera ser o bem dentro de uma sociedade, pelo menos nas entrevistas concedidas. Recentemente, disse que não abria mão de seus princípios. Bem, não tenho bola de cristal. O futuro dirá isso. O que digo é que sou cético em relação a todos os políticos. Como o ex-chefe do MP agora se torna um, contará com o meu ceticismo mais ainda, pois já contava com ele antes, como quando o critiquei por aceitar o convite de secretário sabendo que a lei o impedia.

Alfredo Gaspar de Mendonça já defendeu o porte de arma dentro de condições objetivas, se coloca pró-vida, parece-me ter uma visão pró-mercado, concedeu apoio à Lava Jato, é crítico à visão de uma governabilidade pautada pelo “toma lá da cá”, já destacou o respeito às liberdades individuais etc. Historicamente, são bandeiras defendidas ora por liberais clássicos, ora por conservadores. Se alianças políticas o fizerem romper com essas visões, ele romperá consigo mesmo em função de um projeto político e não apenas de um sonho legítimo de se tornar prefeito de Maceió.

O que ele passa a ter – portanto – é dificuldade de justificar o próprio discurso já assumido ao se aliar, e até se filiar, ao MDB. Obviamente, uma direita que enxergava em Alfredo Gaspar um candidato que romperia com o sistema comandado por “caciques” políticos passa – de forma justa – a indagá-lo. O apoio espontâneo que teve no passado, e que surgiu de forma orgânica, será naturalmente abalado, pois é legítimo que um espectro existente na democracia busque um candidato que o represente. Como é legítimo que um espectro de centro busque um candidato de centro, que um espectro de esquerda busque um candidato de esquerda e assim vai…

A democracia pressupõe a existência de lados e não de um lado só. É natural da democracia, inclusive, os conflitos de visões. Quando não mais existir conflitos de visões em uma democracia é porque a democracia foi embora. Simples assim. A liberdade de escolha traz a polarização, que se difere de sectarismo. O sectarismo é não saber ouvir o diferente. A polarização é a necessária presença de vozes divergentes para que a discussão possa gerar a crítica e levar luz ao debate, separando joio e trigo conforme a análise das consciências que se pautam pela busca da verdade.

Não sei o que essa aliança firmada muda em Alfredo Gaspar de Mendonça. Em resposta a um internauta, que já mostrei aqui nesse blog, ele diz que não negocia princípios. Veremos com a prática. Em todo caso, em um balão de ensaio, já mostrou algo nesse sentido, pois defendeu os delegados exonerados da Divisão Especial de Investigação e Captura (Deic), mesmo essas exonerações sendo uma ação do governo estadual que lhe apoia. Claro: isso é um café pequeno que não incomodará o governador Renan Filho, então é fácil fazê-lo. Porém, Gaspar de Mendonça poderia ter optado por silenciar. Seria mais cômodo.

Alfredo Gaspar não pode negar o seu passado. Ele sabe que já buscou apoio do PSL, que já conversou com o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que simpatiza com algumas (não todas!) bandeiras do atual governo federal e que, por algumas de suas posições, já foi duramente criticado pela esquerda.

Sua escolha expõe contradições pelos políticos que estarão ao seu lado e não por conta de um “bolsonarismo”. Gaspar de Mendonça nunca se disse bolsonarista. Então, não pode desdizer o que nunca foi posto por ele. Agora, pela similaridade de suas ideias com algumas pautas do governo federal, atraiu para si a atenção de muitos apoiadores de Jair Bolsonaro. Mas, as diferenças de postura entre ambos sempre foi gritante.

Gaspar de Mendonça, por exemplo, é muito mais comedido nas declarações, muito mais político e aglutinador, como prova a atual composição que orbita em torno dele. Já era assim, pois foi assim que aceitou o convite para ser secretário de Segurança Pública de Renan Filho na primeira gestão do governador. O ex-chefe do MP é também muito mais pragmático ao avaliar as condições objetivas para realizar o que deseja e traçar seus projetos. Ele adota o silêncio estratégico para enfrentar determinadas batalhas, como foi na construção de sua pré-candidatura, ao se preservar, inclusive tirando férias do cargo de chefia do Ministério Público Estadual.

Alfredo Gaspar não tem rompantes. Isso é bom em alguns momentos, mas em outros não, pois até suas frases de efeito soam cirúrgicas e não espontâneas. É preciso ceticismo quanto a isso. Nunca enxerguei – e já escrevi isso no passado – em Gaspar de Mendonça uma direita conceitual, mas sim algumas convicções que o colocam na direita. Para mim, eis uma grande diferença. Mas repito: não é juízo de valor e sim uma constatação.