Um dos males do mundo pós-moderno (ou moderno) – você escolhe – é a dimensão que a política toma em nossas vidas. O Estado tem se transformado em um Leviatã que busca influir até em costumes e, a partir daí, acha que tudo é resolvido por legislações.
Eis aí uma razão pela qual acredito que devemos regressar aos clássicos como Democracia na América de A. Tocqueville, Do Espírito das Leis de Montesquieu ou A Lei de F. Bastiat, dentre tantos outros.
Assim, refletiremos – de forma mais profunda – sobre o real papel do Estado para sabermos a importância de limitar o poder que os tais poderes constituídos possuem. Não raro, costumo afirmar que tenho total desconfiança dos parlamentares que adoram viver apresentando projetos de lei de todas as espécies.
Creio, como Bastiat, que a lei justa, digamos assim, é aquela que busca proteger o indivíduo do poder coercitivo estatal e da tirania que pode ser exercida por coletivos. Desta forma, até se compreende o que se convenciona a chamar de “decisão da maioria”, mas respeitando a “minoria”.
Nesse sentido, não há liberdade sem um conjunto de valores e condições objetivas que a sustente. Caso contrário, ela se esfacela nas mãos daqueles que mais dizem lutar pela liberdade. Entre os valores estão a Justiça, a Prudência, a Temperança, a busca pela Verdade, da qual não se é dono, mas se colocar a serviço dela.
Nas condições objetivas, vejo o respeito pela vida, o direito a propriedade e as garantias das liberdades civis. Só é possível enxergar isso dentro de uma moralidade objetiva que, mesmo diante da complexidade humana, nos ensina a separar o bem do mal não apenas em conceitos, mas em situações concretas.
O Estado que muito pesa nas costas do cidadão é um mal. Tudo vira lei, toda lei requer uma estrutura para seu cumprimento, que acaba ampliando a máquina estatal, que resulta em custos e que são transferidos por esse mesmo cidadão por meio de impostos e mais impostos.
Assim, o indivíduo que silencia acaba por contribuir com a confecção da corda que vai enforcá-lo. E não há ideologia secular que não vise impor seus valores por meio do poder coercitivo da máquina estatal, sobretudo quando essa tem o monopólio da força.
O politicamente correto nas mãos do Estado é isso: a polícia do pensamento nos coagindo a só poder nos expressarmos por meio de uma “linguagem oficial permitida” utilizando-se da mentira, do revisionismo histórico infundado, da censura prévia e do poder que concede àqueles que adoram se sentir ofendidinhos.
Então, é preciso colocar o Estado no seu devido lugar.
Um parlamento tem uma função nobre, nesse sentido, que raramente executa: a de debater esses temas antes de sair por aí espalhando leis de qualquer forma e sem pensar no impacto que essas legislações possuem.
Eis a razão pela qual projetos de revogação de leis inúteis ou que burocratizam a vida do cidadão são essenciais. O primeiro tem o cunho didático já que leis inúteis muitas vezes sequer são cumpridas. Mas é didático por expor a imbecilidade de alguns deputados e vereadores que já quiseram legislar sobre tudo. No caso das que desburocratizam, para além do efeito didático, possuem efeitos práticos, pois passam a assegurar mais liberdade.
O Estado não pode ser babá do indivíduo, muito menos empresário. O tolher de algumas liberdades se faz para proteger o próprio indivíduo, como é o caso do Código Penal. Esse, ao mesmo tempo, se apoia em uma moralidade, como mostra Montesquieu, para não perder o bom senso e querer transformar tudo em crime. Em sua distopia 1984, George Orwell mostra – inclusive – o Estado totalitário que tornou crime até o pensamento.
O que digo aqui – de forma resumida – é justamente o que me fez elogiar a deputada estadual Cibele Moura (PSDB), com quem possuo extremas divergências por conta de um liberalismo exacerbado que enxergo nela. Todavia, Moura tem tido grandes méritos nesse seu mandato que deveria servir de lição para muitos que já acumulam a experiência legislativa. Ao propor um pacote de revogação de leis, mesmo que a maioria dos alvos sejam as leis inúteis, trabalha com o didatismo já exposto aqui nesse blog.
Dentro do pacote, está a revogação do monopólio das carteiras estudantis. Não elogio apenas porque visa tornar mais barata (ou até sem custos) a carteirinha para os alunos. Não! Isso também merece elogios, mas vou além: elogio pelo “espírito” presente nessa ação: libertar os indivíduos dos coletivos que se creem monopólios de virtudes para representá-los.
Moura não impede que esses coletivos existam, pois é direito deles, e todos os indivíduos possuem a liberdade de se associarem em torno de uma causa e fundarem uma associação ou entidade que os represente para se fortificarem em uma determinada luta. Só não podem é ter o monopólio da luta e serem financiados por todos: os associados e os não associados, já que fazer parte de um coletivo é uma escolha e o indivíduo que não opta por ela não é menor.
Que o parlamento entenda isso ao analisar as propostas de Cibele Moura e que os estudos que ela vem fazendo sobre o corpo legislativo do Estado resultem em mais frutos nesse sentido. Que o debate ocorra, inclusive com os lados contrários a essa ideia, até mesmo para que todos os argumentos sejam expostos. E que a deputada estadual tenha a predisposição de enfrentar esse bom combate, pois não raro há os que se curvam diante de pressões organizadas. Não creio aqui que seja o caso e espero não estar errado.
O pacote de revogações já foi protocolado na Casa e começa a tramitar nas comissões. Que sirva de exemplo para a tal Frente Pela Liberdade que foi criada na Casa de Tavares Bastos, mas que parece não andar. A sensação que fica quanto a essa é que foi apenas um “oba-oba” para aproveitar o momento em que se discutia liberalismo. É uma Frente que pode fazer mais.
Agora, Cibele Moura – nos passos que está dando – perceberá com o tempo a necessidade de quebrar algumas amarras políticas com o tradicionalismo. Não julgo as coisas antes delas acontecerem, mas espero pacientemente e torcendo para que a jovem deputada consiga mostrar valor.
Afinal, esse tradicionalismo fisiológico – que contribuiu para a própria eleição dela – está presente no grupo político do qual faz parte e no partido que escolheu. Caso queira voos maiores, terá que – em algum momento – confrontar isso. Será a hora que determinados muros não farão sentido. Logo, não se poderá estar em cima deles.
Nesse momento, a deputada estadual vai perceber que a política cobra uma polarização natural. E essa palavra “polarização” vem sendo tão demonizada por ser confundida com sectarismo. Elas não são sinônimos. A polarização consiste em saber o conjunto de valores que nos regem e que nos são caros e inegociáveis; e, justamente por isso, estamos sempre em oposição a alguma coisa, separando – por meio do diálogo – o que pode ser negociado e o que não pode. Polarização, portanto, é natural da democracia, pois essa só se faz com lados e não com uma hegemonia de qualquer espécie.
E aí, como diz Santo Tomás de Aquino, “não se opor ao erro é aceitá-lo”; silenciar é conceder ao mal. Pancadas virão com as posições assumidas. Umas mais duras e corretas, outras falaciosas e com interesses inconfessáveis. Separar o joio do trigo também é nossa função.
Isso é da vida. Não seria diferente no exercício da política que é só uma parte dessa mesma vida. O futuro vem com desafios e, quanto mais fazemos, por mais seremos cobrados. Assim, a posição de destaque justa que Moura começa a alcançar também trará para ela questionamentos sobre posturas, cobranças e comparações com pessoas que fazem parte de seu próprio grupo. Só esse mesmo futuro falará sobre as escolhas.
No entanto, é um fato: a deputada estadual começa a definir o seu mandato por um conjunto de valores. O lado bom: o seu eleitor saberá o que cobrar e o que esperar. O lado ruim: será exposta a eventuais contradições e, por aparecer mais, sentirá o que outros parlamentares, que entram mudo e saem calado, não sentem. É o preço que ela pagará. É justamente por isso que é mais fácil não fazer nada e só criticar!