O debate sobre o projeto de lei do rateio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) na Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas traz reflexões para além da matéria em si, pois mostra a relação conflitante entre o Executivo e o Legislativo.

Até mesmo alguns deputados de situação – por mais que não afirmem isso abertamente – se sentiram, no mínimo, incomodados com a forma como o governador Renan Filho (MDB) agiu.

Não é a primeira vez que há embates desse tipo entre o parlamento e o governo Renan Filho. O primeiro se deu na própria construção da candidatura do deputado estadual Marcelo Victor (Solidariedade) à presidência. Foi justamente uma reação ao governador, que, na época, tentou impor o tio Olavo Calheiros (MDB) como presidente da Casa de Tavares Bastos, que fez com que Marcelo Victor tivesse tanta aderência ao seu projeto de ocupar o mais alto cargo da Mesa Diretora.

Dessa vez, relembrando os fatos, Renan Filho encaminhou o projeto de lei do rateio do Fundeb no dia 12 de fevereiro. Ele não pediu tramitação de urgência e nem articulou sessão extraordinária. Mas, às vésperas do retorno das atividades legislativas jogou o problema no colo do parlamento estadual, para que esse aprovasse a matéria em dois dias, já que o retorno das atividades legislativas só se deu nessa semana.

Agora, que se registre: é verdade o que o governador Renan Filho fala: os deputados – ainda que constrangidos e pressionados – poderiam sim ter entrado em consenso, como se buscou, para aprovar a matéria dentro desse prazo. Então, erraram quando deixaram que um sentimento (que não é de hoje) tomasse conta do debate e não permitisse o acordo que atenderia aos professores. Não se prejudicou o governador, mas o funcionalismo.

O presidente da 7ª Comissão da Casa, Bruno Toledo (PROS), não aceitou o entendimento. Toledo acerta no mérito, quando diz que Renan Filho tentou constranger a Casa, fez chantagem para sair valorizado perante a opinião pública. Todavia, poderia expor isso mesmo fechando um acordo. Infelizmente, nessa batalha, quem perdeu foram os profissionais da Educação que tinham direito aos recursos que já se encontram nos cofres estaduais.

Vale lembrar ainda que não é a primeira vez que Renan Filho faz isso, pois a situação já se repetiu em outros anos, com o atraso por parte do Executivo. Então, não, o governador não tem razão. Os deputados Davi Maia (Democratas), Cabo Bebeto (PSL) e Bruno Toledo (PROS) possuem a razão do mérito. Todavia, no parlamento – repito! - a matéria poderia sim ter sido aprovada.

É uma pena quando o embate existente prejudica mais aquele que nada tem a ver com essa questão, que envolve uma Casa que lida com arestas de uma relação na qual o Executivo tenta atropelar o parlamento estadual.

Obviamente que é sabido – nesse contexto – que a Assembleia Legislativa é uma espécie de “Geni”, já que é muito fácil bater no conjunto de deputados de forma genérica. Detalhe: é fácil bater na Casa de Tavares Bastos porque a Casa de Tavares Bastos fez questão de ter um histórico que a envergonha. Isso, evidentemente, não pode se perder de vista.

Dito isso, eis uma posição que me chamou a atenção: a da deputada estadual Jó Pereira (MDB). Diferente de outros da situação, Pereira – mesmo sendo do mesmo partido do governador e do vice-governador, Luciano Barbosa (que responde pela Secretaria de Educação) – colocou o dedo na ferida do Executivo ao se posicionar na tribuna do parlamento.

Pereira era favorável ao entendimento para se votar o rateio. No entanto, isso não a impediu de pontuar algo que é verdade: o drama se repete todos os anos porque o Executivo não construiu uma política de reposição salarial e uma forma mais simples de lidar com os recursos do rateio.

Ela destaca a necessidade de discutir – de uma vez por todas – a importância da adequação salarial do magistério para não existir mais a necessidade do rateio das sobras, que é uma pauta enfrentada sempre diante do impacto sobre a folha de inativos, inclusive.

Pereira reconheceu o atraso por parte do Executivo e lembrou que a Assembleia poderia corrigir o problema, porém frisou, com outras palavras, que a bomba não poderia ser jogada no colo do parlamento estadual. Afinal, como a parlamentar pontua, “nos últimos anos, a legislação que autoriza o rateio sempre chega durante o recesso. Esse ano chegou inclusive perto do retorno dos trabalhos”, colocando os parlamentares na fogueira.

A deputada não cita o vice-governador Luciano Barbosa, mas para bom entendedor meia palavra basta. Ela diz com todas as letras, rebatendo a acusação de que deputados estariam “confiscando” os recursos dos professores, que já estão disponíveis, que se há algum confisco esse foi cometido pela Secretaria de Educação do Estado de Alagoas. Ora, quem é o secretário? O vice!

Eis a fala de Jó Pereira: “Confesso que considero, inclusive, um confisco por parte da Secretaria de Educação do Estado, que poderia ter providenciado o pagamento no final de 2019”.

A crítica mais dura da deputada, no entanto, é outra. É mostrar que já se trata de uma obrigatoriedade legal usar o mínimo de 60% dos recursos do Fundeb para pagamento dos professores. Como há uma possível previsão, “não é justo que o governo estadual passe dois, três meses aparentemente fazendo “caixa”, fazendo superávit com os recursos rateados”.

Entenderam? A deputada só erra porque doura demais a pílula. Mas aí, eu entendo. Ela é do partido do governador. Mas é possível se desfazer dos eufemismos e perceber a gravidade do que ela diz.

Jó Pereira aponta a possibilidade do Executivo estar atrasando o Fundeb de propósito para conseguir fazer caixa e, por esperteza retórica, usar do recurso de que agora é com a Casa de Tavares Bastos. O deputado de oposição Bruno Toledo (PROS) também destacou isso no uso da tribuna. Vejam que interessante: nesse ponto, uma situacionista e um oposicionista encontram um denominador comum sobre o qual Renan Filho deveria se explicar.

Mas, a tendência é o governador não explicar nada. Renan Filho não entrará em detalhes, pois preferirá o discurso mais simples, mais fácil, em que a culpabilidade recai apenas no parlamento. Reitero algo já dito: com esse parlamento que temos, a coisa mais fácil é bater nele, de forma direta ou indireta. O que não falta naquela Casa é carapuça que caiba.

E o professor, chateado com toda a razão, pois poderia ter tido o recurso antes do Carnaval, compra esse discurso sem entender a complexidade. Afinal, ele nem precisa entender. Ele precisa é que o direito dele seja respeitado.

Jó Pereira ainda lembra que, de forma planejada, a autorização pode ser automática para o repasse, fazendo com que esse ocorra dentro do exercício financeiro. Traduzindo o que Pereira diz em miúdos: se o governo quiser, ele se planeja, dialoga melhor com o Legislativo, e pode pagar o rateio dentro do ano trabalhado. Logo, esse dinheiro poderia ter caído na conta dos profissionais em dezembro do ano passado.

Que a oposição escute a emedebista Jó Pereira e aprenda a argumentar com ela. O discurso dela foi o que melhor mostrou o que governo fez...