O filósofo e escritor Roger Scruton faleceu no dia 12 de janeiro. Eu estava sentado em uma das cafeterias da cidade quando um amigo me encaminhou a notícia por meio de um aplicativo de mensagens. Senti uma tristeza profunda naquele momento.
Ela (a tristeza) veio acompanhada de um grande lamento.
É que companho a obra de Scruton há muitos anos e, confesso, ele foi um dos autores mais importantes na minha formação. Scruton foi um exemplo de coragem em seu ofício e em sua vida. O mínimo de honestidade para com a biografia desse pensador nos fará tirar uma lição para as nossas existências sobre como encarar o belo e o verdadeiro.
Roger Scruton me ensinou – ao trabalhar a temática da importância da beleza na arte (em seu sentido mais amplo) – a rever a forma como eu ouvia música e consumia literatura, filosofia e até mesmo os livros de história, dentre tantos outros. Esse é só um dos motivos pelos quais sou extremamente grato a Scruton, mesmo sem tê-lo sequer conhecido.
Para o pensador a beleza importava porque ela arrancava o melhor de nós ao nos depararmos com aquilo que a humanidade – ao longo do tempo – era capaz de erguer e de deixar visível um sentido metafísico ali impresso.
Assim, por exemplo, analisou a trajetória de Tristão e Isolda, compreendendo cada elemento da história e a força de seus personagens (uma de suas maiores obras), como se Roger Scruton nos ensinasse a olhar o que de mais profundo habita na obra de arte e educa o nosso imaginário.
É que a vida é curta para que tenhamos todas as experiências possíveis e aprendamos tudo na própria pele. Então, aprendemos com nossos erros, com os erros alheios e com o imaginário que formamos a partir do que conhecemos.
Ao nos envolvermos com as personagens de uma obra de arte somos levados a sentimentos, empatia, compaixão, repulsas que nos ajudam a compreender – por meio desse belo – o bem e o mal, o certo e o errado. Aprendemos a enxergar a complexidade humana.
É como ler Crime e Castigo de Dostoiévski. Nessa obra, ao nos depararmos com o personagem principal confrontamos a redenção do humano no expiar de suas penas por conta dos pecados cometidos.
Roger Scruton nos mostra que algo só pode nos tocar assim porque é bem-feito, porque é belo em sua tragédia, porque nos comove por essa beleza em como é contada a história, pois há uma preocupação com a forma, com a linguagem. Porque transcende e busca o verdadeiro.
No caso da música, com os sons que falam à alma. Na arquitetura, com os elementos que nos arrancam suspiros e nos faz marejar os olhos. Quando nos deparamos com a beleza natural do meio ambiente, o espanto de estarmos diante do grande milagre de Deus. A partir disso, o filósofo nos ensina o que precismos preservar, conservar para não perdermos o senso estético e o senso ético.
Ou seja: para não cairmos no conto vigarista das ideologias revolucionárias de querer mudar o mundo a todo custo; construir o paraíso na terra, mas só conseguir mesmo apagar as conquistas de gerações passadas; promover a destruição da civilização; desprezar a união dos valores cristãos, do direito romano e da filosofia grega. Assim, repetirmos o Terror visto na Revolução Francesa, quando os racionalistas extremos – em nome dessa mesma razão – quiseram um mundo sem Deus e nos entregaram um banho de sangue.
Eis a essência do que ocorreu na Revolução Russa e em qualquer outro genocídio do século XX, como o nazismo, por exemplo. Eles foram regimes totalitários execráveis que perderam a noção do humano tal como o Cristianismo ensina, perderam a noção da complexidade do mundo, da liberdade, das virtudes e vícios tal qual como pensavam os gregos e da evolução do direito na busca por conciliar a sociedade e o indivíduo.
Nada disso é fácil, tudo isso é complexo. Os ideólogos e intelectuais de plantão, ao desprezarem tudo isso na busca pelo tal “mundo melhor”, acabam jogando o bebê fora com a água suja do banho.
Esse alerta Roger Scruton nos dá.
O filósofo que deixou o mundo no domingo passado refletiu bastante sobre a mentalidade revolucionária e se posicionou contrário a ela como um gigante. Scruton mostrou que a ideologia é uma camisa de força que faz com que o homem passe a não mais enxergar o outro em sua essência, mas sempre por meio de coletivos que são manipulados conforme os interesses políticos.
Assim, se alguém não pertence ao clubinho da moda, se não está enquadrado nas ideias certas, pode imediatamente ser excluído do conceito de humanidade e encaminhado a um paredão de fuzilamento como tanto ocorreu na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Porém, tais erros do passado não se encontram longe do presente, pois são muitos os que ainda andam por aí a defenderem o tal comunismo de forma aberta ou em doses diluídas. Razão pela qual, Scruton também adentrou o universo dos “intelectuais-da-modinha” e destrinchou esse mundinho com coragem e maestria.
Nesse sentido, destacam-se duas obras de Roger Scruton: Os pensadores da Nova Esquerda e Tolos, Fraudes e Militantes. Ali estão destrinchados nomes como Michel Foucault e Dworkin. São os queridinhos de uma turma que – em alguns momentos – sequer se assumem como socialistas ao fingirem uma isenção descabida. Em resumo: hipócritas.
Roger Scruton entrou de sola na sala vip ao mostrar essa hipocrisia e pagou um preço, como quando foi perseguido pelo ambiente acadêmico ao lançar “Os pensadores...”.
Scruton estava compromissado com a busca pela verdade. Ele tinha dentro de si a certeza de que a verdade não se banha no rio do tempo, e se fez maior que seus críticos em obras que são – na maioria dos argumentos – irrefutáveis.
Roger Scruton – na defesa do conservadorismo filosófico – mostra algo que o pensador G.K.Chesterton já tanto dizia: uma verdadeira democracia se faz com as vozes dos vivos e dos mortos, além daqueles que virão. Em outras palavras, a necessidade de aprender com as lições da História e buscar conservar o que é bom sem ser avesso às mudanças necessárias. Não é uma equação fácil, mas ser avesso às mudanças nos faz reacionários e isso era tudo o que Roger Scruton não era.
No mais, é agradecer a esse filósofo por dividir com o mundo e, consequentemente, comigo também a riqueza de seus escritos. Sou um eterno devedor e eternamente grato! Scruton cumpriu sua missão. Que Deus o receba de portas abertas. Obrigado por tudo, Sir Scruton!