Os artistas – em regra – adoram emitir opinião sobre tudo e abraçar causas politicamente corretas que lhes rendam uma boa imagem (ou que pelo menos assim eles julguem). É gente que adora fazer parte do “bonde dos iluminados” sempre com a agradável posição da moda para ser glamourizado nos meios culturais e bancarem de intelectuaizinhos orgânicos.

Não por acaso, em tempos pós-modernos, todo filme, toda novela, toda série se preocupa mais em ter uma agenda ideológica e política do que necessariamente contar uma boa história.

Eles se sentem os “justiceiros sociais”. Fazem isso sem perceber que boas históricas, com dramas naturais e complexos da vida humana acabam por nos fazer refletir, sugerir empatias e nos colocar no lugar de outro, trazendo – obrigatoriamente – reflexões sobre virtudes e vícios do humano, dentre eles o que é justo ou não, como já discutia Sócrates por meio das obras de Platão.

Afinal, é isso que provoca as narrativas construídas por diversos gênios da humanidade, desde as peças de Sófocles a romances de Dostoiévski. Há ali reflexões sobre o mundo sem que esses artistas estivessem preocupados com os aplausos de um grupinho em frente às câmeras. Era feito arte em seu sentido mais pleno.

Isso se fazia presente independente da posição política ou ideológica do autor. Exemplo: eu tenho aversão às opiniões políticas do escritor Gabriel Garcia Márquez. Todavia, seus romances são lupas geniais sobre o humano. Eis aí o que me faz gostar muito de Cem Anos de Solidão, Relato de um Náufrago e Crônica de uma Morte Anunciada.

José Saramago – que é ateu e comunista, portanto o meu avesso – tem um belíssimo livro: O Ano da Morte de Ricardo Reis. Além disso, há outros dele que também gosto. Motivo? São boas histórias, são personagens intrigantes que não buscam lacrar, chocar gratuitamente para atender a uma demanda político-ideológica da “novafala”, como diria George Orwell.

A novafala – em nossa modernidade – é o politicamente correto aliado ao controle de tudo por meio de causas impostas que tentam dizer o que você pode ou não pensar, quem pode ou não ser alvo de uma crítica etc. E aí, meus caros (as) leitores (as), Ricky Gervais – na apresentação do Globo de Ouro – foi surpreendente com sua ironia, com o sarcasmo, com o humor inteligente e com o desprendimento de toda e qualquer amarra. A fábrica de sonhos da indústria cinematográfica americana foi o alvo. O progressismo hipócrita dos artistas foi o alvo, assim como foi alvo o fato deles terem opinião sobre tudo sem terem estudado nada. São raras as exceções, mas a maioria é garoto-propaganda de causas bem planejadas por seus agentes e ditadas pela “tribo”. Há muita grana em jogo.

As opiniões da turma do “bonde dos iluminados” não se sustenta – como alguns querem fazer acreditar – em “estudos científicos”. Não! Ela está apoiada em convenções que pairam no ar e que apontam o norte do que deve ser defendido para ser aceito nos clubinhos, receber convites para propagandas e filmes, ser garotos de causas e parecer o agradável sujeito bonzinho.

Gervais foi o desagradável espelho a destruir um conto de fadas. Enquanto a turma perguntava: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais inteligentinho, moderninho e politicamente correto do que eu?”, o espelho respondia: “venham aqui, peguem seus prêmios e deixem de hipocrisia porque vocês não entendem absolutamente nada sobre o que estão por aí opinando”.

No início de sua fala, Gervais fez questão de dizer que tudo era apenas piada. Ora, eis mais uma piada, pois sua apresentação foi contendora da verdade incomoda. Tanto é assim que foi atacado no dia seguinte por parte da mídia especializada e – no evento – alguns artistas pediram para trocar de lugar com medo de virarem alvos. Em resumo: Gervais deixou o rei nu, como se diz naquela velha fábula infantil. De fato, isso incomoda.

Afinal, quem era ele diante dos poderosos homens do cinema americano? Dos homens que fabricam sonhos e ilusões? Dos memoráveis? Dos que sabem tudo? Ele era só um humorista. E não há aqui como deixar de lembrar da figura do bobo da corte que – na festa do castelo – é o único que tem a coragem de, por meio do humor, falar a verdade sobre o rei e sobre a bajulação de seus súditos.

Ao assistir o discurso de Ricky Gervais fiquei a imaginar o seguinte: pensem em um Gervais no púlpito do Congresso Nacional, entre nossos iluminados legisladores e suas ideias estapafúrdias em nome de corrigir as injustiças do mundo? Pensem em um Gervais falando dos semideuses presentes no Supremo Tribunal Federal? Gervais nas academias com seus intelectuais afetados? Gervais nas casas legislativas, no Judiciário… Gervais a dizer verdades brincando e mostrando que os mitos possuem pés de barro?

O que incomodou – a ponto de existirem textos que tentam desqualificar Ricky Gervais (como um publicado no jornal Estadão, aqui no Brasil) – não foi a presença de Ricky Gervais nem seu humor. O que incomodou foi o fato de não existir uma mentira em tudo aquilo que ele disse em tom de piada.

Ele revelou o quanto os artistas são hipócritas nas campanhas que abraçam, o quanto há de igual hipocrisia na forma como a indústria cinematográfica se apoia na tal “diversidade”. E não faltou ninguém na lista, pois até os longos e tediosos filmes, que só são longos para se bancarem mais inteligentinhos foram alvo de críticas.

Nem mesmo os casos de pedofilia envolvendo sacerdotes da Igreja Católica escapou do radar de Gervais, sem ter esquecido que tais casos também se fazem presentes na “elite pura” do poder político, econômico e cultural. Nem os gigantes como a Apple, a Disney ficaram de fora…

Humor é isso!

Quem não assistiu a participação de Gervais no Globo de Ouro, que assista. Vale a pena.

O melhor trecho, em minha humilde opinião, é esse aqui: “Vocês não sabem nada do mundo real e a maioria de vocês passou menos tempo na escola do que a Greta Thunberg. Então se você ganhar, não use essa plataforma para dar um discurso político. Apenas pegue o seu premiozinho, agradeça seu agente...”. E houve jornal que achou que a piada era sobre Greta. É risível, eu sei...

Por sinal, deixo aqui uma dica que mostra muito bem a importância do humor em determinados momentos. O humor, a ironia e o sarcasmo são desconstrutores de mitos, mostram o quão ridiculamente humanos são aqueles que se sentem deuses, desafiam tiranias, despertam consciência, nos chamam a realidade, derrubam castelos de cartas, enfim… Razão pela qual lembrei do maravilhoso trabalho do escritor Ben Lewis com o livro Foi-se o Martelo. Publicado no Brasil pela editora Record, essa obra mostra como muitos russos usaram das piadas para despertarem os outros para a realidade tirânica do regime stalinista na antiga URSS. Indico esse livro.

Por fim, tomara que tenhamos mais Ricky Gervais por aí.