Em primeiro lugar, antes de entrar no tema propriamente dito, destaco ao leitor o seguinte: sempre fui favorável a mudanças nos regimes de previdência estatais (seja na esfera federal, estadual ou municipal). Minha posição não é ideológica, mas convencida pelos números mesmo. O atual sistema não se sustenta e, com a nova previdência aprovada, os estados e municípios precisam fazer alterações para não sofrer no futuro.
Todavia, estamos em uma democracia e não em um regime de solavancos autoritários em que o líder faz o que quer, sem uma discussão ampla sobre o assunto. Na democracia se impõe, diante de reformas profundas, uma discussão com a sociedade e – ao menos em tese – um debate no parlamento para que este possa realizar alterações, caso necessário. A população foi pega de surpresa, o assunto não foi debatido como deveria e muitos servidores não conseguiram entender o que aconteceu, diante de tudo ter sido tão rápido.
Erro do governo estadual que não se comunicou como deveria!
Não por acaso, houve um amplo debate no âmbito federal. O governo de Jair Bolsonaro, por exemplo, não conseguiu aprovar a nova previdência com a economia pretendida. Outras alterações também foram feitas diante das discussões travadas. O processo demorou meses. Houve apresentação dos dados no parlamento, relatórios discutidos com amplitude, as mudanças foram detalhadas, houve publicidade e até palestras de membros do governo pelo país. Isso se deu ao ponto de até passar a existir manifestação favorável à reforma.
Numa dimensão menor, obviamente, isso poderia ter existido em Alagoas e a votação ocorrido no primeiro semestre do ano que vem.
Fora da reforma
Infelizmente, por proselitismo de muitos políticos (incluindo aqui alguns governadores e vice-governadores), estados e municípios acabaram de fora da reforma do governo federal. Agora, esses mesmos estados e municípios – a espera de uma ação paralela – começam a pagar o preço disso. Esses entes possuem a necessidade de realizarem as suas reformas. Com Alagoas, não é diferente.
Então, reformar o sistema previdenciário alagoano – assim como se dá no Maranhão e em outros locais – é uma necessidade com base nos números. O governador Renan Filho (MDB) não erra ao apresentar uma proposta para solucionar um problema que acumula um déficit de R$ 1,2 bilhão.
O erro não é esse!
O erro de Renan Filho é – nesse caso específico – desprezar a democracia; mas há também o erro do parlamento estadual: aceitar o rolo compressor e votar o tema sem sequer conhecer de forma aprofundada o impacto da matéria. Simples assim.
Renan Filho encaminhou uma proposta de alteração da previdência estadual no apagar das luzes do ano legislativo e, sem o tempo de maturação e debate necessário, a Casa de Tavares Bastos já colocou em votação, mesmo com pontos polêmicos (como o aumento da alíquota para todos os servidores) que precisavam de maior atenção. Então, parece desejo do governador atropelar tudo para fazer valer a vontade de seu governo, sem qualquer tipo de debate amplo. Rapidinho para evitar o ônus político, em outras palavras. E aí, quando alguém se tocar, já foi...
O detalhe é que esse é o mesmo governador que fazia críticas e cobrava um debate maior em relação ao processo de reforma do governo federal. Esse é o mesmo governo cujo vice-governador, Luciano Barbosa, assinou cartinha contra a previdência. Esse é o mesmo governo de alianças com o PT e o PCdoB, os críticos de plantão da nova previdência, que agora resolveram manter o silêncio. Bem, pelo menos os “comissionados vermelhos” não deram um pio. Não houve manifestação do vice, dos “comunistas” governamentais e por aí vai…
Aliás, não há nem manifestação aprofundada do próprio governo sobre o tema. Simplesmente se jogou no colo da Assembleia Legislativa e pronto. A exceção é uma matéria da Agência Alagoas, do dia 6 de dezembro, explicando a questão constitucional da alíquota. Algo reativo diante da discussão que havia surgindo na imprensa, mais especificamente na Gazeta de Alagoas.
O governo federal foi democrático no processo da reforma da previdência, o governo de Renan Filho utiliza-se da democracia como simulacro para que a reforma estadual passe sem qualquer tipo de alteração ou debate. Mesmo estando com razão no mérito, é isso que o Executivo estadual faz. Bela democracia, não é?
Mas isso não incomoda os aliados vermelhos de Renan Filho. É que no final das contas a coisa é assim: não se trata do que é feito, mas sim de quem faz. Mas, repito para que não fique dúvida: mudanças na previdência são necessárias. A maioria na Casa de Tavares Bastos, inclusive, possui essa visão. Bastava deixar espaço para a Casa analisar a matéria com a atenção que ela merece, pois algumas emendas – no sentido de aperfeiçoar o projeto – poderiam surgir.
Aliás, surgiram!
A deputada estadual Jó Pereira (MDB) apresentou emendas. Elas foram rejeitadas sem qualquer tipo de discussão que valesse a pena. Uma das emendas de Pereira buscou equilibrar a balança da contribuição, escalonando do menor salário para o maior, para que não fosse aplicado 14% de desconto para todos.
A parlamentar frisou que “não é justo que todos os servidores paguem igualmente suas contribuições, pois embora seja o mesmo percentual, no caso dos servidores de menor renda, esse desconto pode significar a ausência de itens básicos de suas necessidades”. Pereira ainda demonstrou entender a necessidade de mudanças na previdência e que isso incluía parcelas de sacrifício. O seu raciocínio não foi de oposição ao governo, mas sim de justiça para com os servidores públicos.
O deputado estadual Cabo Bebeto (PSL) também frisou o que enxerga como injustiça na proposta e acompanhou Jó Pereira. O governo se defende e alega que o aumento da alíquota para 14% é obrigatório por força constitucional. “Caso as leis não sejam aprovadas e implementadas, os Estados e municípios perdem o Certificado de Regularidade Previdenciária e, com isso, ficam impedidos de receber transferências voluntárias de recursos pela União, por meio de cooperação, auxílio ou assistência financeira. Os entes federados que não cumprirem a medida também não conseguem o aval do Tesouro Nacional para a tomada de empréstimos”, destaca o governo.
Todavia, no final das contas, a Assembleia Legislativa sequer discutiu o impacto da reforma nas contas públicas. Há perguntas que os deputados estaduais e o governo teriam a obrigação de responder, como: “quanto se economiza com as mudanças?”, “qual o impacto no déficit já existente?”, “resolve a situação ou é um paliativo?”, “em quanto tempo se pode esperar uma nova proposta de reforma?”. Será que nenhum parlamentar ficou curioso para saber dos números precisos, do impacto com a mudança etc?
Das 12 emendas apresentadas, apenas 3 – de autoria de Bruno Toledo (PROS) – foram aceitas. “A primeira suprime os artigos 33 (Os benefícios de salário-maternidade e de salário-família de que tratam os artigos 61 a 64 da Lei Estadual nº 7.751 de 2015, serão pagos por cada Poder ou órgão autônomo e não correrão a conta da Alagoas Previdência) e 34 (Fica autorizado o Poder Executivo a efetuar revisão nos critérios de financiamentos de que trata o art. 22 da Lei Estadual nº 7.751, de 2015, desde que cumpridas todas as exigências do Órgão Regulador e Fiscalizador Federa)”, consta no site da Casa de Tavares Bastos.
Toledo destacou: “No texto original vinha sendo retirada esta paridade e os outros poderes, Legislativo e Judiciário, não tinham cadeira, apenas o Executivo. Os servidores também vão ter a mesma quantidade de cadeiras que terão o Judiciário, Legislativo e Executivo”. A terceira emenda faz com que todas as discussões e futuras alterações relacionadas ao tema sejam tratadas por projeto de lei e não por decreto, como vinha no texto original. “Tudo isso foi fruto do entendimento da Casa, eu fui apenas uns dos propositores”, explicou.
Por fim, não se trata de ser contra o projeto de lei de mudanças na previdência. Não mesmo! Ele é necessário. A questão são os detalhes, como a contribuição de 14% para todos, que precisavam ser melhor debatidos e não votado no formato rolo compressor, sem a publicidade necessária e sem que o próprio governador (ou algum secretário) dialogasse melhor com os servidores e com a população em geral sobre o assunto.
O governo errou feio ao não ter dado a esse tema a publicidade que ele merecia.