Sempre acreditei que um dos graves problemas desse país é o não conhecimento da própria história, das próprias raízes e de como os fatos foram se sucedendo no Brasil até os dias atuais. Não raro, a maioria dos estudantes do Ensino Médio – e eu fui um deles – deixa a sala de aula com informações desencontradas por conta de perspectivas ideológicas seculares que são postas sobre os fatos históricos.

Assim, por exemplo, se criou mitos ao sabor da conveniência do momento em diversos períodos do país. É o caso de Tiradentes, que foi remodelado para se tornar um herói da República ou da forma como republicanos positivistas – no final do século XIX e início do século XX – apagaram os feitos da monarquia. Um exemplo ridículo foi a explicação criada para as cores da bandeira nacional, como o amarelo do ouro, o verde das matas etc. Não mais se falava que as cores ali presentes se devem às casas reais.

A Era Vargas também passou por isso. Assim como o período militar, dentre outros. Então, todas as vezes que me deparo com uma obra que, sem ideologização e preocupada em reestabelecer os fatos, abre espaço para análises e a compreensão de nossa formação, sinto-me na obrigação de indicá-la. Falo aqui da obra Escravidão (que será uma trilogia e o primeiro volume já foi lançado) do jornalista Laurentino Gomes.

Gomes já prestou um grande serviço ao país com a sua trilogia 1808, 1822 e 1889. São três livros que mostram muito bem o período colonial, a independência e a proclamação da República, com suas dores e seus feitos. Agora, o autor ataca no que de fato é uma chaga aberta: o período da escravidão no país. Por sinal, uma chaga da humanidade combatida por grandes homens, como o alagoano Aureliano Cândido Tavares Bastos, que foi um dos precursores do abolicionismo em terras brasileiras.

Há feridas abertas ainda por conta desse processo. O racismo – essa ignorância de alguns – é um desses males e toda forma de preconceito injustificado deve ser sempre combatida de forma séria e punida de maneira exemplar por força de lei. O ser humano precisa ser respeitado e ter sua dignidade reconhecida simplesmente por ser humano.

Ao abordar o tema, Laurentino Gomes apresenta um panorama histórico que revela as origens do problema, como a própria escravidão exercida no continente africano, a antecedência em território muçulmano, a exploração europeia, a questão da Crimeia, em que a escravidão não se importava com etnia até chegar no nefasto mercado dos navios negreiros. Apresenta feridas abertas, como depoimentos de chefes de Estado buscando reconciliação com seu próprio povo, por ancestrais terem vendido sua própria gente.

Há aspectos dolorosos no livro, como perceber a dimensão da maldade humana ao sufocar a liberdade alheia de forma inimaginável, como antigos costumes tribais em que – diante da morte do rei – escravos eram decapitados em cerimônias bizarras.

É preciso sim que tenhamos conhecimento desse passado. É dessa forma que teremos uma melhor noção de presente e pensaremos melhor no futuro, construindo uma sociedade que aprenda a ter valores sólidos, dentre eles, o respeito ao próximo, à vida, à liberdade, ao humano, sabendo que esse é capaz de construir coisas belas e produzir tragédias que deixam profundas cicatrizes na humanidade.

Sem o passado, é muito fácil instrumentalizar sentimentos e causas justas para a politização ideológica de tudo e todos. Promove-se assim mais conflitos que real justiça. Promove-se assim extremismos de tudo que é lado, onde as narrativas superam os fatos ao sabor das circunstâncias de momento.

Não sei – e nem me interessa – a visão política de Laurentino Gomes. Em épocas, onde todo mundo coloca todo mundo dentro de uma caixinha para definir os outros por rótulos, creio que seja importante irmos para além disso. Gomes – em um dos capítulos – critica o revisionismo histórico com interesses ocultos (não com essas palavras) e eu comungo com a visão dele.

Estudar a História é buscar saber o que de fato ocorreu. Infelizmente, no Brasil e em muitos outros cantos do mundo, houve um sofrimento terrível por parte de uma população que foi retirada à força de seu local, separada dos seus, humilhada, sujeita à morte e vista como propriedade de alguém. É algo hediondo.

É impossível não ter empatia com as vítimas desse passado. É justamente por isso que me revolta quando pessoas são “coletivizadas” ao sabor das ideologias que se apropriam das causas para falsamente dizer que lutam por justiça, quando – na realidade – tentam se aproveitar dos outros.

Tenho uma admiração profunda pelos verdadeiros abolicionistas, como Tavares Bastos e outros, por ser um apaixonado da causa da liberdade, por enxergar todo e qualquer ser humano como um igual, por entender que só há justiça dentro de uma sólida compreensão de valores que apontem para uma moralidade objetiva, pois nem tudo está em uma lei.

E a lei – como ensina Bastiat – carece dessa moralidade para ser justa, para preserva o indivíduo – independente de classe, etnia ou orientação sexual – de poderes coercitivos tirânicos.

Os fatos narrados por Laurentino Gomes mostra que a humanidade sempre flertou com a tirania. Por sinal, outro autor, o cientista político Waller R. Newell, que é especialistas nas histórias das tiranias no mundo, mostra bem o quanto esse sentimento de domínio sobre o outro produziu consequências diferentes no mundo, mas todas igualmente nefastas.

Tanto é assim que Newell – na obra Tiranos – divide as tiranias em três modelos ao longo da História. Os primeiros tiranos eram meio que tribais e impuseram microcosmos de domínio às suas populações. Depois, há os expansionistas que buscavam conquistar tudo a sua volta com suas visões de mundo. No século XX, insuflados por ideologias seculares que beberam na Revolução Francesa, prometiam o paraíso na terra e a fundação do novo homem para tornar populações inteiras escravas de seus desejos utópicos.

Essa coisa de enxergar o mundo entre “nós e eles” faz com que alguns enxerguem o outro como alguém sujeito a tudo. Laurentino Gomes resgata a humanidade no homem ao mostrar nossas raízes e o quanto devemos aprender com elas para não cometermos os mesmos erros, para aprendermos a ter empatia sincera, pois – como dito por Hermann Hesse na obra Demian – é muito fácil amar a humanidade em abstrato sem amar o homem em sentido concreto.

Laurentino Gomes traz uma obra que merece ser lida. Não há nela ranço político. Há sim o desejo de nos colocar diante de um espelho para percebermos as atrocidades cometidas por civilizações em nome do progresso e de outros mitos. Há lá as razões pelas quais devemos nos insurgir contra todo e qualquer autoritarismo, contra toda e qualquer injustiça, contra o preconceito injustificado, contra a politização e ideologização da História, além da compreensão da nossa igualdade enquanto seres humanos, que é diferente a igualdade forçada do ponto de vista materialista revolucionário.

Por fim, uma obra que ressalta a importância da LIBERDADE.