Conversando – no dia de ontem – com um político local, entramos no tema “direita” e “esquerda” na tentativa de discutir os conceitos que embasam cada uma das posturas políticas ou ideológicas. Eis que, surpreendentemente, escuto daquele que não há assim tanta força das esquerdas porque os principais agentes públicos são ligados ao poder econômico, como ocorre em alguns conselhos deliberativos com a presença de grandes empresários.

O interessante é que esse político nem nota que compreender o mundo assim – na concepção da velha burguesia e proletariado – é justamente uma visão de esquerda.

Parece que nem passa pela cabeça de tal pessoa (que realmente acredita de boa-fé no que diz) que grandes empresários brasileiros (e Alagoas não seria exceção) trabalham pelo estatismo sendo estes amigos do rei, dentro de uma política de campeão nacional, conquistando benefícios e outras benesses que não cabe a quem não se aproxima do poder político. Eles adoram ser amigos do rei, adoram um Estado grande que os beneficie e impeça o livre mercado para controlarem o jogo e imperarem.

Esse estatismo é justamente aquilo que uma visão liberal clássica e conservadora combate, pois ambas possuem um ponto em comum: a defesa do livre mercado.

Para quem pensa assim, não há sequer a cogitação do “metacapitalismo” e a compreensão de uma realidade que foi descrita justamente por um intelectual de esquerda: Raimundo Faoro. Esse autor diz, em suas obras – sendo a principal Os Donos do Poder – que o liberalismo econômico sequer existiu no Brasil, pois o estatismo – desde a fundação da República, com suas ideias positivistas – formou um estamento burocrático e plutocrático, onde o poder emana do povo para contra ele ser exercido, criando altas castas que se lambuzam do Estado em tudo, se fartam no banquete enquanto entregam migalhas para a população.

Esse político ainda acredita que a “direita” é o espantalho que foi criado por meio dos discursos da esquerda, que define tanto liberais e conservadores como “fascistas”. Na incapacidade de discutir os temas de maneira aprofundada, recorrem aos chavões e slogans fáceis, como se de um lado – o da direita – estivesse o poder econômico e do outro os movimentos em busca de “justiça social”.

O que define conceitualmente uma direita – que está longe de ser um bloco hegemônico – é a defesa do livre mercado, da livre inciativa, das garantias individuais, do direito à vida, a propriedade privada e de uma concepção de “espírito legisferante” que proteja o indivíduo do poder coercitivo estatal, salvaguardando justamente a sua liberdade. Além disso, a crença de que a menor minoria é o indivíduo, sendo todos considerados iguais perante o império das leis.

Na briga pela redução do Estado, está justamente a luta contra essa plutocracia que cria elites econômicas que se beneficiam da máquina estatal gigantesca. Caberia ao Estado – no máximo – cuidar dos serviços, não bancando a babá do indivíduo ou o empresário.

Há ainda na direita – em especial nos conservadores – a crença em uma moralidade objetiva que transcende e forma culturas, religiões e vínculos que se dão por ordem espontânea e interligam gerações, sendo – portanto – possível aprender na História quais valores são importantes, e não se banham no rio do tempo, para manter as principais conquistas e garantir um sólido progresso. Daí a importância de enxergar o indivíduo e a célula da sociedade como sendo a família, que é o berço guardião desses valores por meio da Educação e do elo intergeracional.

Em essência, portanto, ser contrário a visões revolucionárias de um “mundo perfeito” que, ao longo da História, só produziu tiranias controladas por pequenas elites que se achavam iluminadas com suas utopias, como se deu com as ideologias totalitárias do século XX. Qualquer um que leia Edmund Burke, Thomas Sowell, Roger Scruton, Mises, Hayek, dentre tantos outros aprenderá isso, inclusive verá a preocupação desses pensadores com os menos favorecidos de nossa sociedade.

Um exemplo clássico disso é o programa Bolsa Família. As bolsas – inciadas nesse país por um governo social-democrata e depois unificadas na gestão petista – é um acerto sim. Há problemas em suas aplicações, mas derivam de uma ideia de alguém que defendia o liberalismo econômico: Milton Friedman.

Quem tiver dúvidas encontrará ele falando sobre o assunto na obra Livre Para Escolher. Friedman chama de vouchers. A ideia é simples: criar uma assistência necessária para igualar oportunidades e impulsionar a produtividade econômica dando mais liberdade a quem é ajudado ao mesmo tempo em que se reduz a máquina estatal.

Se antes era necessário um órgão estatal para distribuir alimentos dentro de uma burocracia infernal, agora se entrega o dinheiro diretamente nas mãos de quem necessita de forma mais simples, garantindo algumas contrapartidas e preservando as liberdades individuais. Friedman só lembrava que o sucesso desses programas está ligado ao fato de sua redução com o tempo, já que – com a inserção econômica – menos pessoas iam precisando deles. Se eles passam a crescer é porque tem algo errado no meio do caminho.

Agora, falando em Brasil, seria importante, para compreender como as ideologias seculares e ideias revolucionárias tomaram conta do território nacional, a leitura de João Camilo de Oliveira Torres. Em diversos volumes, ele trata da História das Ideias Políticas no Brasil. Da década de 1960 em diante, fomos tomados pelo pensamento marxista seja clássico ou gramsciano, chegando ao ápice de – em passado recente – sequer existir partido realmente de direita no Brasil. No máximo, chegava-se a uma centro-esquerda com o PSDB. Fora disso, alguns fisiológicos que não tinham interesse algum no debate político, mas apenas interesses próprios na política. As exceções são raríssimas.

Chegamos ao ponto de termos o escritor Nelson Rodrigues escrevendo um texto chamado “o ex-covarde” para dizer que resolveu – por meio de seus artigos – confrontar as ideias de esquerda, tornando-se assim pária nas redações de jornal. E olhe que Rodrigues, graças as suas obras literárias, foi uma inteligência que sobreviveu criticando a teologia da libertação, o esquerdismo cultural etc. Outros, com obras vitais ao debate político, naufragaram e desapareceram das prateleiras de livrarias.

Cito alguns que sequer são lembrados em faculdades: Meira Penna, Gustavo Corção, Plínio Correia, Roberto Campos, Carlos Lacerda, Antonio Paim, Mário Ferreira dos Santos, dentre outros. Esses pensadores só começaram a ser resgatados verdadeiramente no início dos anos 2000, assim como clássicos que andavam desaparecidos do mercado editorial brasileiro e que romperam o silêncio das grandes editoras por meio de pequenos empreendimentos como a Editora Armada, a Danúbio ou os de médio porte como É Realizações e Vide Editorial.

O debate político no Brasil tem amadurecido um pouco agora e em função do contexto econômico, que é resultado de um estatismo que resultou na ampliação dos gastos públicos, no estamento burocrático, numa carga de impostos altíssimas para manter um poder centralizado, dentre outros fatores. Isso fez o brasileiro acordar para discutir alternativas, daí outras ideias entrarem em cena.

Se os ricões de plantão são realmente esses direitistas todo, como explicar então que não exista no Brasil um mísero grande veículo de comunicação que seja abertamente liberal (em sentido clássico) ou conservador? Os meios culturais são dominados por pensadores que estão em apenas um espectro da discussão. São raras as exceções. Aqui mesmo, no CadaMinuto, eu sou o único que diz abertamente ter divergências com a esquerda tupiniquim.

Acreditar que a direita está igualmente representada (comparando com as esquerdas) nos espaços de poder e de decisão é de uma ingenuidade monstruosa. Acreditar que a direita está igualmente representada (comparando com as esquerdas) em conselhos estaduais e municipais é pior ainda. Acreditar que a direita está igualmente representada nos meios culturais, bem… aí nem se fala! A direita nesse país ainda é tão mal formada que se dá por instinto, pois muitos da própria direita sequer conhecem os pensadores dessa corrente, aderindo muitas vezes aos espantalhos que fazem da própria direita.

Dito isso, finalizo com o seguinte:

Eu defendo – e meus textos sempre apontaram isso aqui – que a democracia é feita de lados, sendo garantida a liberdade para a expressão das ideias. Logo, não advogo hegemonia de qualquer que seja a visão política. Que existam as ideias de esquerda, as ideias liberais e as ideias conservadoras. O problema se dá quando apenas um campo se faz presente no debate público; quando se demoniza toda e qualquer divergência, que são características reforçadas pelo politicamente correto.

O político com quem conversei tem um grande mérito: abre espaço para quem pensa diferente, trava o diálogo e é capaz de ouvir. Então, mesmo sendo alguém – em muitos momentos – do campo oposto, merece tal reconhecimento. Só não cito o nome da pessoa porque foi uma conversa corriqueira, não era entrevista, nem matéria, nem reportagem. Todavia, um diálogo que me impressiona pela ingenuidade de visão que acredita que a esquerda é a fiel defensora dos pobres, havendo ali – portanto – um monopólio das virtudes. Nada mais falso.