Leio no blog da jornalista Vanessa Alencar – aqui no CadaMinuto – que o deputado estadual Inácio Loiola (PDT) classificou a aprovação da emenda do orçamento impositivo como uma “carta de alforria”. Ainda que se refira somente a esse ponto, a declaração de Loiola – querendo ou não – traduz um pouco do sentimento político da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas em relação ao atual Executivo do governador Renan Filho (MDB).

Apesar de ter uma bancada expressiva, Renan Filho não tem mais com o parlamento estadual a mesma relação que antes. É assim desde que não conseguiu construir a candidatura do tio – o deputado estadual Olavo Calheiros (MDB) - a presidente da Casa de Tavares Bastos. O chefe do Executivo articulou e exonerou, mas acabou cedendo (não teve alternativa) e os deputados estaduais elegeram Marcelo Victor (Solidariedade), que tinha em sua plataforma buscar uma maior independência.

Agora, o orçamento impositivo permite que os deputados estaduais aloquem recursos do governo estadual – 1% da receita corrente líquida – para suas emendas destinadas a redutos eleitorais. O governador Renan Filho será obrigado a pagar. Para quem já está na cadeira de parlamentar isso pode ser traduzido em voto. É da política, não sejamos hipócritas. No entanto, o cenário não muda apenas para esse governo de plantão, mas para o futuro.

Qualquer governador eleito – a partir de agora – terá mais dificuldades já que – no passado – as emendas serviam também para negociações em votações, semelhante ao que se dá no Congresso Nacional. É claro que os cargos comissionados ainda continuam sendo moeda de troca para as composições políticas.

Porém, não é apenas o orçamento impositivo que garante o que Loiola chamou de “alforria”. O Legislativo aprovou ainda uma emenda constitucional de autoria do deputado estadual Bruno Toledo (PROS) que amplia os poderes da Casa. Os deputados agora podem legislar sobre matéria tributária. No futuro, Jó Pereira (MDB) pode ainda aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que fixa o orçamento destinado à criança e ao adolescente. É mais dificuldade para o Executivo.

Quanto a legislar sobre matéria tributária, não é algo nem bom nem ruim em si mesmo. Depende de como os parlamentares usaram essa prerrogativa no futuro, pois abre espaço para afrontar o Executivo que trabalha em cima da arrecadação. É válido lembrar uma frase do filme do Homem Aranha: “com grandes poderes, grandes responsabilidades”. Em outro texto – aqui nesse blog – expliquei as consequências desse ato.

Então, as aprovações destas propostas – como bem colocou a jornalista Vanessa Alencar – é sim um marco para o Legislativo.

Falemos, então, da declaração de Loiola que classificou o momento como uma “Carta de Alforria”. Há luz a ser jogada nessa declaração. O que antes prendia os deputados estaduais, indago ao pedetista? A correlação de forças entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário é – e sempre foi – de independência, sendo os pesos e contrapesos da democracia.

Se antes dessas emendas, o Legislativo se sentia preso ou fraco é por culpa dos próprios deputados estaduais que não entendiam o seu papel, negociando barato o seu apoio ao Executivo não por projetos e ideias, mas simplesmente por cargos e composições políticas que lhes permitissem forças em períodos eleitorais. Queriam tanto o bônus de ser governo que não ligavam para o ônus. Precisaram então de emendas constitucionais que lhes dessem mais garantias para então terem um papel mais livre. Porém, livres do que? A relação entre o Legislativo e o Executivo não pode ser baseada em emendas. Essa não é a principal função do parlamento estadual.

O papel de um parlamentar – independente de ser situação, oposição ou de marcar uma independência (como alguns gostam de frisar para não se comprometer e pagarem de ‘isentões’) - vai além disso. É prerrogativa a fiscalização e a apresentação de leis. A subserviência a um Executivo, para que esses se sentissem presos e precisando da própria versão da “Lei Áurea”, não é uma opção.

Ao contrário disso, foi concessão daqueles que adoram os afagos da máquina pública do Executivo para ampliarem os seus tentáculos, com indicação de cargos e ocupação de pastas.

A Assembleia Legislativa não precisa aprovar PECs para ter alforria. Basta que deputados sejam deputados estaduais guiados por suas consciências e convicções. Se não é assim, temos escancarado o que sempre se soube: o fisiologismo que conduz decisões conforme o momento político e a correlação de forças existente. A declaração de Inácio Loiola é – portanto – uma bobagem. É culpar os outros pela posição histórica que o parlamento tomou e só agora reage a isso.

Nunca houve essa “escravidão” no parlamento, pois os deputados sempre tiveram os recursos necessários para estruturem seus gabinetes e salários que os permitiam salvaguardar as suas consciências. As emendas – que são importantes, pois resultam em melhorias para as comunidades – são um bônus que, talvez, infelizmente, entrassem em um jogo fisiológico, assim como os acordos políticos de ocupação de espaços.

Não sou contra o orçamento impositivo. Creio que ele melhora a relação uma vez que afasta a possibilidade de certas negociações e negociatas. Porém, nunca foi desculpa para deputados se sentirem presos ao Executivo. Isso é uma escolha pessoal de cada parlamentar. Tanto é assim que – ainda que de forma reduzida – sempre houve oposição. A prova disso é Jó Pereira que, mesmo tendo seu grupo no governo, se tornou incomoda (não sei até quando!) ao Executivo por travar pautas que são do seu interesse, mas não necessariamente do interesse do governador.

Inácio Loiola exagera com a retórica que lhe é peculiar, mas não deixa de demonstrar o sentimento que está presente na composição da atual legislatura alagoana. É mais dificuldades para o governador Renan Filho? Sim. Mas também não podemos perder de vista que, na política, há quem venda dificuldades para comprar facilidades. Então, no final das contas tudo pode mudar, assim como tudo pode mudar para permanecer exatamente a mesma coisa. O futuro é que dirá.

“Carta de Alforria” é algo que a Assembleia Legislativa mostrará que tem quando realmente for uma caixa de ressonância da sociedade, quando não tivermos deputados estaduais apresentando todo tipo de legislação para ampliar os poderes coercitivos do Estado, quando de fato forem fiscalizadores mais atentos e quando o parlamento for mais plural por conta das ideias e não em função dos interesses de momento… Mas, aí entra a culpa de quem vota também.

Convenhamos, no histórico da Casa de Tavares Bastos existem fatos de sobra para que Tavares Bastos – um solitário com independência e defensor de fato da liberdade – sinta-se envergonhado da homenagem que recebeu!