No debate político brasileiro, há momentos em que – com perdão da expressão - “o saco fica cheio”. Tudo é um festival de certezas sem que nem se tente, ao menos, conhecer com maior profundidade as fontes primárias, as nuanças da informação e tudo aquilo que conduz o debate.

Há pouco tempo, por exemplo, a “direita” era demonizada e até concepções liberais clássicas eram associadas ao fascismo, quando, na definição mais básica de fascismo, temos claramente expresso que se trata da concepção política de que tudo, absolutamente tudo, tem que ser pelo Estado, para o Estado e com o Estado. O pensamento liberal é justamente o contrário, defendendo a redução do poder coercitivo estatal, tanto na visão mais clássica como no libertarianismo.

No caso do conservadorismo, por exemplo, sequer é uma atuação puramente no campo político, como muito bem coloca o pensador conservador Michael Oakeshott. Esse filósofo ao pontuar a preocupação com a fé política – de que tudo se resolve sobre a engenharia-social, legislações e por meio de ideias iluminadas que prometem o mundo melhor – e chama atenção para o ceticismo, que é a necessidade da desconfiança.

O conservadorismo enxerga uma ligação entre gerações, observando a História como professora, pensando nas gerações passadas, na presente e na vindoura. Buscando a verdade acima de qualquer coisa e – dentro disso – a importância dos valores que sustentam o nosso progresso, uma moralidade objetiva que, inclusive, é a inspiração das leis, para que não se perca o que de fato é Justiça, liberdade, não tornando essas palavras vazias em discursos ideológicos e/ou políticos.

Resumir o conservadorismo a uma ideologia é – a meu ver – um erro. O conservador é, antes de tudo, um cético em relação às promessas de “paraíso na terra”, daí compreender – como diria Thomas Sowell – que possui uma visão restrita e não irrestrita. Para Sowell, a visão irrestrita, que toma conta de muitos intelectuais, é a sensação de que se pode planejar o mundo em uma prancheta, abarcando toda a complexidade humana em uma visão ideológica, como se viu nas ideias que motivaram revoluções pelo mundo, em especial as do século XX com suas tragédias, como mostra muito bem Alain Besançon em A Infelicidade do Século.

Ao contrário disso, na visão restrita se assume a complexidade humana e a dificuldade de colocar pessoas dentro de “caixinhas definidoras”. Sowell mostra isso em Conflito de Visões. O teórico liberal Mises também toca em pontos semelhantes sem seu Teoria e História. Recordo o conceito de “ordem espontânea” exposto por Hayek que mostra como a História evolui e as gerações aprendem com seus erros e conquistas. A experiência passa a ser professora.

Então, nada mais natural que um conservador confessar dúvidas e mergulhar nos estudos em busca de entender alguns processos. Isso tem ocorrido agora em dois momentos: 1) a chamada Comissão Parlamentar de Inquérito da Lava Toga, que visa investigar ações da magistratura e 2) a organização de uma militância em torno do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Começo pelo segundo ponto:

Não há política sem militância. Isso é um dado histórico. Todos os partidos buscam construir a sua e as revoluções também construíram seus corpos militantes. Por vezes, isso surge até de forma orgânica, sem a organização – evidentemente – proposta. A questão é: quais ideias motivam ou movem essa militância…

Particularmente, eu não tenho interesse algum por estar em militâncias. Gosto de ter uma independência absoluta que me permita, por mim mesmo e com base no que estudo e pesquiso, decidir o que devo falar, qual tema abordar, o que acredito ser o certo ou errado. Então, que ninguém conte comigo para ser militante, mas apoiarei ou criticarei o que ache que mereça ser criticado ou apoiado.

No atual governo do presidente Jair Bolsonaro vejo coisas boas como a linha de defesa de maior liberdade econômica, a busca pela desburocratização do setor produtivo, o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo ministro Tarcísio Gomes, o despertar para uma discussão de valores, o abrir espaço para a quebra de uma hegemonia esquerdista que tomava conta do debate público, a melhoria nos indicadores macroeconômicos (que espero que reflitam o quanto antes no micro), a discussão sobre o estamento burocrático que agora está exposto, dentre outros fatores.

Reconheço, entretanto, que há erros. O presidente, a meu ver, muitas vezes planta suas próprias crises com declarações desnecessárias, polêmicas vazias que acabam sendo superdimensionadas diante de um ranço que existe previamente nas mídias contra ele, e alguns que, diante desse clima, demonizam qualquer crítica.

Em minhas colunas, aqui ou no Jornal das Alagoas, também já fiz outras críticas a algumas pessoas do atual governo, como quando se debateu a possibilidade de retorno da CPMF e a bomba acabou caindo no colo do Marcos Cintra. Achei injusto, pois até o ministro Paulo Guedes já tinha dado declarações sobre. É só recuperar o histórico. O governo parece ter escolhido alguém para “queimar” diante da pressão sofrida. Outro ponto é o caso envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL). Que ele seja investigado e pague caso tenha cometido crimes. É isso para qualquer um, independente de lado.

A questão é que governos erram e acertam. Agora, isso é diferente do que vivemos no passado. Pois, até os governos petistas possuem acertos, como a manutenção da matriz econômica nos primeiros anos de Lula, levar adiante a ideia de unificar os programas sociais, enfim. Porém, até esses acertos estavam englobados em um imenso projeto que tinha a corrupção material e moral por base, como instrumento de manutenção de poder. Foram os governos mais corruptos da história desse país, comprando parlamentares, fraudando a democracia, e tudo aquilo que revelou a Lava Jato e outras investigações, como o mensalão.

Isso sem contar com a aproximação ideológica de republiquetas ditatoriais, como Venezuela e Cuba. Escorreu muito dinheiro público do brasileiro nessas negociatas abençoadas pelo Foro de São Paulo, por mais que ainda exista quem ridicularize o Foro de São Paulo hoje em dia. Começamos a quebrar esse ciclo e isso é algo bom. Por não ter bola de cristal, mantenho o ceticismo em relação ao futuro e digo – como já disse em outros textos – da importância do brasileiro se educar politicamente para estar sempre vigilante seja qual for o governo.

Quanto à CPI da Lava Toga, confesso: no mérito, sou favorável a ela. De fato, há um ativismo judicial que precisa ser questionado. É importante saber quais suas raízes e quais seus interesses. Além disso, nenhum poder pode estar livre de ser fiscalizado. O Supremo Tribunal Federal (STF), que deveria ser o guardião da Constituição, tem – em muitos momentos – usurpado funções e se tornado legislador, independente de qual seja a questão. Quando não, já criou jurisprudências casuísticas e direcionadas. Um caso emblemático foi rasgar a Constituição para manter os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), no processo de impeachment.

Agora, confesso também dúvidas em relação a esse instrumento quanto sua eficiência. Teria a CPI os poderes de levar adiante essas investigações cumprindo aquilo que é o seu objetivo? Qual o impacto disso na governabilidade do país? Falo ainda das dúvidas jurídicas em relação a sua existência. Questionar virou um pecado nesse país diante tanta gente com tantas certezas. A CPI traz um impacto.

Em um mundo perfeito, isso não deveria alterar o cronograma do Congresso Nacional, que tem pela frente a votação de reformas importantes, como concluir a previdenciária e mergulhar nas discussões da tributária. Todavia, o mundo não é perfeito e pode haver sim uma trava no Congresso a partir do embate proposto pela CPI.

Então, mesmo sendo favorável à CPI, eu questiono e busco saber mais sobre esses pontos para conseguir ter uma visão mais clara. O Brasil não é mesmo um país para iniciantes e o que mais temos visto por aí são debatedores que elegem uma premissa e buscam justificá-la por meio de viés de confirmação. Em determinados setores da imprensa, infelizmente, vemos isso confundir mais do que esclarecer… e sempre há os que estão prontos para julgar e encaixar todo mundo em um rótulo por conta de uma mera opinião na busca por compreender os fatos.