Notícias mentirosas é algo que sempre deve ser combatido para que a verdade prevaleça. A verdade não é de esquerda, nem é de direita. A verdade é verdade por si só. Os fatos são fatos. Lembro de um aforisma que diz que todo mundo tem direito às suas opiniões, mas ninguém tem direito aos seus fatos.

Por conta disso, há uma legislação – dentro da concepção de Estado Democrático de Direito – que busca combater injúrias, calúnias e difamações, dentre outros instrumentos. Assim como, no Código Eleitoral, há a busca por punir certas condutas dentro de uma proporcionalidade. Estão corretos os códigos.

Agora, infelizmente, o mal existe. E esse adora se fazer presente nos jogos de poder. Uma das formas desse mal é propagar a mentira de forma a beneficiar determinados grupos. Numa eleição, as portas do inferno se abrem. Isso não é ideológico, mas da natureza humana e suas fraquezas. O poder corrompe. A ideologia apenas potencializa.

O primeiro perigo – portanto – da chamada lei das “fake news” que, em tese, visa combater essas mentiras, é dar mais um instrumento de poder nas mãos do estado para que esse julgue o que é ou não verdade, criando um cenário onde se torna nebulosa a diferença entre situações distintas: uma coisa é o sujeito que cria a fake news e busca propagá-la, a outra é quem, muitas vezes até inocentemente e crendo naquilo, a compartilha.

Aí, entra uma preocupação: quem vigia os vigilantes? Esse instrumento pode ser usado para perseguição e não para combater a mentira. Mas sim para emparedar adversários que passem a incomodar demais ao divulgar o que não deveria ser divulgado. Como sempre, temos a indagação sobre quem vai interpretar a lei em alguns casos.

A nova legislação parte para cima das duas situações descritas acima. Tanto é assim que o deputado federal Kim Kataguiri (Democratas) já foi indagado sobre o assunto. Ele responde: “Se o pessoal compartilha de boa-fé, se a pessoa não sabia, quem precisa provar que ela sabia? O Ministério Público, interceptando telefone, pegando e-mail, pegando transferência bancária, aí sim o cara pode ser punido por isso”.

Ou seja: uma vez denunciado, a lei pode dar o direito de um órgão investigador ter acesso a uma série de dados seus para “provar” a presunção de inocência. Mandaram às favas a privacidade e já conseguiram acesso a dados que quem garante não terão outra finalidade lá na frente? Você confia tanto no Estado assim, ainda mais em governos de plantão que resolvam investigar alguns de seus tidos inimigos?

É verdade que quem acusa tem o ônus da prova. Porém, não é disso que se trata, diante da margem que se abre. A “fake news” pode servir de desculpa para acesso a dados. Sem contar que, ao final do processo, o estrago para cima daquela pessoa já está feito, isso a depender da estratégia de narrativa que se adote.

Não é dessa forma que se deve combater o problema. Defendo a liberdade de forma tão ampla, que creio que toda a publicação não pode sofrer censura prévia (sei que isso não é o tema, mas é sempre bom lembrar!). E aí, que quem mentir pague, dentro da legislação vigente, pelo que fez. Há mecanismos para isso, e a vítima da mentira pode acioná-los. A Justiça precisa ser mais célere para julgar. Em caso de punição, executá-la.

Todavia, criar um monstro estatal que amplie seus tentáculos de tal forma, com punições desproporcionais, com pena de reclusão que pode chegar a oito anos e abrindo portas para invadir privacidade de pessoas que, muitas vezes, compartilham o conteúdo sem a maldade, é algo muito perigoso. O veto presidencial era correto ao avaliar a proporcionalidade da coisa.

Na Câmara dos Deputados, Daniel Coelho (Cidadania/Pernambuco) chegou a alertar para isso: “O problema é o seguinte, da maneira como está o texto, nós estamos punindo da mesma forma quem cria a fake news e quem simplesmente propaga. Nós deveríamos construir um texto punindo partidos e políticos, não o cidadão”. Agora, monstro foi criado.