Todo projeto de lei polêmico divide opiniões e isso é natural da democracia. Assim é com o projeto de Lei de Abuso de Autoridade que pode ser vetado, vetado em partes ou não sofrer qualquer veto pelo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PSL).

O fato é que há sim autoridades que cometam abuso e – diante desse ângulo – é possível defender de, forma honesta, que se tenham elementos melhores paga vigiar os vigilantes.

Todavia, por outro lado, há que se reconhecer que o contexto em que esse projeto surgiu – lá em 2017 – era o de buscar uma resposta para (como posto em algumas ligações telefônicas) “estancar a sangria” da Operação Lava Jato.

Em outras palavras: nascia do medo de algumas autoridades do Congresso Nacional, que temiam ser punidos pelos abusos que cometeram nos mensalões, petrolões e outros esquemas inconfessáveis.

O assunto encontrou uma brecha agora em função de um novo contexto: a tentativa de se fragilizar a Operação Lava Jato por meio da divulgação de supostos diálogos envolvendo o ex-juiz e atual ministro Sergio Moro.

Um conteúdo que é fruto de vazamento criminoso, mas que – por mais que traga questionamentos em relação à paridade das partes em um processo legal – em nada desconfigura o trabalho da Lava Jato. Não há elementos ali que indiquem que foram forjadas provas, por exemplo.

Mas, nossa classe política – ciente do que seus membros fizeram “no verão passado” - usa da matéria para voltar ao ataque. Sendo assim, há de se reconhecer que muitos brasileiros cansados desse abuso se posicionam contra a lei. É legítimo.

O governador Renan Filho (MDB) – ao usar da retórica mais simplória, em uma coletiva de imprensa - parece não reconhecer isso. Ele se posiciona da seguinte maneira: “Acho muito importante a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, tem gente que é contra porque provavelmente tem medo de abusar da autoridade, mas quem não tem medo de abusar da autoridade não está preocupado com isso”.

Caro leitor (a), o governador de Alagoas tem todo direito de ter um juízo de valor sobre o projeto. Porém, é inútil afirmar que do lado oposto de suas crenças (e ele tenta insinuar isso) estejam aqueles que querem abusar da autoridade. É uma falácia. É querer criar o espantalho.

Cito aqui um exemplo: o procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça – que é alguém que conta com o respeito do chefe do Executivo estadual, pois até já integrou o secretariado do seu primeiro governo – é um crítico do projeto de Lei de Abuso de Autoridade.

Vejam o que diz Mendonça: “na contramão das cobranças da população brasileira, o projeto inibe o trabalho de combate à corrupção e às organizações criminosas no país e tem como alvo direto integrantes do Ministério Público, juízes e agentes policiais incumbidos deste complexo ofício". É o trecho de uma nota que ele assina.

Há mais. De acordo com o MPE/ AL, o Projeto de Lei traz “definições vagas e subjetivas sobre o abuso de autoridade”, ocasionando assim uma insegurança jurídica aos investigadores. Ainda segundo o órgão, o projeto “levará ao enfraquecimento das autoridades dedicadas à fiscalização, à investigação e à persecução de atos ilícitos e na defesa dos direitos fundamentais”. Ou seja: a discussão que o governador Renan Filho tenta desqualificar é algo real e existe.

Duvido que o governador venha a dizer que Alfredo Gaspar de Mendonça seja alguém que “teme abusar da autoridade”. Repito: duvido. Falar de forma genérica é muito fácil e cabe na retórica para tentar desqualificar o outro lado da discussão.

Agora, Renan Filho está correto quando diz que “ninguém pode abusar, porque abusar da autoridade é abusar do poder, normalmente sob aquele que não possui força”.

Se indagarem a Gaspar de Mendonça sobre o conteúdo dessa frase do governador, creio que o procurador-geral vai concordar com ela.

Afinal, ser contra o abuso de autoridade é um ponto de consenso entre os que defendem o Estado Democrático de Direito nos discursos e nas discussões públicas.

Renan Filho tenta criar uma falsa dicotomia.

A questão central dessa discussão é a seguinte: a Lei de Abuso de Autoridade de fato combate esse abuso ou atende – em função das circunstâncias e contextos – a interesses políticos circunstanciais? A discussão é essa. E confesso: já ouvi boas opiniões dos dois lados.