Na História da Guerra do Peloponeso, o autor Tucídides destaca uma lição para o mundo. Estamos aqui falando de um confronto iniciado em 431 a.C. Todavia, a essência do homem guarda algo que pode ser definido pelas palavras do filósofo Ortega y Gasset: o que não se banha no rio do tempo. Ou, utilizando do universo pop, como diria o compositor gaúcho Humberto Gessinger (no álbum Minuano): “os temos são outros, os erros os mesmos”.

Eis o que coloca Tucídides quando observa a chegada da revolução:

“A causa de todos esses males era a chegada ao poder por cupidez e ambição, pois dessa nasce o radicalismo dos que se entregam ao faccionismo partidário. Com efeito, os líderes partidários emergentes nas várias cidades, usando em ambas facções especiosas (uns falam em igualdade política para as massas; outros em aristocracia moderada), procuravam dar a impressão de servir aos interesses da cidade, mas na realidade serviam-se dela; valendo-se de todos os meios para impor-se uns aos outros”.

Tucídides ainda fala dos sentimentos mais mesquinhos que conduzem o espírito revolucionário, quando diz que “homens, desejosos de livrar-se de sua pobreza inveterada, são impelidos por seus sofrimentos a se apossarem dos bens dos próximos”. Assim, se subverte todos os valores e a consciência individual desaparece em nome de uma causa que autoriza os mais brutais atos de violência.

A causa justifica tais atos com a promessa de um futuro utópico. Os violentos se sentem motores da História, pois agem em nome de um suposto bem maior. É assim que as ideologias – que utilizam uma pseudo-ciência em seus discursos aparentemente lógico – constrói uma visão irrestrita (conceito de Thomas Sowell) que se vê coerente do início ao fim, e cada ato nela e por ela é para implantar uma engenharia-social.

Os que discordam dessa fé política extremada que toma conta do espírito revolucionário são vistos como inimigos do futuro. Logo, precisam ser eliminados, seja pelo assassinato das reputações, seja pelo desaparecimento físico com os assassinatos. Razão pela qual Stalin muito bem pontuava: a morte de um homem é uma tragédia, mas a de milhares não. Vira estatística. É justificável.

O mesmo raciocínio de Hitler ao eliminar judeus. A diferença vai estar na justificativa.

As campanhas de difamação contra os discordantes também seguem o mesmo ritmo. O espírito por trás da coisa é o mesmo. Em pouco tempo, as palavras são esvaziadas de sentido e ressignificadas para serem aplicadas aos adversários da revolução. Stalin fez isso com Trotsky. E assim, o comunismo gerou seus milhões de mortos.

Claro que há diferença entre a Guerra do Peloponeso e os regimes frutos das ideologias seculares. Não estou aqui querendo compará-los. Quem estudar História haverá de perceber essas diferenças. O que estou pontuando aqui é o espírito das revoluções e o quanto isso é mais velho do que se imagina, apesar do iluminismo radical – em especial com a Revolução Francesa – ter sistematizado isso.

Essa violência já se fazia presente, por exemplo, no pensamento de Thomas Paine, ainda que este não fosse um violento e tivesse em seu pensamento algo de honestidade intelectual para com sua leitura errada de mundo. Leitura esta bastante criticada pelo pensador Edmund Burke, que ressaltou a beleza das virtudes por si e despreendidas de visões ideologizantes.

Por sinal, o debate entre Paine e Burke – analisado de forma magistral por Yuval Levin, em seu livro O Grande Debate – é uma lição ao nosso tempo. Deveria ser lido por todos aqueles que adoram estudar filosofia política e/ou ciência política. Há muito ali daquilo que Eric Voegelin – um dos maiores pensadores do século XX – colocava em A História das Ideias Políticas. Claro, Voegelin de forma muita mais densa e superior pela extensão de seu objeto de estudo.

Tucídides nos leva a compreender os males do racionalismo denunciado pelo conservador Michael Oakeshott muito antes de Oakeshott existir.

Deparei-me com a visão de Tucídides novamente em um livro que tem me surpreendido: A República e As Fontes Clássicas de Mateus José de Lima Wesp. A obra foi lançada recentemente pela Editora Armada. Tenho lido com calma, buscando consultar as fontes citadas. Reler o trecho de Tucídides, por exemplo, me fez buscar a obra deste autor novamente.

Wesp consegue estabelecer um diálogo entre pensadores, historiadores e até mesmo poetas gregos – como Homero – para refletir não apenas sobre os sistemas de governos, mas como a forma como estes se definem por meio de linguagens que foram esvaziadas ou ressignificadas com o tempo. Desta forma, o que hoje chamamos de República quase nada mais tem a ver com o que verdadeiramente seria República

Assim, até mesmo as tiranias podem se utilizar de uma nova linguagem – como já mostrava George Orwell em 1984 – para engabelar os incautos. Temos hoje um Leviatã que tenta moldar comportamentos, moralidade e atuar com seus tentáculos em todas as esferas da vida privada, atacando as religiões, tradições e a alta cultura. Estratégia esta muitas vezes presente no pensamento do marxista Antonio Gramsci.

Até mesmo a compreensão do que vem a ser ideologia foi mudada com o tempo e Wesp mostra isso muito bem. O autor – que com A República e Suas Fontes Clássicas – abre uma trilogia que vai culminar no contexto brasileiro, apesar de jovem já se consagra. Não é uma promessa de uma das mais importantes obras da filosofia política no país. É uma realidade.

Wesp entra em uma galeria onde estão Antonio Paim, Meira Penna e outros já tão esquecidos…

Há muito que o Brasil precisava de um livro assim. Acerta Wesp, acerta a Armada e acerta toda a equipe que faz parte da editora. O livro tem uma preocupação extremada com fontes primárias, mas não cai no academicismo bocó e pode incomodar os mais bobocas que apenas enxergam a história pelo viéis marxista, que – como mostra Richard Evans na sua trilogia Terceiro Reich – deturpa tudo para caber em sua visão ideologizante.

Por sinal, Karl Marx quando definia – dentro do que era seu materialismo histórico dialético – uma ideologia não conseguia compreender que sua própria visão era esta ideologia.

Wesp prova isso.

O livro nos dá como alerta – ainda que não seja sua essência principal – uma máxima de Santo Tomás de Aquino quando, em seus opúsculos, explicava que derrubar uma tirania com outra tirania é trazer um governo bem pior que os males que se combate, uma vez que o novo tirano chega ao poder sabendo exatamente como o outro caiu.

Em Do Czarismo ao Comunismo, o autor Marcel Novaes mostra bem isso na Revolução Russa, por exemplo. Edmund Burke também reflete isso em As Reflexões Sobre A Revolução na França e por aí vai…

Ousaria citar Eclesiastes, de modo que nada há de novo debaixo do sol.

Que A República e as Fontes Clássicas possa ocupar lugar de destaque em sua estante. Afinal, a verdade vos libertará… Aqui temos um autor que trabalha com a verdade e me sinto obrigado a render homenagens a Mateus José de Lima Wesp por este singular trabalho que tem uma importância indescritível para os dias atuais.