São lamentáveis os vazamentos das conversas entre o então juiz (e hoje ministro) Sérgio Moro e o procurador Deltan Dalagnol que envolvem as ações da Operação Lava Jato. São lamentáveis pelos diversos desdobramentos que podem ter, sobretudo no campo político diante do momento em que o país vive, onde há pessoas mais preocupadas com suas narrativas e cores ideológicas que necessariamente com o Brasil. O texto que se seguirá é um pouco longo, mas uma tentativa de uma reflexão – com base nos fatos – que acredito que precisa ser feita.
Em primeiro lugar, defendo (como sempre o fiz nesse blog) o Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, o pior dos bandidos, possui o direito constitucional a um processo que o julgue mantendo a paridade das armas entre defesa, acusação e juízo. Assim, se tem o julgamento justo seja para condenar ou absolver, pois toda condenação também envolve dosimetria de pena e outras questões da sentença. As conversas entre Dalagnol e Moro produzem sim questionamentos quanto a isso. Não pode haver julgamento imparcial contra ninguém na Justiça.
Todavia, entra em cena um crime que foi cometido para se conseguir essas conversas: a invasão dos celulares de autoridades. Logo, tudo conseguido de maneira ilícita. E isso também importa.
O triste para o país é que essa discussão surge em um momento no qual há importantes projetos para serem apreciados no Congresso Nacional e Moro é uma personagem central do atual governo federal. Dentre os projetos, a Reforma da Previdência (necessária por uma questão matemática e não ideológica) e o pacote anticrime. Como nesse país, tudo se mistura, temo pelo que pode acontecer. E aí, os danos podem ser sofridos por todos.
Espero que tenhamos a maturidade de separar cada coisa para que não se prejudique ainda mais o país. E aqui não se trata de governo A ou B, mas sim da nação.
Agora, independente dos danos que se tenha por conta dos vazamentos, é inegável o importante papel que a Operação Lava Jato teve no país. Há erros? Sim. No passado, até comentei sobre alguns exageros seja aqui ou nas redes sociais. Porém, foi a Lava Jato que desbaratou uma verdadeira quadrilha que se apoderou do poder. Os quadrilheiros estavam presentes em diversos partidos, incluindo figuras do PSDB, mas também do PP, do MDB e do Partido dos Trabalhadores, que ficou no comando da nação por quatro mandatos, sendo o último encerrado antecipadamente no impeachment de Dilma Rousseff (PT). Nada disso foi um “golpe” como alardeiam os defensores do petismo.
Os fatos saltam diante de quem quiser ver. Muitas delações trouxeram elementos comprobatórios de um esquema que tem sua raiz no antigo mensalão, antes mesmo de haver Lava Jato. Aliás, nem a própria Lava Jato – em seu início – tinha real dimensão da profundidade do que apurava e ainda há muito o que desvendar.
No contexto, temos ainda o Foro de São Paulo que colocou o Brasil – em função de suas alianças políticas e dos agentes participantes (partidos de esquerda da América Latina e organizações criminosas como as Farcs) – em plena sintonia com republiquetas autoritárias como a Venezuela e com um projeto de poder que envolvia o continente. Daí, o BNDES, por exemplo, ter começado a facilitar empréstimos (fachadas para o roubo de dinheiro público) para parceiros ideológicos. O Brasil se tornou o cofre da turma em função de ser uma das economias mais sólidas.
Não há inocência nos “players” desse jogo de poder.
Tudo isso – nos últimos anos – trouxe consequências nefastas para o país, pois além da corrupção como método de manutenção no poder, tivemos a crise na qual fomos enfiados, com dois anos consecutivos de queda de PIB – 2015 e 2016 – depois do governo federal petista adotar a sua contabilidade criativa e praticar um verdadeiro estelionato eleitoral na campanha de reeleição de Dilma Rousseff, vendendo uma realidade que não existia.
Nessa turma, está o ex-guerrilheiro Zé Dirceu – um “cérebro-chave” no processo – que foi condenado no mensalão e no petrolão pelo seu envolvimento nos esquemas criminosos. Outras tantas condenações foram tão sólidas que resultaram em gente devolvendo dinheiro roubado para o erário, o que fez com que a Lava Jato recuperasse bilhões. Isso são fatos.
Não foram só petistas condenados. Vale lembrar a figura de Eduardo Cunha (MDB), que na época era presidente da Câmara de Deputados e, nessa fase da política, opositor de Dilma Rousseff. A lista de políticos condenados é grande, bem como a de réus. Agora, é claro: todos eles possuem o direito de que a Justiça funcione como prevista pelo Estado Democrático de Direito, não importando o quanto criminosos sejam.
E é nesse ponto que reside a gravidade dos áudios. O pensamento revolucionário – como já ensinava Leon Trotsky em seus escritos – não possui uma moralidade objetiva, mas sim uma moral elástica, que age conforme as circunstâncias. Logo, sabedor de que os diálogos vazados causam um choque em quem possui essa moralidade objetiva, jogam isso contra o cidadão que é capaz de se revoltar com injustiças cometidas sejam elas contra quem for. Afinal, uma injustiça contra alguém que eu não gosto segue sendo uma injustiça.
Esta qualidade de tratar todos iguais perante as leis é um traço das democracias ocidentais, que enxergam o indivíduo pelo indivíduo e não pela classe na qual pertence. Nos países socialistas/comunistas – onde o pensamento revolucionário impera – as pessoas são julgadas conforme a classe em verdadeiros tribunais de exceção, tenham elas cometido crimes ou não, pois o critério passa a ser ideológico e político. O PT e seus satélites são forjados nessa mentalidade, então usaram as conversas não pensando no país, mas sim dentro do corpo doutrinário do pensamento ideológico: o culto ao líder (no caso Lula) e a luta de classes (no caso: o nós contra eles).
Portanto, é preciso ter cuidado com as narrativas para não perdermos a essência do próprio Estado Democrático de Direito nessa discussão.
Isso não significa dizer que Moro e Dalagnol não tenham o que explicar. Possuem sim! Não basta dizer que as conversas foram obtidas por meios ilegais. Por mais que isso seja relevante, eles são figuras que receberam apoio popular por suas ações visando o estamento burocrático que tomou conta da política. Mas, Dalagnol (como acusador do MPF) e Moro (como juiz) deveriam sim estar cada um no seu “quadrado”, tendo prudência para não romper a linha limite que seus papéis exigiam no processo. Se algo provado no sentido de extrapolar essa linha, há comprometimentos.
Ainda que de forma ilegal, os conteúdos existem e as conversas necessitam ser explicadas pelo que elas dizem: esmiuçar contextos uma vez que foram vazadas. Se disso render consequências jurídicas, paciência. Paga-se pelo erro. É péssimo para o país, é triste e lamentável. Se isso rende consequências políticas, a mesma coisa. Não me importa se quem erra está na “esquerda” ou na “direita”.
Todavia, essa discussão não inocenta criminosos, dentre eles o ex-presidente condenado Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula (PT). A narrativa de que não há provas contra Lula é uma bobagem. Condenado em três instâncias, são muitos os elementos comprobatórios que mostram o petista se beneficiando do esquema de corrupção sistemático que tomou conta da República. Além disso, ainda há os outros processos, um deles julgados pela primeira instância. Lula não é um preso político, mas um político preso, como também o é Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e outros.
As discussões açodadas não podem jogar o bebê fora com a água suja do banho. Agora, os danos políticos vai haver: a indicação futura de Moro ao Supremo Tribunal Federal (STF) se complica e a oposição deve fazer a festa, quem sabe pedir Comissão Parlamentar de Inquérito, convocação do ministro para esclarecimentos, dentre outros aspectos. Portanto, ambos – Moro e Dalagnol – podem ter sim um abalo em suas credibilidades e isso prejudicar a Lava Jato. É o papel da oposição nesse momento.
No campo jurídico, como não sou especialista, conversei com o advogado Alvaro Gradim. Indaguei a ele se havia base jurídica para o uso das conversas para tentar inocentar Lula. A resposta dele: “Nenhuma conversa revela qualquer coisa que o sujeito (jornalista) diz. É pura dissonância cognitiva. E mais, para mudar algo agora, seria necessária uma revisão criminal, onde a parte lesada precisa provar o prejuízo na defesa e associação na condenação. Um habeas corpus poderia soltá-lo (Lula), mas, não anularia a acusação”.
Gradim concorda comigo em relação às consequências políticas, mas afirma que dificilmente algo prospera no campo jurídico. “É absolutamente normal que duas pessoas que convivem diariamente convolarem amizade”. Questionei se o Moro não teria ultrapassado essa linha ao dar dicas no processo, Gradim analisa as conversas e diz que não são dicas em relação ao mérito do processo, mas na ordem do processo, o que pode ser visto como normal. Eu ainda conservo dúvidas quanto a isso e aguardo desdobramentos com melhores contextualizações das falas.
No mais, não se pode perder de vista que o jornal que revelou as ligações tem um viés ideológico de esquerda (o que não é crime, pois um jornalista ou veículo tem direito a sua posição, mas isso mostra a linha de raciocínio a ser adotada, ainda mais diante das ligações políticas que o jornalista possui). Não é, portanto, mera coincidência que aquele tenha sido o local escolhido pela “fonte”. Eis uma razão para se investigar a origem do vazamento. Afinal, é um crime e também é necessário saber o que está por trás, para se esclarecer se ação foi orquestrada ou não.
Há muito poderoso com interesse em tudo que ocorreu nas últimas horas.
Reitero: tudo nesse caso deve ser apurado. Desde a contextualização da conversa, a relação existente entre juiz e acusação e o que de fato a compromete ou não, mas também o vazamento por conta de seus interesses que dificilmente serão meramente jornalísticos. Diferente dos que formam opinião muito rápido, aguardarei um pouco mais para juízos mais aprofundados. Mostro para o leitor, entretanto, tudo o que está em jogo, o que também envolve larápios na busca por reverter a situação na qual se encontram.
Estou no twitter: @lulavilar