O ex-presidenciável e ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) tem todo o direito de discordar do governo do presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL) e se colocar no debate público com suas críticas, pois oposição – em uma democracia – deve existir sempre. Afinal, um governo que só encontra elogios é um perigo. Se há governo, temos que ser vigilantes, pois vale a máxima: o preço da liberdade é a eterna vigilância.

Nesse sentido, como já disse em outros textos: a democracia requer lados, em um espectro político que tenha – na disputa – todos os campos possíveis, indo da esquerda à direita, com visões progressistas, liberais, conservadoras etc. O resto é com o eleitor. Mas, no Brasil esse espectro foi dominado pela estratégia das tesouras, em uma polarização falsa entre PSDB e PT. Isso foi rompido. Isso incomoda Alckmin, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a velha ala do PSDB que ficou revoltadinha com o último encontro do partido.

É da política esse debate no campo das ideias, os discursos, as narrativas e tudo mais que entra no jogo. Alckmin – assim como caciques do PSDB – defendem uma social-democracia, que é uma vertente da esquerda que tem seus embates com a ala mais radical.

Razão pela qual, nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – em que pese termos tido acertos como o Plano Real, que enfim conseguiu controlar a inflação absurda herdada dos governos anteriores – houve o aumento do gasto público, do comprometimento do PIB com este e, apesar de algumas privatizações, a ausência de reformas estruturantes como as que são pensadas agora, seja a da Previdência, a Tributária ou futuramente a do Federalismo.

Então, o que temos – diante da visão de Alckmin – são choques de projetos. De um lado, os tucanos que – como Alckmin – defendem um Estado maior, apesar de algumas medidas liberalizantes. Do outro, um pensamento mais próximo da Escola de Chicago na questão econômica, como posto pelo ministro da Economia Paulo Guedes, que quer trabalha a descentralização e uma maior liberdade econômica. Nada disso é feito com passe de mágica.

Portanto, quando, em entrevista, Geraldo Alckmin diz que o atual governo não tem agenda, ele deixa de criticar as ideias postas pelo atual Executivo (o que seria legítimo) para atacar um espantalho, como se não houvesse uma discussão em andamento sobre o país. Alckmin, portanto, está sendo falacioso.

Na questão econômica, a equipe do governo Bolsonaro tem o seguinte pensamento, conforme o secretário de Políticas Econômicas, Adolfo Sachsida, desinchar o Estado, reduzir a carga tributária para promover empreendedorismo e emprego, reformar a Previdência para garantir os investimentos e descentralizar os recursos para que estados e municípios não se tornem meros gestores de Fundos de Participação dentro de programas federais. É o famoso “Menos Brasília, Mais Brasil”.

Como tantas reformas estruturantes não passariam ao mesmo tempo no Congresso Nacional, o que fez o governo? Separou para trabalhar os temas politicamente. A Reforma da Previdência foi a primeira porque o governo entende – segundo Sachsida – que não se pode mais esperar diante da relação demográfica e os problemas oriundos do sistema de repartição, que cobra que se tenha mais jovens que idosos no país para que funcione. Essa demografia se inverteu no Brasil, causando a dívida que existe hoje.

Na visão da equipe, a reforma recupera a capacidade de investimento e tem impactos em juros e outros pontos da economia que pode acarretar em atração de investimentos e crescimento. Todavia, faz parte de um tripé. Por isso, o governo federal já fala na Reforma Tributária a ser enviada logo em seguida. Bolsonaro já falou sobre isso em suas redes sociais. O terceiro ponto é o pacto federativo.

O governo vai conseguir? Não sei. Não tenho bola de cristal. Creio até que o governo vai precisar melhorar bastante estratégias de comunicação, articulação política (no bom sentido) e buscar a estabilidade entre os poderes, que também é de sua responsabilidade. Além disso, não tratar qualquer crítico como se um inimigo fosse. Todavia, há sim uma agenda. É diferente daquilo que Alckmin coloca.

Há problemas no governo? Há! Já até descrevi alguns aqui. Os primeiros meses foram de conflitos internos entre setores, como quando teve os embates com os militares. Isso atrapalha. É ruim para o país. Politicamente, o PSL parece um partido perdido que bate muita cabeça. Em alguns momentos, vira um show de vaidades e egos inflados. O próprio Bolsonaro reconheceu alguns discursos mais radicais entre apoiadores. Espero que estes escutem o próprio presidente.

Todavia, há também outros problemas: o ranço fisiológico de uma parte do Congresso Nacional, com parlamentares que olham mais o próprio umbigo e suas vantagens, uma oposição meramente ideológica que não apoiaria qualquer tipo de proposta, pois pensa mesmo no jogo político e as malditas heranças de uma matriz econômica heterodoxa que nos levou a orçamentos deficitários, dois anos de queda de PIB (2015 e 2016), o desarranjo nas contas públicas, sem contar com os escândalos de corrupção que assolaram o país.

E há um ranço por parte de parcela da mídia.

Muitos desses problemas tem o dedo do PSDB também, em que pese seus acertos nos governos passados. Afinal, o aumento dos gastos públicos e endividamento estavam lá. É que governos possuem acertos também. O PT – por exemplo – acertou ao manter a matriz ortodoxa no início do governo de Lula, acertou na unificação dos programas sociais tornando a coisa mais barata e mais eficiente, como Dilma Rousseff também acertou ao combater o chamado Bolsa-Viagra, que tem a ver com a Previdência. Quem tiver curiosidade pode procurar.

Não é por ter sido um ferrenho crítico das ideologias e práticas de governos passados, que eu não reconheceria pontos de acerto quando eles existiram.

Agora, Alckmin estava em que lugar quando foi exposto o Foro de São Paulo? Quando se mostrou o cofre que virou o BNDES para amigos do rei e republiquetas da América Latina, levando o país à condição de anão diplomático? O PSDB demorou, inclusive, a assumir posição em relação ao impeachment de Dilma Rousseff, tamanho era o seu desejo de não ser oposição naquele momento. É que Alckmin sabe o que é a estratégia das tesouras.

Agora, os erros de Bolsonaro e seu governo precisam sim ser criticados. O que ocorreu com o MEC nos primeiros meses de governo foi desastroso e o Executivo deveria ter reagido de forma mais rápida. No conflito com os militares, Bolsonaro tentou apaziguar de forma equivocada enquanto o vice Mourão viva a lhe remendar, dentre outros pontos dos quais já falei em textos meus. Não existe governo perfeito, muito menos salvador da pátria. Então, erros, problemas etc existem e vão existir. É preciso separar o joio e o trigo e não torcer pelo “quanto pior, melhor”. Estamos todos no mesmo barco.

No mais, Alckmin tem todo o direito de discordar dos pontos principais da agenda posta pelo governo, não apenas na Economia, como na segurança pública com o pacote Anticrime, na questão administrativa, como a reformulação da funcionalidade do Estado, nas ações do Ministério do Transporte, que tem privilegiado privatizações e concessões, nas medidas tomadas para combater fraudes no INSS, feito por MP, ou na posição em relação a flexibilização das armas de fogo, na fechada que foi dada na torneira para ONGs e por aí vai…

Que ele mostre discordância ponto a ponto, pois o debate é sempre salutar, desde que compromissado com argumentos. Mas Alckmin prefere o genérico discurso justamente na hora em que o PSDB tenta se afastar do seu passado, colocando Bruno Araújo como presidente da legenda para simular uma guinada à direita. Não é por acaso... Alckmin e outros tucanos de bico vermelho estão perdendo a relevância no próprio ninho. 

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