A guerra das narrativas: um pouco de História até o vídeo de Weintraub

03/06/2019 10:55 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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Nos últimos anos, uma palavra tem chamado atenção de alguns pensadores e escritores (de várias correntes políticas): a tal “pós-verdade”. Suas estratégias não são novidades, mas o vocábulo – em sua versão inglesa – foi registrado pela primeira vez na Oxford Dictionaries de 2016 como “a palavra do ano em Língua Inglesa”.

Todavia, é algo que ronda o mundo desde antes da Guerra Fria e seu foco é trabalhar “narrativas” que desprezem os fatos para se concentrar em falácias, meias-verdades que possam compor uma mentira completa e assim se impor como verdade para os demais, dentro de uma estratégia que a inteligência soviética denominou “desinformação”.

Caso o leitor queira aprender mais sobre o assunto, vale a leitura de Desinformação de Ion Mihai Pacepa e outros; Meias Verdades, Velhas Mentiras de Anatoly Golitsyn; Red Cocaine de Joseph Douglass ou o clássico a Arte de Vencer do Debate de Arthur Schopenhauer. Neste último, o filósofo nos mostra o uso da erística: um recurso associado à retórica que evita o mérito da questão debatida para desqualificar a fonte e assim transformar tudo que é exposto por ela em uma mentira.

Em resumo, não mais é importante o que é dito, mas sim o foco em quem diz e em como é dito (guarde essa informação para quando eu falar do ministro Weintraub). É o famoso argumento “ad hominem”.

Todavia, não é o único recurso erístico dentre os estratagemas expostos por Schopenhauer. O autor americano Timothy Snyder – que tem uma veia mais liberal (em sentido americano) – e estuda narrativas políticas e os passos de uma tirania, mostra bem as vantagens de quem domina o discurso sem se importar com a verdade.

Quando esta é relativizada ao extremo, passa a não mais existir verdades, mas apenas versões. E uma análise política pode divergir ou concordar com a ideia analisada, mas não pode é deturpar os fatos. Caso o faça, apenas busca descredibilizar o que considera inimigo, seja por motivos partidários, ideológicos ou outros de interesses imperceptíveis ao leitor, muitas vezes.

Em sua nova obra, “Na Contramão da Liberdade”, Snyder mostra como chefe da Rússia, Vladimir Putin tem feito isso naquele país, ao reabilitar figuras como a do ditador Stalin, de Catarina, a Grande etc. Isso também é revelado por Simon Sebag Montefiore na recente biografia que fez de Catarina. Ele narra a conversa que teve com Putin. O chefe do Executivo russo não está só e conta com autores já mortos e outros vivos, como Aleksandr Dugin e Ivan Ilyn. Este último – detalhe – é um defensor do nefasto fascismo. Mas, o político russo, mesmo se apropriando de ideias de um fascista, faz questão de chamar os outros de fascistas.

Snyder ao descrever esse fenômeno da busca pelo domínio da pós-verdade na Rússia, diz que aqueles que se apropriam de táticas fascistas – como a mentira em prol do controle ideológico – são “esquizofascistas”: promotores de uma loucura onde ninguém mais sabe onde se encontra a verdade. Em meio ao caos gerado, quem tem mais força e o domínio dos meios culturais – imprensa, artes, escolas etc – impõe e vende a narrativa.

Essas ações são fartamente estudadas e muito bem explorada por políticos. Quanto mais tirânico for quem está no comando, tanto mais será o controle de informação exercido nesse sentido. Como mostra Richard Pipes, no História Concisa da Revolução Russa, isso já era usado logo nos primeiros dias de terror da Revolução Russa. Na sequência, Stalin fez questão de chamar de “fascistas” todos aqueles que se opunham ao seu regime. Eram inimigos da Rússia. Toda crítica era vista como uma contrarrevolução que precisava ser eliminada. A simbologia disso é a morte de Leon Trotsky, por exemplo.

Na literatura, o escritor George Orwell mostra isso de forma brilhante na fábula A Revolução dos Bichos, que deveria ser uma literatura infantojuvenil obrigatória nas escolas, em vez de tantos paradidáticos que tão pouco dizem sobre o mundo. Em um de seus romances, o famoso 1984, isso é posto novamente em um conceito genial da Literatura, que são as distopias. Todas as distopias mostram o que significa um Estado tendo o controle de tudo. Por essa razão, se há governo, precisamos ser vigilantes, pois o preço da liberdade é mesmo a eterna vigilância.

E aqui, meus caros leitores, em Origens do Totalitarismo, Hannah Arendt mostra bem as semelhanças das práticas das mentalidades autoritárias mesmo quando alimentadas por ideologias que possuem diferenças nos corpos doutrinários que as alimentam. Não por acaso, Arendt compara o nascimento do comunismo bolchevique ao nazismo. São lições da História. Ambos tiveram seus genocídios, seus campos de concentração, suas vítimas, a mentira propagandística como prática, a violência intimidatória e as vozes discordantes sendo expostas como inimigas.

Em Caminho da Servidão, Friedrich Hayek também estabelece os paralelos, assim como faz Alain Besançon em A Infelicidade do Século e o brasileiro Meira Penna, com A Ideologia do Século XX. Em resumo, um mundo que abandonou a análise com base na verdade pela tentativa das justificativas ideológicas como discurso. Assume-se uma ideologia prévia e os fatos devem se encaixar nessa. Se houver contradições, que se danem as contradições. São feitos recortes conforme a conveniência. Sendo impossível o recorte, se tenta – por erística – desqualificar as fontes pelo mínimo defeito real ou imaginário que essas tenham.

O triste que para explicar o modo de operação se fazem necessários textos e mais textos. É que, por vezes, para mentir basta uma linha, mas para repor a verdade pode ser preciso um livro inteiro. Torna-se cansativo para o leitor do cotidiano, que possui seus afazeres e preocupações com a sua vida, que nem sempre o leva a estar totalmente atento ao que anda dizendo a imprensa e os governos.

Em nossa época atual, essa deve ser uma preocupação. Parcela da imprensa anda mais encantada com narrativas ideológicas – independente do lado assumido – do que com o seu real papel: a informação objetiva e análise dos fatos, levando em consideração os fatos. E aí, não raro, os exageros tomam conta do discurso para, propositadamente, confundir mais que explicar. Declarações são retiradas do contexto, vídeos antigos são ressuscitados para assassinar uma reputação, e um erro de alguém é visto como o fim do mundo, algo a ser explorado a exaustão caso conveniente ao que se quer expor.

Cito aqui como exemplo, para ilustrar esse longo artigo, o que envolve hoje o Ministério da Educação do governo do presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL). Há sim problemas na pasta e eles não são coisas menores. Infelizmente, para todos nós, o MEC não anda como o esperado. Temos uma herança maldita na Educação, como pode ser visto pelo autor de Pais Mal Educado, que é o jornalista Daniel Barros. Uma interessante obra que ataca raízes da situação das nossas escolas hoje em dia.

Concordo com Barros em um ponto: erra quem acha que o processo de ideologização é o único problema da Educação brasileira. A formatação das leis que regem o sistema, a desvalorização profissional, a ausência da participação das famílias no processo, os salários e outras questões que não tornam a profissão atrativa, a formação dos professores, a estrutura das escolas, a centralização das decisões, enfim… a lista de problemas é longa. Além disso, uma pirâmide invertida que investiu mais no quantitativo que no qualitativo.

O resultado de tudo isso são os rankings acumulados que nos colocam nas piores posições quando comparados a outros países. Essa deveria ser uma prioridade do governo de Bolsonaro, dentre outras como a agenda econômica. Porém, o Executivo demorou demais a fazer mudanças quando o ministro Ricardo Vélez se mostrou ineficiente como gestor, quando brigas internas atrapalharam o andamento de um órgão que tem o seu aparelhamento. Sou admirador da obra de Vélez, mas mesmo assim não posso desconhecer o fato: Vélez não serviu como ministro. Deu errado.

Pagamos o preço da inicial paralisação. O atual ministro Abraham Weintraub assumiu o cargo, que é um fardo por si só. Comete erros na forma como se comunica e nem tudo pode ser atribuído a imprensa, que tem sim um ranço – pelo menos em grande parcela – com o atual governo federal. Weintraub e sua equipe erraram ao comunicar a história dos “cortes” na Educação. Com isso, nasceu a narrativa de que a Educação sofreria mais do que sofreu. Utilizou de termos que se voltaram contra ele na guerra de narrativas.

Como ministro, ele precisa ser enfático e didático, a exemplo do que Paulo Guedes – na Economia – vem fazendo para buscar desmontar “mitos” criados em cima da Reforma da Previdência. Demorou para o governo conseguir mostrar que os “cortes” não eram “cortes”, mas contingenciamentos da verba não obrigatória, uma ação que já era feita por outros governos – como Lula, Dilma e Temer – por uma questão orçamentária, diante da situação do país que não é fácil. É óbvio que retirar dinheiro da Educação é algo ruim, matéria indigesta e que não encontra respaldo popular. Todavia, o cobertor curto levou a contingenciamentos em diversos setores, incluindo as Forças Armadas.

Estes deveriam ser mostrados como um todo.

Recentemente, Weintraub resolveu rebater uma matéria sobre as verbas destinadas à reconstrução do Museu Nacional do Rio de Janeiro. O assunto é delicado. O ministro errou – a meu ver – ao tentar tratar de forma humorada em um comunicado oficial ao público, utilizando-se de um guarda-chuva. Ora, se prestou mais atenção no que o ministro fez do que naquilo que ele tinha a dizer. Logo, com perdão do trocadilho, choveram críticas em relação à forma e o conteúdo praticamente foi esquecido.

Entra em cena, as estratégias da pós-verdade, colocando o ministro como um “doido” a dançar com um guarda-chuva. Há informações ali e elas não podem ser jogadas fora.

Conversei com pessoas que lembram do ministro com o guarda-chuva, mas sequer conseguem explicar sobre o que foi o vídeo. Weintraub explicava que R$ 55 milhões foram destinados à recuperação do Museu por meio de emendas parlamentares. A bancada resolveu reduzir a verba em R$ 12 milhões, numa decisão que nada tem a ver com o MEC. Ele diz ainda que sequer o projeto de recuperação foi protocolado.

Vejam: duas informações importantíssimas: a bancada precisa ser cobrada dos motivos da redução dos recursos. Se o ministro fala a verdade, os parlamentares deveriam ser ouvidos para que o assunto tivesse o desdobramento. Os responsáveis pela parte burocrática do projeto também, pois a recuperação do Museu precisa andar. Se estas pessoas envolvidas podem provar que o que o ministro falou não corresponde a verdade, pior para o ministro, que além da forma que escolheu, pagaria também pelo mérito das informações.

Mas nada avançou na discussão e na confirmação ou não das informações (que são os fatos), pois a narrativa rende mais aos interesses do assassinato de reputação.

O assunto (mérito) morreu sem maiores reflexões merecidas. A pós-verdade ficou no ar.

Nesse assunto, eu fui atrás de maiores esclarecimentos. De fato, as emendas são parlamentares e diante do contingenciamento cabia aos parlamentares rever as suas prioridades, já que as emendas também sofreram com a questão orçamentária. Sobre o projeto ter sido protocolado ou não, até o momento a UFRJ não se pronunciou. Mas, o assunto mais sério morreu por conta de um guarda-chuva. A verdade – para saber quem tem razão ou não – virou poeira. E aí, quem gosta do ministro passa a defendê-lo; quem não, a atacá-lo.

Mas, não se trata de preferências pessoais, partidárias ou ideológicas, mas saber realmente o que se passa em relação ao tema. As brigas de narrativas – infelizmente – acabam deixando todos perdidos em meio às informações postas e a imprensa reduz o seu papel à mesquinharia das “tretas”, “xingamentos” etc. Lamentável. Em menor grau, envolve o discutido no longo prólogo desse texto: estratégias e escolhas midiáticas de recortes a debater tudo superficialmente por conta de razões secundárias.

Fica a pós-verdade para quem apenas quer confirmar o seu viéis de comprometimento ideológico...

Estou no twitter: @lulavilar

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