Assumir uma visão binária em relação às pessoas por conta de eventuais posições políticas é sempre algo muito perigoso, pois polarizações existem, fazem parte da realidade e se fazem presente diante de todas as pautas que se mostram polêmicas, onde as nuanças que possuem são vistas por prismas variados, na busca de analisar consequências futuras de determinadas ideias. Isso é muito bem-posto pelo pensador Richard M. Weaver, no livro “As Ideias Têm Consequências”, da editora É Realizações.

Na busca natural por refletir os efeitos práticos de determinadas teorias – que muitas vezes embasam decisões, projetos de lei e posições políticas – as divergências surgem em uma democracia. Em alguns casos, até com tons de radicalidade, no sentido de ir à raiz do problema, ou até mesmo no sentido moderno que esse vocábulo ganhou: o extremismo. Dito isso, é válido lembrar também que ter uma visão binária sobre as pessoas, por conta de concepções políticas, nos faz negar também a complexidade humana, achando que só a nossa visão é detentora de um “monopólio de virtudes”.

A polarização tão criticada é um fenômeno da realidade. Agora, ter divergências não é sinônimo de ter adversários, assim como ter adversários não é necessariamente o sinônimo de ter inimigos. Aprendi com a leitura de G.K. Chesterton – nos livros Ortodoxia, O Homem Eterno, Hereges e O Que Há de Errado Com o Mundo – a essência de um debate focado em argumentos, reduzindo o uso dos adjetivos, para ser claro e preciso ao abordar as ideias por suas consequências. É que muitas vozes divergentes até possuem boas intenções, mas o inferno está cheio de boas intenções. E aí, precisamos até de anamneses que nos levem a verificar se as nossas próprias ideias correspondem – em suas consequências – as intenções que nos faz mantê-las.

Na ânsia de fazer o bem também podemos fazer o mal. Assim, Chesterton combate muitas das ideias de seu tempo, mas sem deixar de reconhecer – como o faz com o defensor do globalismo H.G Wells – a inteligência de quem está do outro lado. No caso de Wells, Chesterton é capaz de citar sua capacidade inventiva romanesca e nisto enxergar alguns méritos. Tomando isso para a minha vida, aprendi muito com pensadores que estão em campos políticos opostos às minhas convicções, como é o caso de Raimundo Faoro, o brasileiro autor de Os Donos do Poder.

Faoro é um nome de esquerda, mas foi quem melhor definiu o espírito oligarca e estamentário que tomou conta do poder no país. Uma casta que sempre se apodera do Estado, o agiganta para alimentar as próprias benesses e exclui o povo do processo, oferecendo migalhas como se serviços estatais fossem. Desta forma, não raro, a democracia emana do povo para contra ele ser exercida. Estou no polo oposto dessa visão estamentária, logo estou em uma polarização.

Defendo o livre mercado, a ampliação das garantias de liberdades individuais, o direito à vida como algo natural e pré-civil, bem como a propriedade e a liberdade. Defendo um Estado menor, não só em relação à máquina pública, mas de forma ontológica: que tenha um menor poder coercitivo para cima do indivíduo, que consiste na menor minoria. Isso me leva a admirar, por exemplo, Frédéric Bastiat em A Lei, quando define como justa a legislação que tem o foco em proteger o indivíduo desse poder estatal, que tudo pode, bastando criar uma lei.

Esse Estado gigante achata o ser humano com impostos e mais impostos, com regras de conduta exgeradas, como ocorre no Brasil em que o poder público se acha no direito de intervir cada vez mais no privado, ao ponto de querer até tirar saleiros das mesas de restaurantes em nome do seu bem. Por trás dessas leis tolas, há sempre um espírito de ocupar cada centímetro da vida do cidadão com uma norma. A liberdade vai sendo perdida como o efeito salame. E aí, procuro ir à raiz do problema. Logo, polarizo com aqueles que defendem um Estado gigante, pois vejo nisso um passo para a tirania ou para a oligarquia.

Como diz Aristóteles, em seus escritos como A Política, a tirania é a forma negativa do governo de um, assim como a oligarquia é a forma negativa do governo de poucos. E até a democracia pode ter a sua forma negativa, quando esta é a imposição da maioria sobre as minorias, como se estas não tivessem direito à voz. Logo, a democracia de verdade é somente aquela que permite que todas as ideias possam circular, sendo estas combatidas pelo que são e não por seus espantalhos. Defender a liberdade, portanto, sempre será a defesa do outro falar até mesmo aquilo que eu não quero ouvir.

A fé demasiada em um processo político na depuração do que pode ou não ser dito, como se os engenheiros-sociais tivessem sempre a melhor fórmula para um mundo melhor é algo muito bem criticado por Michael Oakeshott, um pensador político surpreendente que nos ensina a manter uma dose de ceticismo em relação a qualquer postura política, pois toda ideologia produz narrativas, utilizando-se de meias-verdades ou até mesmo instrumentalizando causas até justas para um fim político inconfessável, que apenas quer usar pessoas e seus pleitos como massas de manobra. Nesse contexto, confronto de ideias oxigena, joga luz em determinados pontos e – como diria Ludwig Von Mises – produz ideias que iluminam a escuridão.

Todo debate, portanto, pode ser produtivo. Mas existem aqueles que – tão apaixonados por suas ideologias – colocam, imediatamente, como extremismo o que fujam a elas. É uma forma de excluir o outro do debate por nem querer ouvir. Assim, surgem os espantalhos mais absurdos, como colocar como “fascistas” os que defendem a redução do poder coercitivo estatal, quando o fascismo era justamente o oposto, já que queria tudo com o Estado, pelo Estado e por meio do Estado.

Pessoas que se arrogam uma inteligência superior, mas – como ocorre no Brasil – não conseguem separar liberais de conservadores, colocando tudo no bolo de uma “direita”, como se fosse hegemônico, assumindo uma composição de mundo binária que nos faz lembrar a Revolução Francesa, onde o número de “iluminados” ia diminuindo conforme os inimigos iam sendo guilhotinados. No fim, só esses saberiam o que era melhor para o mundo e para a formação do novo homem.

Edmund Burke, em As Reflexões Sobre a Revolução na França, chama atenção para isso ao denunciar os males das mentalidades revolucionárias que se enxergam o bem supremo, quando todo o resto é desprezível. Essa mentalidade é o “senso crítico” os outros são o “senso comum” a ser combatido. Postos como senso comum, estão todos que são colocados como idiotas, iletrados, ou coisa pior.

Os iluminados de plantão medem o mundo com suas próprias réguas. Se estes substituíram suas consciências por uma causa, então todo o resto que eles combatem também faz parte de uma ideologia oposta sem nuanças; é o “nós contra eles”.

Diante disso, tem muito se falado das divisões da “direita” no Brasil. Ora, a divisão sempre existiu. Tivemos um fenômeno eleitoral que a agrupou por conta de um sentimento contra a esquerda e contra o estamento, o que é natural da democracia, pois sempre há disputas de poder. Mas o espectro político é muito mais complexo do que “uma esquerda” versus “uma direita”. Há degradês que podem produzir choques de visões e aí cabe a análise do que é dito em cada caso e por quem é dito.

Exemplo: um sujeito pode apoiar um governo em determinadas pautas e rejeitar outras. Em relação ao atual governo, já deixei claro o meu apoio ao pacote anticrime do ministro Sergio Moro, à necessidade de uma Reforma da Previdência, à redução dos gastos públicos e da máquina administrativa, à reforma tributária que foi prometida (espero que não demore), à privatização de determinados setores, ao reconhecimento de uma moralidade objetiva de ordem espontânea no corpo social, mas mantendo o respeito às vozes discordantes.

Assim como critico veementemente o que considero um resquício de positivismo militar, o discurso que acha que toda articulação em busca de governabilidade é um crime, o sentimento que defino como antipolítica, a morosidade do Ministério da Educação, que é uma área sensível que precisa de respostas urgentes e um planejamento efetivo que foque no Ensino Básico e Fundamental, bem como na produção de ciência (e nisso as universidades precisam ter um papel importante, mas que tem se desvirtuado por disputas políticas e ideológicas).

Já fiz outras críticas também que vão desde a comunicação oficial do atual governo a alguns rompantes do presidente Jair Bolsonaro, que precisa sim ter mais cuidado com as falas para não jogar querosene em fogueiras. Mesmo diante do ato de ter alguma razão é preciso – enquanto a posição que se ocupa – ter mais cuidado no uso das palavras para demonstrar essa razão.

A polarização – portanto – não nos impede de termos uma visão que amplie o horizonte de consciência ao analisar os fatos que nos são postos e até mesmo a saber separar as críticas, pois muitas podem ser bem-vindas, quando nos servem de farol para corrigir rumos. Como diria Santo Agostinho, prefiro os que me criticam porque me corrigem, aos que me adulam porque me corrompem. É claro que cabe a nossa inteligência saber separar os críticos bem-intencionados dos vigaristas intelectuais que agem apenas em nome de uma ideologia.

Razão pela qual sempre, na análise das ideias mais divergentes às minhas e aos governos com os quais mais tive divergências, sempre reconheci quando vi alguns acertos. Exemplo: mesmo sendo contrário à visão social-democrata (um matiz de esquerda), vejo o Plano Real como um acerto. Sendo um crítico ferrenho do PT, vi a unificação dos programas sociais no Bolsa Família como uma ação positiva. Creio ser negativo quando se transforma em um programa apenas como porta de entrada. Afinal, a sua essência – que é ideia do economista Milton Friedman (está no livro Livre Para Escolher) – é reduzir o poder coercitivo estatal na assistência a quem precisa, dando mais liberdade e oportunidades reais de sair da pobreza e da miséria. E todo país que se preze tem que combater a miséria e gerar oportunidades de riqueza e renda.

Assim como todo o país que se preza tem que tratar todos com igualdade perante a lei, sem discriminações por conta de etnia, orientação sexual ou posição política. Isso só é possível dentro de uma base de valores de moral objetiva que não relativize o ser humano, tratando com o respeito devido apenas por ser humano. Na concepção cristã (comumente tão atacada), é o “amar os outros”, “amar ao próximo como a ti mesmo”, enfim… Óbvio, não é preciso ser um religioso para entender isso e não quer dizer também que todo religioso entenda isso em essência, o que é uma pena.

Creio em Deus, sou católico e não escondo isso. Busco – como Kémpis em seu Imitação de Cristo – viver tais valores em minha vida, mesmo diante de meus defeitos e pecados. E isto inclui buscar amar e compreender até quem está em polo oposto, seja em outra fé ou na ausência de fé religiosa. A polarização aqui, portanto, também não é um problema. O problema é o sectarismo que toma por mal tudo aquilo que não é espelho. E aí, passamos a achar que só há diálogo entre os nossos, sendo impossível o debate por não haver uma base comum de valores. Entre estes, o respeito.

Recentemente, li um texto que – de forma indireta – chamava muitas pessoas de burras e iletradas. Indiretamente também me xingava por minhas convicções estarem à direita, por ser um admirador explícito de pensadores que defendem o conservadorismo filosófico. Colocava-nos como reacionários de plantão. Ora, o conservadorismo nunca foi avesso à mudanças. Ele apenas entende que a base do progresso é o respeito a determinados valores atemporais, como a busca do bem, da Justiça, além da observância às lições da História, pois sempre estamos a subir nos ombros dos gigantes para analisar as razões de conquistas e erros da humanidade.

Rejeitamos, portanto, a mentalidade revolucionária que se acha a única detentora da fórmula de mundo melhor, da fundação de um homem novo, por meio de suas ideologias, como ocorreu no nazismo, fascismo e comunismo, regimes repudiados por todos os pensadores do conservadorismo filosófico. Mas é fácil fazer dos outros espantalhos quando não se conhece ou propositadamente não se debate o cerne das ideias de fato, excluindo o pensamento de Burke, Oakeshott ou até brasileiros como Gustavo Corção, João Camilo, Mário Ferreira, Meira Penna etc. Ou então tratando tudo como uma massa hegemônica dentro do binarismo, como se conservadores não pudessem divergir entre si, como se liberais não pudessem divergir entre si, quando até esquerdistas divergem entre si.

Por fim, em todo caso, o que rejeito plenamente é todo e qualquer sectarismo que sempre se apoia em uma camada de adjetivismos para se fazer de único virtuoso, dando uma de profeta do caos, com o monopólio de certezas e soluções. E nisso, amo os críticos sinceros, que desenvolvem seus argumentos, me ajudam a tratar as minhas próprias opiniões a chicotadas para saber se realmente essas se sustentam quando confrontadas com o contraditório.

Digo até: essa é a razão pela qual nunca deixei de ler, de forma atenciosa, até mesmo aquilo que a priori discordo. Já recebi lições de divergentes sérios, mesmo quando saia discordando de muitos pontos ali expostos. Foi o sentimento que tive ao ler Raimundo Faoro, por exemplo. Foi a lição que tive ao observar o progressista Mark Lilla falando de filosofia. Ou do ateu Theodore Dalrymple com seus escritos. A lista seria longa...

Afinal, até entre os que pensam igual a mim podem existir pessoas com más intenções ou com intenções boas, mas ideias que as contrariam sem que essas pessoas percebam. Não é tão simples dividir o mal do bem. Mas há quem risque uma mera linha no chão para fazer de todos os outros idiotas, sem entender que reside nele o radicalismo que tanto denuncia.

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