Alguns governadores do país – dentro os quais o de Alagoas, Renan Filho (MDB) – assinaram a “Carta dos Governadores Sobre o Decreto Presidencial de número 9.785 (07 de maio de 2019) e a Regulação Responsável de Armas e Munições no País”. Para quem me acompanha nesse blog, sabe que defendo que o cidadão – dentro de critérios objetivos previstos em lei – tenha acesso ao porte e a posse de arma de fogo.
Esses critérios, por exemplo, estão previstos no projeto de lei do deputado federal Rogério Peninha (MDB) que visa revogar o Estatuto do Desarmamento. Tal projeto – a meu ver – resolveria a discussão, pois trata-se de uma matéria legislativa responsável, e teria o Congresso Nacional como via de sua implementação. Entendo ser melhor que decretos, pois é mais completo e se dá por vias que admiro mais na relação entre os poderes.
O projeto detalha a questão do registro da arma, e os requisitos para a aquisição estão previstos no artigo 10. Entre eles, não possuir antecedentes criminais pela prática de infração penal dolosa, nas esferas estadual, federal, militar e eleitoral. Além disso, não ser investigado em inquérito policial por crime doloso contra a vida ou mediante coação, ameaça ou qualquer forma de violência. Ele cobra ainda perícia, condição psicológica etc. Ou seja: não há discricionariedade.
Esta foi uma das bandeiras do presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL) durante sua campanha. O que surpreende ele torná-la prática? Nada!
Não podemos – entretanto – confundir o direito à legítima defesa e a discussão sobre segurança pessoal com a segurança pública. Claro, essa continua nas mãos do Estado. Conceder ao cidadão o direito de ter arma, caso ele passe por todos os critérios, é respeitar as garantias de liberdades individuais e – sabendo que o Estado não é onisciente – permitir que ele possa ter meios da defesa de sua vida, propriedade e família caso necessário.
Não se trata, portanto, de excluir o Estado da sua reponsabilidade, muito menos do armamento generalizado, como colocam alguns inflamados discursos desonestos. Quem se arma hoje de forma desregrada e generalizada é o bandido.
Os governadores que assinaram a Carta – entretanto – se dizem preocupados com a “flexibilização da atual legislação de controle de armas e munições”. Então, eles acham que a atual legislação trouxe resultados positivos para a população em geral? Olhem os dados, governadores. O Estatuto do Desarmamento nunca desarmou bandidos e não representou – na prática – a redução de crimes. Ao contrário, aumentou – nos últimos anos, desde sua implantação – o número de homicídios e, em especial, os assassinatos por arma de fogo. É só puxar os números.
O criminoso não vai ser parado por uma lei. Quem quer cometer o crime consegue uma arma fácil nesse país. Quem se submete aos critérios objetivos para tê-la não tem a intenção – obviamente – de cometer crime algum.
Essa história de “mais armas, mais crimes” já foi desmontada pelos estudos de John Lott (Preconceito Contra as Armas) e pelos autores brasileiros Bene Barbosa (Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento) e Fabrício Rebelo (Articulando em Segurança). Indico os livros.
É claro que a redução do número de homicídios depende de vários fatores e não de “armar a população”. Entre os fatores, um Estado que trate o criminoso como criminoso, salvaguardando os direitos humanos, mas aplicando penas proporcionais ao crime, acabando com a impunidade, solucionando assassinatos, que é o que não ocorre nesse país, pois o índice de solução de homicídios é baixíssimo, como mostram as estatísticas.
A Carta ainda destaca que “a grande quantidade de armas de fogo e munições que são usadas de maneira ilícita representam um enorme desafio para a segurança pública do país e é preciso enfrentá-lo”. Mas quem discorda disso, governadores? Isso é dito por toda pessoa que defenda o direito do cidadão. O problema não é a arma legal, mas os bandidos estarem fortemente armados. Esse ponto da Carta só mostram duas confissões: 1) O Estatuto do Desarmamento não desarmou os criminosos como pretendia; 2) O Estado não consegue desarmar os bandidos apesar da lei, e mostra a falência das políticas de segurança pública mesmo com o Estatuto em vigor.
Ora, tirar armas das mãos de criminosos é algo que tem que ser feito mesmo. E aí, os governadores falam de enfrentamento do tráfico ilícito de armas, evitar armas ilegais e crimes. Mas, ninguém discorda disso. Leiam o projeto do deputado federal Rogério Peninha e verão que lá o assunto é tratado, assim como o governo já falou várias vezes em endurecer para cima do criminoso.
Ninguém está propondo uma solução mágica para a violência que assola o país por meio de um decreto, mas sim buscando um conjunto de medidas que garantam os direitos do cidadão, ao passo que em outras frentes se combata o crime, como ocorre com o pacote anticrime do ministro da Segurança, Sergio Moro. Os governadores parecem confundir propositadamente os assuntos para parecer que só eles estão preocupados com a violência, que a defesa do posse e do porte de arma passa a ser coisa de “truculentos” irresponsáveis, como se não existissem estudos que apoiam a posição contrária. Ora, é o que mais existe.
A literatura é farta e nesse artigo apenas citei três autores, mas há Joyce Lee, com Armas e Violência e até o excelente livro de Hitler e O Desarmamento de Stephen Halbrook, que mostra que um dos regimes mais nefasto do mundo pregou o desarmamento civil, colocando armas nas mãos apenas de bandido e do governo, que nesse caso acabavam se confundindo. Não por acaso, os países que adotam critérios objetivos para conceder o direito ao cidadão possuem baixos índices de criminalidade. É claro que associada a essa política, que reconhece as garantias de liberdades individuais, existem outras. E nem precisa ir muito longe: o Uruguai, por exemplo.
E aí dizem os governadores: “As soluções para reverter o cenário de violência e insegurança no país serão fortalecidas com a coordenação de esforços da União, Estados e Municípios para fortalecer políticas públicas baseadas em evidências e para implementar o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, fortalecendo a prevenção focalizada nas populações e territórios mais afetados pela violência e a repressão qualificada da criminalidade”.
Mas é claro que tem que haver coordenação de ações entre os poderes constituídos, que venha a reunir o esforço de todos. Isso é o óbvio a ser defendido, ora bolas. O que não se encontra na Carta dos governadores são dados, estatísticas, estudos, referências que justifiquem a sua posição, a não ser o explorar do que o escritor Theodore Dalrymple tão bem já chamou de “sentimentalismo tóxico”.
Reconhecer o direito do cidadão, dentro de critérios objetivos (repito!), não significa abandonar o que é da esfera e competência da segurança pública, como políticas públicas com base em estudos sérios e não apenas em “evidências” (aprendam a escolherem melhor as palavras). Um desses estudos sérios é o de número 23/2015 feito pela Câmara de Deputados, que conclui que o reconhecimento do direito ao posse e ao porte de arma em nada tem a ver com o aumento de assassinatos. Vão lá, leiam esse estudo. Já disponibilizei ele aqui no blog.
No mais, é óbvio, que o foco central de um plano de combate à criminalidade deve levar em conta justamente as regiões que mais são afetadas pelos criminosos. No caso de Alagoas, que até ônibus do desarmamento tem, em que pese os bons resultados recentes, os índices são alarmantes e cresceram bastante apesar do Estatuto. Além disso, a “repressão qualificada da criminalidade” sempre foi um discurso do atual presidente. Como um brasileiro, espero que se cumpra na prática.
Se os senhores querem diálogo, como colocam na Carta, que tal começar ele pelos estudos sérios sobre o assunto e não apenas com uma sequência de clichês, obviedades e disposição daquilo que é comumente defendido por quem quer a revisão do Estatuto do Desarmamento como se fosse ideia original de vocês ou até mesmo um monopólio de virtudes. Pois tudo que está posto na Carta dos governadores pode ser buscado e alcançado sem negar ao cidadão um direito.
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