Muito se fala – nos tempos atuais – de “estamento burocrático” para se referir o que se tornaram os governos brasileiros dentro de um pacto federativo extremamente centralizado, no qual decisões e recursos ficam nas mãos da União para, posteriormente, serem repassado para estados e municípios. Não é fácil lidar com essas questões que, além da descentralização, exigem reformas profundas, como a da Previdência e a Tributária.
Desde a chamada redemocratização que os gastos públicos só crescem, o Estado assumiu – em que pese algumas privatizações – a função de empresário e principal indutor da economia. Os incentivos – e isso é uma das características do estamento – são distribuídos de forma discricionária entre os amigos do rei, privilegiados com a proximidade com o poder, construindo uma espécie de metacapitalismo. São subsídios que possuem como paralelo a dificuldade de empreender no país, em vez de tornar o setor produtivo pujante pelas próprias pernas, pois as regras do jogo são complexas (haja vista a legislação tributária) e desiguais.
O jogo entre quem ocupa o poder e os “campeões nacionais” não deu outra: o esquema revelado pela Operação Lava Jato que tem raízes profundas. Não foram, evidentemente, os governos petistas que inventaram a corrupção. Mas este partido (o PT), que com base nas teses do excelente Raimundo Faoro (livro: Os Donos do Poder), se insurgiu como o diferente, o mais ético, e o combatente do estamento para devolver o Estado ao povo, se aproveitou do estamento para – já tendo ocupado os meios culturais com o gramscismo – ampliar o esquema dentro de uma estratégia de poder.
Todavia, no meio do caminho tinha uma Lava Jato. Além disso, uma sucessão de fatores que geraram uma mudança no meio cultural do país e fez renascer visões liberais, conservadoras e outros matizes de direita que rejeitaram não apenas o PT, mas as outras tonalidades de estatismo.
Esses matizes discordam entre si. Que bom! É da democracia. Deus me livre de hegemonia.
Alguns dos fatores são as consequências econômicas da matriz heterodoxa, a contabilidade criativa de Dilma Rousseff (PT), a revelação do Foro de São Paulo, a discussão sobre os valores e até onde vai o poder coercitivo estatal.
Tudo isso é fator que ajudou a eleger o presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL) como um nome antissistema. Entre eleitores de Bolsonaro não estão apenas conservadores de uma forma geral ou apoiadores mais ferrenhos do chefe do Executivo. Há também a revolta com tudo que ocorreu no país, e o debate eleitoral mostrou que todas as vias alternativas ao PT não eram tão alternativas assim, pois compartilhavam de pontos comuns dentro do sistema e como pensam o Estado.
Não entender esse contexto e atribuir – de forma falsa e apoiado em narrativas que não se sustentam – aos eleitores que rejeitaram o que aí estava os rótulos de “fascistas” etc foi um erro a mais cometido pelas esquerdas, que sequer conseguem fazer uma autocrítica. E aí, nesse jogo de narrativas, pouca gente passa a pensar realmente no país, bem como se dedicar a conhecer sua recente história na busca por caminhos viáveis que aponte para um futuro. Uma parte da direita tende a cometer o mesmo erro ao apoiar o governo em tudo! Governos existem para serem vigiados!
O ambiente tencionado, polarizado, ainda traz os seus danos. Tomara que não venha a atrapalhar as reformas necessárias que devem surgir, pois – apesar de haver sim problemas no atual governo, como a crise interna com os militares – há ações que são positivas, como a desburocratização para o empreendedorismo (iniciada com uma MP), a sinalização para uma reforma tributária, a reforma da previdência (que é uma necessidade), e – como já disse o ministro da Economia, Paulo Guedes – a busca por descentralizar decisões e recursos.
Infelizmente, alguns ministérios – como é o caso da Educação – perdeu tempo. E perder tempo é prejuízo. Bolsonaro não foi feliz nos primeiros meses do governo com a Educação e o governo ainda tenta ajustar as coisas, mas se comunica mal, como no caso dos contingenciamentos em relação às universidades. Isso alimenta a narrativa de quem – por viés ideológico – já detesta esse governo. Contingenciamentos já surgiram em governos anteriores e não deu essa mesma confusão. Quem tiver dúvidas, é só pesquisar no Google.
Bolsonaro escolheu uma postura de enfrentamento. Terá consequências, pois insufla alguns aliados ao passo que também joga gasolina em narrativas adversas. Há momentos em que o enfrentamento é necessário, há outros em que não. É preciso ser inteligente. O tom do presidente – por exemplo – em relação à Educação foi diferente da dos outros membros do governo. Não se pode negar que os partidos de esquerda – em especial PT, PSOL e PCdoB – tentaram sequestrar as manifestações diante do sensível tema da Educação e com isso renascer, recuperar credibilidade para além dos convertidos, e emplacaram o “Lula Livre” e os protestos contra a Reforma da Previdência também. Isso é péssimo.
Mas, vamos além disso.
O fracasso visível das políticas adotadas pelo país nos últimos anos se somam a escândalos de corrupção, crise econômica, desemprego e outros fatores negativos que são frutos justamente das relações construídas entre o poder público e o estamento que favorece alguns. Como efeito colateral, um modelo de desenvolvimento que, no máximo, produz voos de galinha, mesmo depois da estabilidade alcançada com o Plano Real.
O Brasil sofreu com o nacionalismo dos anos 1950 que via a chave da nossa pobreza como fruto da abertura ao exterior. Nada mais errado, pois – naquele momento – o preço do que vendíamos estava em alta, enquanto o que importávamos tendia a baixar devido a própria evolução tecnológica. De forma inteligente, poderíamos ter aproveitado para desenvolver tecnologia também e entrar no jogo. Nosso nacional-desenvolvimentismo não permitiu isso.
Muitos países – nesse período – se especializaram em atividades com retorno crescente, nós nos voltamos ao nosso próprio umbigo. Isso está bem refletido na discussão entre Douglass North e Celso Furtado sobre o país. North mostrava que o Brasil precisava desenvolver vantagens que levassem em conta as potencialidades locais, como no Nordeste, por exemplo, com incentivo à pesquisa na área de agricultura, recursos hídricos etc. Uma visão que já era tida pelo alagoano Aureliano Tavares Bastos, no século XIX, ao falar da descentralização e das potencialidades da região.
Não ouvimos Bastos em passado distante, muito menos North em passado mais recente. Não fizemos nem o dever de casa e nem nos abrimos para o comércio. O nacional-desenvolvimentismo foi presente no período militar também. A intervenção do poder coercitivo estatal se tornou discricionária e, apesar de ter gerado alguma infraestrutura melhor no país, seguiu o modelo dos benefícios a grupos selecionados e sem rever o papel do Estado para a promoção do desenvolvimento. Ou seja: Estado gigante e principal fomentador.
É como analisar o II Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Geisel. O Estado se tornou o “paizão”. Um relevante diagnóstico sobre essa situação é feito pelo economista Marcos Lisboa, que chegou a ocupar cago em governos anteriores. A visão de Lisboa sobre esse período é sóbria, sólida e repleta de dados. Há um texto dele publicado no livro Lobby Desvendado (editora Record) que vale a pena ser lido. Traz muito do que mostro aqui, inclusive detalhes do “debate” entre North e Furtado.
Em todo caso, fica a lição de que não construímos o Brasil de hoje da noite para o dia. Termos um orçamento deficitário não é obra do acaso. Termos uma Previdência problemática, com déficit e com a realidade demográfica batendo na porta, também não. Como o tema é indigesto, todos os governos pensaram em reformá-la, mas sempre esbarraram no capital político e em outros interesses que traduzem na Previdência os privilégios que vemos e que afeta diretamente os mais pobres. A alta carga tributária para sustentar uma máquina gigante que gasta muito com a atividade-meio, enquanto entrega de forma precária a atividade-fim também não é coincidência.
É isso que faz com que possamos usar o termo estamento burocrático para o país de forma análoga ao significado real de estamento, pois se cria uma casta com todas as benesses que faz com que a democracia emane do povo, mas contra ele seja exercida. Precisamos de um Estado menor e de mais liberdade. Precisamos impulsionar o verdadeiro empreendedorismo. Precisamos de capitalismo e não de metacapitalismo.
O Estado precisa entender que não é um bastião moral ao pensar no seu papel dentro do corpo social, pois a moralidade objetiva de um povo se dá por ordem espontânea. É aconselhável ler Hayek e O Caminho da Servidão.
Precisamos aprender a respeitar a pluralidade verdadeira, entender a diversidade e que o ser humano precisa ser respeitado apenas por ser humano. Precisamos pensar Educação de forma integral, haja vista nossas posições em rankings. Precisamos ocupar o nosso lugar no mundo, com relevância, pois temos pessoas inteligentes e dedicadas nas mais diversas áreas.
Torço e amo o meu país. Motivo pelo qual busco compreender a sua história e me orgulho de muitos dos bons nomes de nossa pátria que por vezes são esquecidos. Não podemos estar condenados a este ciclo em que – entra governo e sai governo – alcançamos míseros voos de galinhas, em crescimentos pífios onde o Estado é colocado como responsável por tudo, sendo prestador de serviços, empresário, babá do cidadão e uma afronta às liberdades individuais.
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