Quando eu já era crítico do Estatuto do Desarmamento, nem imaginava que um dia o Brasil teria um candidato a presidente que tivesse uma postura semelhante à minha. Muito menos imaginava que um dia este seria eleito, que no caso é o atual chefe do Executivo federal, Jair Messias Bolsonaro (PSL). Que se registre: não concordo com Bolsonaro em tudo e o leitor que me acompanha sabe disso.
Em verdade, pouco me importava – apesar de depender deles para as decisões – a opinião dos políticos em geral.
Sou um crítico do Estatuto do Desarmamento por entender que, em primeiro lugar, criminosos não seguem leis. É da essência da atividade criminosa desrespeitá-las. Então, entendia o que para mim era óbvio: o Estatuto não desarmaria bandidos, mas sim aqueles que se submetem à legislação para, dentro de critérios objetivos, terem uma arma de fogo em casa.
Isto faz com que algumas pessoas (pois não é obrigatório) se submetam aos critérios legais (que em minha visão devem existir) para terem uma arma para sua defesa, da propriedade e da família. Afinal, não se trata de segurança pública, mas de segurança pessoal no exercício da legítima defesa caso esta seja necessária. É simples assim.
No segundo ponto, não desarmando os bandidos, teríamos uma população cada vez mais desarmada, com criminosos cada vez mais ousados e mais armados, inclusive com calibres e tipos de armas que não são concedidas sequer às forças policiais. Era uma questão de tempo e a realidade mostrou que eu estava certo. Fora isso, os números de homicídios seguiram não só alarmantes, como tiveram significativos aumentos.
Hoje, no Brasil, matamos muito mais do que em muitos países onde a população tem critérios mais flexíveis para ter acesso às armas de fogo. Mas, nesse país, continuamos a culpar objetos pelos atos criminosos que são exercidos por pessoas que devem ser punidas severamente. O homicida, o latrocina, o assaltante precisa ir para a cadeia. Não é uma lei que vai fazê-lo está armado ou desarmado. É óbvio que tirar armas das mãos de bandidos é um combate eterno das forças da segurança pública.
Do outro lado, o ser humano que está dentro da lei e cumpre os requisitos, tem o direito a se proteger, pois é básico o direito à vida. Como nos ensina Frédéric Bastiat, é um direito que pode ser compreendido até como pré-civil, cabendo ao Estado apenas o reconhecimento deste.
Todavia, o que vemos agora é alguns iluminados classificarem as pessoas que – como eu – defendem o direito à posse e ao porte de arma como “fascistas”, “nazistas”, ou pessoas do mal que defendem torturas. É mesmo? Indico a leitura da obra de Stephen P. Halbrook, que fez um estudo aprofundado do desarmamento civil na Alemanha. Por lá, para impor um totalitarismo genocida, um dos primeiros passos de Adolf Hitler foi desarmar os judeus e os inimigos do Reich, ou seja, a população. É semelhante ao pensamento do ditador Nícolas Maduro, na Venezuela.
Será coincidência muitos ditadores serem desarmamentistas?
O mal existe e o Estado – ao contrário do que alguns racionalistas pensam – não é onipresente nem garante a segurança do cidadão o tempo inteiro. O que resta é elaborar critérios objetivos para a regulamentação de um direito. No Brasil, o projeto que propõe a derrubada do Estatuto do Desarmamento, se apoia nisso: a maioridade, a ausência de antecedentes criminais, a perícia, o psicotécnico, dentre outros pontos.
Os critérios tendem a separar o joio do trigo, pois quem se submete à lei não tem a propensão ao crime. Como diz o jurista britânico, William Blackstone: “o principal objetivo da sociedade é proteger os indivíduos no usufruto dos seus direitos absolutos, que lhes foram investidos pelas leis imutáveis da natureza”.
Os profetas do caos acreditam que a regulamentação de um direito como esse pode aumentar a violência, mas cegam para o fato de que este foi o efeito produzido pelo Estatuto do Desarmamento.
E a realidade não bate a porta apenas do Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, os oito estados americanos com mais restrições à posse de armas são os que possuem os maiores índices de homicídios. Na Europa, os países mais restritivos – em que pese os números não serem alarmantes – são os que possuem também maior número de homicídios.
Em 2018, o Brasil ficou em 13° no número de homicídios. Outro dado interessante é que, a taxa de assassinatos no período de introdução ao Estatuto do Desarmamento aumento nos primeiros nove anos de sua implantação. E dentro desse aumento, os números de morte por armas de fogo foi de 66,23% para 70,83% no mesmo período.
Uma das conclusões é óbvia: os bandidos não se desarmaram e monopolizaram o “comércio”. Com as vítimas desarmadas em suas residências, aumentou também o número de invasões a propriedades já que diminui o risco para a atividade criminosa. Os estudiosos brasileiros Fabrício Rebelo e Bene Barbosa compilam esses dados em duas importantes obras: Articulando em Segurança (Rebelo) e Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento (Barbosa).
Ambos os estudos são anteriores ao novo momento político. Assim como eu, esses escritores sequer sonhavam que um dia existiria o atual governo a encampar essa pauta.
Em 2015, a Câmara de Deputados fez um estudo técnico – sem qualquer viés ideológico – sobre o impacto do Estatuto do Desarmamento. Os dados são favoráveis ao aramamento civil dentro de critérios objetivos e cita, inclusive, um dos maiores estudiosos do assunto que é John Lott (que vale a pena ser lido. Cito a obra Preconceito Contra As Armas).
Eis um dado do estudo técnico: a relação entre a taxa de homicídios e a presença das armas em alguns países (na época do estudo): Na Áustria o número de homicídios é de 0,22 por 100 mil habitantes. Lá, há 30,4 armas pelos mesmos 100 mil habitantes. Outro país citado é o Uruguai (aqui na América do Sul), que tem uma taxa de homicídios de 2,8 por 100 mil, mas tem 31,8 armas por 100 mil habitantes. São muitos os países citados e o leitor curioso pode conferir o estudo completo.
Em 2018, o Uruguai teve 382 homicídios no ano.
Cito um trecho do estudo:
“Se ao menos houvesse comprovação de que desarmar a população em geral gerasse maior segurança e redução da criminalidade, seria plausível limitar o direito de autodefesa, que em última instância é a garantia dos direitos grifados do texto constitucional. Mas, diante de todas as evidências de tantos estudos e pesquisas, não há como afirmar sequer que o desarmamento mantenha os mesmos níveis de segurança, se comparado com o exercício do pleno direito pelas pessoas.
A par do fato de que muitas vezes direitos importantes são suprimidos pela legislação sem maiores comprovações de que isso é indubitavelmente necessário, não há como afastar a conclusão de que, quando uma sociedade é desarmada, não só tem comprometidos aqueles direitos constitucionais citados, como fica mais insegura e suscetível a vários tipos de abusos e atrocidades”.
Não se nega, evidentemente, o risco de acidentes com armas de fogo. Mas, é preciso também tratá-los dentro de estatísticas e estudos. Bene Barbosa em sua obra faz isso muito bem. Ele mostra que são raros, em que pese a repercussão que possuem. O que é preciso aí é educação, para se reduzir ainda mais a negligência. No Brasil, entre os anos de 2003 e 2012, esses acidentes correspondem 0,7% dos acidentes. Infelizmente, são sim tragédias irreparáveis com as quais devemos nos preocupar e buscar formas de educar para reduzir.
Mas para se ter ideia, os dados mostram que as chances de acidente com uma piscina é 18 vezes maior. Esses dados estão na obra de Barbosa.
No mais, assassinos são assassinos independente do objeto que podem usar. É óbvio que uma arma tem maior letalidade, mas não é ela que é determinante da índole. Que o leitor possa ter acesso a uma literatura vasta sobre o assunto e – na dúvida – compare os dados e os lados da discussão, inclusive com o que é publicado.
Não faço parte de um time que demoniza o “outro lado”. Não creio que toda pessoa que prega o desarmamentismo seja um desonesto. Muitas vezes age de boa-fé e está tão preocupado quanto eu em relação ao caos de homicídios que vivemos. É claro que muitos querem uma sociedade com menos crimes e assassinatos. Ninguém, em sã consciência, defende mais crimes, mais homicídios etc. Os desarmamentistas do discurso fácil são – na realidade – vigaristas intelectuais ou motivados pelo que Theodore Dalrymple chama de “sentimentalismo tóxico”.
Assim como qualquer pessoa de bom senso, defendo uma sociedade com mais segurança e com mais oportunidades. Torço por isso independente de governo de plantão. Agora, estudando o assunto há anos, chego a conclusão posta pelo mesmo estudo desenvolvido pela Câmara, pela literatura de Lott, Bene Barbosa e Fabrício Rebelo. Cada um que tire suas conclusões. Deixo aqui o link para o estudo da Câmara que citei: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2015/et-23-2015-subsidios-a-analise-do-pl-3-722-2012-armas-de-fogo . Fica também as indicações das obras.
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