Não me envergonho de dizer que gosto de HQs. Junto aos clássicos da literatura, que li por influência direta de meu pai, os quadrinhos foram importantes para mim na infância e adolescência. Virei um fã da Marvel e passei a gostar muito da DC por conta do que enxergava por trás daquelas histórias no que ia para além do entretenimento.

Até hoje, por exemplo, os X-men trazem sagas maravilhosas diante de uma premissa incrível: a exclusão e a inclusão dentro de um corpo social por conta dos estranhamentos. Os mutantes – por serem diferentes com seus poderes – geram repulsa, admiração, medo e outros sentimentos nos humanos comuns.

De cara, eles ganham dois líderes – Professor Xavier e Magneto – que se apoiam na busca pela “inclusão” e fundamentam suas ações em ideias do “como agir”. De um lado, Xavier que busca formar uma escola para “superdotados”, ensinando os x-mens a usarem o seu poder para o bem e se incluírem na sociedade sendo produtivos para esta, sem perder a ideia do justo, da ação correta e sem generalizar os humanos.

Xavier sabe das injustiças sofridas pelos seus, mas assimila isso de forma diferente de Magneto, que passa – por outro lado – a nutrir o ódio pela humanidade, enxergando os mutantes como a evolução. Assim, transforma o que seria Justiça em Vingança. Xavier e Magneto apresentam os dois lados de uma mesma moeda ao discutirem preconceito e outros temas. Isso se faz por trás de todo o entretenimento.

Em muitas histórias, os heróis não são perfeitos, mas são humanizados e apresentados a dilemas que os fazem ser anti-heróis em muitos momentos. É o caso do egoísmo, egocentrismo do Homem de Ferro, que vai evoluindo nas histórias até aprender o valor do altruísmo. Reflexões podem ser feitas com muitos daqueles heróis e em muitas sagas.

Na Guerra Civil, por exemplo, que opõe o Capitão América ao Homem de Ferro, temos uma discussão sobre os limites do Estado que quer – por conta dos poderes sobre-humanos estarem em heróis e vilões – controlar os indivíduos, fazendo um cadastro para a autorização do uso dos poderes. Ora, os vilões nunca se submeteriam a uma legislação, pois é da essência destes descumprirem a lei.

Sendo assim, o Homem de Ferro dá razão ao Estado e arrasta consigo um bando de heróis. Do outro lado, Capitão América é contrário a esta interferência e traz para si um outro conjunto de heróis. O time do Capitão vira um time criminoso sem nunca ter cometido crime algum, mas por discordar dos limites do poder coercitivo estatal.

Na Marvel, há ainda a Hydra que é um reflexo de como o pensamento nazifascista e/ou comunista age com desinformação, infiltração, propaganda ideológica e outros elementos. Como não dizer que esse universo é rico e possui metáforas? É uma pena que – em alguns momentos – tudo isso passe batido em meio aos efeitos especiais e a pancadaria? Sim! Mas aquele universo também é entretenimento. Além disso, tem que dar lucro mesmo. Não demonizo o lucro.  

Em muitos momentos, na telona, acerta! É o caso, por exemplo, de como a Marvel levou o vilão Thanos ao cinema. Quem conhece a HQ sabe que há diferenças e que as motivações do vilão foram reformuladas. Foi um acerto. O bandidão roxo virou um revolucionário neomalthusiano que acha que criará um mundo novo (universo equilibrado e justo) fundando um novo homem (em integração com a natureza e sem desperdiçar recursos) a partir do momento em que exterminar metade de toda a vida no universo.

Qualquer semelhança com o pensamento revolucionário não é coincidência. Thanos até faz questão de dizer que não é pessoal. Claro: ele não enxerga pessoas, mas obstáculos à sua utopia. E o que incomoda Thanos? Pessoas que possuem um senso-moral que as fazem resistir apesar de serem infinitamente mais fracas que ele, tendo menos poder ainda que algum poder tenha.

A fragilidade não vira desculpa para a covardia e o sacrifício é posto em cena como um dos exemplos de heroísmos: ainda que as chances estejam contra e tudo pareça o fim, fazer o que é certo é sempre o certo.

Ao se deparar com essas pessoas – que são os heróis de Os Vingadores – Thanos ganha uma motivação a mais: torna a coisa pessoal. Ele entende que não pode mais apenas destruir metade da população. É preciso refundar o mundo, pois caso não elimine tudo com um banho de sangue por meio do Terror e do medo, haverá a memória daqueles que se apoiam em tradições do passado e resistirão à sua utopia. Pessoas que guardarão valores e crenças diferentes.

Não quero dar spoiler, mas digo uma coisa: o cansaço de Thanos no mais recente filme dos Vingadores é uma metáfora perfeita do ditador em queda, sem acreditar que pessoas, vistas como inferiores por ele, podem desfazer o mito.

Frank Miller – pela DC – reinaugurou também uma fase nova do Batman, com O Cavaleiro das Trevas. Por lá, o conflito maior é entre Bruce Wayne e herói mascarado. Wayne abandonou o Batman, mas é obrigado a voltar diante da decadência e da subversão de valores em Gotham, que passa a glorificar os bandidos e vê-los como “vítimas de um sistema opressor” cujo culpado é o Batman.

O Batman que ressurge é obrigado a quebrar regras e enfrentar dilemas que podem trazer a pior das consequências: ao combater monstros, nos tornarmos os monstros que combatemos. Miller inspirou a trilogia do Cavaleiro das Trevas no cinema, que se desprende da HQ, mas mostra seu discurso no vilão Bane, na última película da série.

Dito isso, meus caros, é claro que as HQs não substituem livros clássicos, mas não possuem essa pretensão. É apenas um universo que tem seu lado interessante. Por falta de tempo, há muito que priorizo livros importantes, estudos mais sérios e romances que considero essenciais à formação humana. Todavia, não nego: sinto saudades de uma boa HQ.

Acompanhei a saga da Marvel do cinema. Tem momentos bons e outros não tão bons. Há filmes que gostei muito e outros que não gostei. É natural. Torço ainda para que a DC – no cinema – encontre um rumo, pois tem muita matéria-prima boa para oferecer, apesar de não ter conseguido ainda fazer uma excelente película.

Há quem não goste desse universo? Sim! É uma questão de gosto. Nada tenho contra. Não julgo. Não me acho nem pior, nem melhor por isso. Sou apenas um cara que olha as HQs com nostalgia e guarda o que de bom viu nelas. Há quem veja essas coisas em outras produções artísticas, até superiores (não negaria isso jamais!), como eu também vejo nas óperas que escuto, na música clássica que amo ou nos clássicos do Dostoiévski, do qual sou fã e acho incomparável a qualquer coisa.

O que digo é que há verdadeiros artistas nesse universo e gente de uma cultura monstruosa como Frank Miller e de uma imaginação fantástica como Niel Gaiman, Alan Moore, Will Eisner, Bob Kane, Stan Lee e outros. Confesso: eu tenho gratidão por essa turma!

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