Caros leitores,

Desde muito que estudo os pensamentos revolucionários coletivizantes. Obras sobre o assunto não faltam e, ao longo da minha vida, pude ler algumas das tidas como mais importantes em relação ao assunto. Isso me fez ter um receio imenso das fáceis classificações que colocam tudo dentro de uma “caixinha” por meio de um rótulo simplificado. O motivo? Bem, o pensamento revolucionário pode encontrar sementes em qualquer lugar, bastando apenas que uma ideologia – seja ela qual for – substitua as consciências individuais pelas causas.

O que é posto nesse sentido – por muitos autores, como o magistral Eric Voegelin na obra grandiosa História das Ideias Políticas -  é que muitas vezes uma ideologia é um conjunto de ideias que professam um credo de um “mundo melhor”, a fundação de um “novo homem”, o “paraíso na Terra”, mas escondem seu fim político, que quase sempre resulta em opressão, tirania, imposição desta mesma crença e milhões de mortos.

Assim foi com o nazismo, mas também com o comunismo. Agora, é preciso pesar que os dois são diferentes sim em seus cernes ideológicos. O nazismo partia – em meio ao pangermanismo e traços mitológicos – para uma pseudociência baseada na concepção da raça, crendo ali que havia uma etnia superior. Assim foi moldando o pensamento do nacional-socialismo. No comunismo, temos o materialismo ateu e a pseudociência da reorganização da sociedade a partir da destruição da estrutura (a economia) para a mudança da superestrutura (os valores).

Não é possível comparar as ideologias, mas – como mostram Alain Besançon, na obra Infelicidade do Século e Richard Overy, no Ditadores (que compara Hitler e Stalin) – há sim semelhanças brutais em suas práticas: a perseguição ferrenha ao que for pensamento diferente, os campos de concentração, os expurgos de aliados, o massacre às visões religiosas (no nazismo tinha um campo de concentração só para padres em Dachau) e até o uso dessas mesmas religiões como instrumento puramente político, o culto ao líder, o genocídio, dentre outros pontos.

Não comungo com a visão de quem a todo custo coloca o nazismo como uma “extrema-esquerda” e esquece das diferenças dos núcleos ideológicos. Porém, é interessante – e inegável – os estudos que apontam as semelhanças, como faz o escritor Timothy Snyder (que é um progressista, diga-se de passagem) na obra Terras de Sangue. Indico ainda o livro O Diabo na História, do romeno Vladimir Tismaneanu.

Não custa lembrar de uma personagem histórica, a parlamentar Milada Horaková, que no contexto da Europa do século XX, sofreu por defender a liberdade nos dois regimes. Foi capturada pelo nazismo e pelo comunismo, por ambos terem um viés antiliberal, que era o credo da parlamentar. Quem tiver curiosidade sobre essa história pode buscar o filme Milada, presente no Netflix. No pano de fundo há uma excelente aula sobre a história terrível do século das ideologias.

Observar o quanto cada um desses regimes pode ser tirânico e ter empatia para com suas milhares de vítimas é que me ensinou a rejeitar qualquer ditadura e qualquer viés revolucionário, venha ele de onde vier, pouco importando seu nascedouro.

Daí, comecei a ter simpatia pelo pensador Michael Oakeshott, que criou o conceito de fé política e ceticismo político.

Oakeshott nos ensina que a fé política – quando exagerada – nos leva a acreditar demasiadamente em salvadores da pátria e a cultuar políticos, sejam eles quem forem. Essa fé acaba transferindo poder demais a pessoas que se sentem iluminadas para resolver todos os problemas do mundo por meio de ações governamentais. O Estado passa a ampliar seu poder coercitivo e ser a voz oficial da sociedade. Em pouco tempo temos o tudo pelo Estado, para o Estado e com o Estado. Ou seja: um nefasto pensamento fascista.

Do outro lado, o exagero no ceticismo político nos faz negar o papel importante que a política tem na sociedade e a mesma visão ditatorial pode surgir por meio de grupos de pressão que desacreditam o papel do diálogo na política e querem transformar suas visões de mundo em direitos, fingindo uma “democracia direta” pautada por um racionalismo que alimenta uma engenharia-social.

Isso pode nascer em qualquer lugar, independente de direita ou esquerda. Um bom exemplo disso é que reacionários vivem de uma utopia focada no passado e revolucionários em uma utopia com fé demasiada no futuro.

Em outras palavras, conservo o medo de cair em extremismos de qualquer que seja o lado.

Eu, particularmente, enxergo nazismo e fascismo como terceiras vias que absorveram o que de pior havia nas ideologias. O que li me leva a compreender assim, mas quem sou eu perto dos historiadores sérios? Nada! Apenas um estudioso movido pela curiosidade. Então, eis que cito as obras para vocês, inclusive de autores que possuem visões diferentes das minhas, mas que relatam a História pelo que ela é.

É impossível negar que neles (nesses regimes) haviam características de uma extrema-direita da época, como um ultranacionalismo. Mas, por exemplo, o biógrafo de Hitler, Joachim Fest, prova – por meio de documentos da época – que a forma de governo e propaganda bolchevique influenciou Joseph Goebbles em muitas estratégias. São fatos históricos que podem ser encontrados.

Em alguns momentos, esses regimes se encontraram, como no pacto nazi-soviético, apesar de serem inimigos na disputa pelo poder nas regiões. Tanto que nazistas usaram a ameaça comunista como propaganda, como no incêndio do Reichstag. Ian Kershaw – historiador que classifica o nazismo como extrema-direita – aponta isso em suas obras sobre o período, inclusive na biografia que faz de Hitler.

Creio que nesses debates, os livros salvam. Eles são mais importantes que uma declaração de um presidente ou de qualquer outro político. Desde já digo, não concordo com a visão simplista posta em uma única frase do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ou do ministro Ernesto Araújo. A discussão vai além disso, mesmo entendendo que ambos queriam pontuar as semelhanças entre os regimes totalitários, absolutistas e cruéis.

Como cidadão, rejeito tudo que lembre – ainda que vagamente – que tudo tem que ser feito pelo Estado, para o Estado e com o Estado. Isso massacra as liberdades individuais e direitos fundamentais que enxergo até como pré-civis, como a vida, a própria liberdade a propriedade, tal como defendem Frédéric Bastiat, Friedrich Hayek e tantos outros.

Muitos historiadores apontam que o nascimento de todo esse despotismo moderno está na Revolução Francesa. Umberto Eco, em O Fascismo Eterno, diz algo interessante a respeito de como as ideias de Hegel foram utilizadas nesse sentido, ao encarar o Estado como um espírito absoluto, tendo isso influenciado o desdobramento de muitas ideologias do século XX.

É que a Revolução Francesa, como expõe Thomas Paine (que era um defensor desta) acreditava que a razão planejada por ideólogos trariam o paraíso na Terra, desrespeitando tradições e culturas para a construção de uma nova sociedade como se a futura geração fosse uma folha em branco a ser transformada por uma ideia de “sociedade perfeita”. Isso – como se percebe nos debates entre Paine e Edmund Burke (muito bem exposto pelo analista político Yuval Levin, na obra O Grande Debate) – gerou o Terror e as guilhotinas, que não suportavam inclusive as visões religiosas.

Esse nascedouro possibilitou irmãos gêmeos discordantes que brigam entre si, mas adotam práticas repressivas semelhantes.

Esse é o vírus que também tomou conta de Auguste Comte – o discípulo do socialista utópico Saint-Simon – e o seu positivismo, que acreditava que iria abolir os dois estágios primitivos do homem (o teológico e o metafísico) para impor uma razão iluminada, onde o cientificismo seria o credo da humanidade e os positivistas os sacerdotes. Essa visão, por exemplo, adentrou em parcela do Exército brasileiro e foi inspiração para o período mais duro do regime militar. Gerou duas visões que se combatiam, mas que ambas desprezavam a democracia. Não estou com isso estabelecendo comparações. Claro que há uma distância enorme entre o vivido no país e o que ocorreu na Europa. É impossível comparar. Falo apenas do motor influenciador.

Lição da história: ideologias e pensamentos revolucionários sempre colocam democracias em risco. Por isso é preciso garantir a pluralidade. Só há liberdade quando eu sou capaz de defender a existência daquilo que eu discordo, sem censuras prévias, mas com a responsabilidade sobre o dito e feito, inclusive no ordenamento jurídico dessa democracia.

Mais importante do que meras classificações, é entender profundamente o que esses regimes foram, para que seus rótulos não sejam usados de forma superficial para meramente atacar pensamentos adversários ou realizar classificações superficiais, como fez o presidente. Vivemos uma época onde basta uma simples divergência para que um ataque o outro chamando de “comunista”, “nazista”, “fascista” etc.

Indico aqui – além dos livros já citados – uma excelente obra que compreende todo o período nefasto que teve Hitler no poder: a trilogia do historiador Richard Evans. Ele classifica o nazismo como extrema-direita, mas o diferencia do que é uma direita de fato. Transcorre a análise da História pelo que a história de fato é. É o autor mais respeitado sobre o assunto no mundo, inclusive sendo testemunha da judia Deborah Lipstadt, quando esta enfrentou David Irving em um tribunal.

Lipstadt fez uma obra denunciando o nazismo e foi processada por Irving, que é um historiador negacionista (um louco que nega o Holocausto). Evans foi peça fundamental para garantir a vitória da autora. O que significa dizer – por mais absurdo que pareça – que em pleno final do século XX, havia quem duvidava do Holocausto e era levado a sério. Como ainda há, infelizmente. Para quem gosta de cinema, essa história é contada em filme: chama-se Negação. Vale a pena assistir.

Evans, nas obras A Chegada do Terceiro Reich, O Terceiro Reich no Poder e o O Terceiro Reich em Guerra, mostra em detalhes o que foi o nazismo e o quão repudiável ele é, como é repudiável Lênin, Stalin e outros totalitários, ainda que pensem por primas diferentes.

Por sinal, trabalho que Robert Gellately também faz na obra A Era da Catástrofe Social. Lá, Gellately mostra a diferença entre o cerne de crenças dessas ideologias, mas aponta as semelhanças de suas práticas nos regimes constituídos. Eric Voegelin faz uma análise mais cuidadosa ainda em Hitler e os Alemães.

Em obras mais simples, como A Mente de Hitler de Walter Charles Langers, é possível adentrar no pensamento desse genocida e enxergar os aspectos de sua psicopatia.

Conhecer a História nos faz tirar conclusões para além dos rótulos. É que nos extremismos, os diferentes se encontram e perdem a capacidade de refletir e ouvir.

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