Todas as vezes em que muito se discute sobre Educação, eu recordo - ainda no início da década passada - quando caiu em minhas mãos as obras de Mortimer J Alder, ensinando a tirar o melhor dos livros e, na sequência, o Trivium e o Quatrivium.
Foram três estudos que mudaram para sempre a forma como eu percebia a Educação, inclusive adotando para mim - ao lado de A Vida Intelectual de Antonin-Gilbert Sertillanges - novos métodos de pesquisas, estudos e leituras. Posso dizer sem medo de errar: foi uma bênção.
Devo muito nesse processo a Santo Tomás de Aquino, quando me fez compreender as virtudes teologais, cardeais e intelectuais como orientadoras da formação humanista. As primeiras, dizem respeito a fé, esperança e caridade, o que nos ajuda a olhar o próximo pelas suas potencialidades e assim amar o humano apesar de suas inúmeras fraquezas e erros cometidos em um processo de aprendizagem.
Não é preciso misturar nada com "religião" para isso. No campo das virtudes intelectuais, temos elementos como a busca da compreensão da verdade, sem querermos ser donos dela, mas nos colocando a serviço desta por meio da lógica, para atingirmos a ciência das coisas e alcançarmos virtudes como sabedoria e prudência. As cardeais nos orientam a termos a centralidade da psiquê em meio às turbulências, sendo fortaleza, buscando a Justiça, usando a razão e a moderação.
Com efeito, não há, hoje, texto meu que não foque em reflexão prévia sobre tais virtudes, como tentar observar vários ângulos de uma questão, para só então construir uma opinião que tenha por objetivo estar mais perto da verdade do que do conceito ambicioso da "opinião própria", que em alguns momentos nos levam ao orgulho de permanecer no erro e defendê-lo a qualquer custo, com os maiores malabarismos retóricos.
Esses malabarismos retóricos são chamado de erística por Arthur Schopenhauer. Vale a lida do A Arte de Vencer o Debate Sem Ter Razão.
Pelo exposto, fica óbvio que vejo nos clássicos não o fato deles serem "velhos", mas sim de serem eternos. Razão pela qual o escritor italiano Italo Calvino nos convida a lê-los em sua obra Por Que Ler os Clássicos. O educar o imaginário nos salta aos olhos nesse momento.
É como - querido leitor - ler Crime e Castigo de Dostoievski e nos depararmos ali com a profundidade dos sentimentos de uma época em que as causas justificavam os atos e, por isso, o personagem principal se achou no direito a cometer um assassinato para depois encarar dramas existenciais como a culpa e a busca pela redenção. A consciência cobrava um preço e denunciava os males revolucionários.
As experiências da leitura dialogam com nossa alma, como ocorre com Alexandre Dumas em O Conde de Monte Cristo, Drácula de Bram Stoker e outros. São processos catárticos que também formam o homem para o bem e para as virtudes ao se deparar com persongens complexos e os valores ali debatidos.
Reler essas obras depois de ter tido o conhecimento sobre o pensamento de Alder, do Trivium e do Quatrivium mudou minhas perspectivas. Até esta data releio clássicos que havia lido pela primeira vez antes de me deparar com o que comumente se chamou de Educação Clássica.
Uma das edições do Trivium no Brasil - por exemplo - é da Irmã Miriam Joseph (publicada pela É Realizações). Nela, se explica magistralmente que há três artes pertinentes à mente: a lógica, a retórica e a gramática. Ter acesso ao aprendizado destas é colocar nas próprias mãos o que de melhor a humanidade já produziu em termos de conhecimento, pois o pleno domínio da linguagem nos faz ter acesso ao pensamento alheio, que foi deixado como herança ao mesmo tempo que nos torna autonomos e livres para a execução de nosso próprio pensamento, identificando as correntes de poder que atuam sobre nós e que querem nos impor uma hegemonia de convicções.
Miriam Joseph define a lógica como "a arte de pensar", a gramática como a "a arte de inventar símbolos e combiná-los com a expressão do pensamento" para entender e descrever a realidade. Quantoa retórica, ela define como a "a arte de comunicar pensamento de uma mente a outra, ou de adaptar a linguagem às circunstâncias".
O Quatrivium nos leva ao pensamento matemático em sua excelência, não apenas pelo decorar de fórmulas para uma prova, mas pela artimética em sua profundidade, a música, a astronomia e o que diz respeito à matéria, ao perceptível. Pensamos por meio dessa Educação na "Classe de Bens", entendendo o que é valioso, o que é útil e o que é aprazível.
Por exemplo, buscamos o valioso em nossas vidas por entender que determinados bens aumentam o valor intrísseco de quem os possui. A Educação é um deles. O ser humano bem educado sente em si a riqueza que possui com isso, e as porta que a partir dela se abrem, não sendo apenas algo material.
Os úteis são ferramentas que nos levam a bens maiores, como o pleno domínio da linguagem que nos leva ao melhor da Literatura. Os aprazíveis são os que nos dão a sensação de prazer em si quando conquistados, como uma reputação, pequenas felicidades do cotidiano etc.
A este conjunto é dado o nome de "artes liberais" que nos preparam como seres humanos íntegros para as chamadas "artes mecânicas", que é a busca por um conhecimento específico como os que sustentam as nossas profissões. Observamos então a Educação por etapas para a formação do indivíduo.
Mas há quem ache que olhar essas heranças do passado é obscurantismo e só o moderno é que tem coisas boas a nos oferecer.
Meus caros, estudar o Trivium e o Quatrivium mudou muita coisa em minha vida e, tendo uma filha entrando na adolescência, também mudou muita coisa na forma como estudo com ela as lições de casa. Ela ganhou uma velocidade considerável para a matemática e uma capacidade de leitura que me surpreendeu. Estou deixando para ela algo melhor do que o que eu tive.
Este foi um dos motivos pelos quais me tornei um defensor da Educação Clássica. Acredito sim que ela pode - evidentemente - se modernizar ao refletirmos sobre o contexto no qual nos encontramos e as ferramentas que hoje temos. Mas, como diz Ortega y Gasset, há nos ensinamentos do passado algo que não se banha no rio do tempo e isto pode ser absorvido.
Foi essa educação que nos deu avanços como a teoria do Big Bang, de Georges Lemaître, os Pensamentos de Pascal e até muitas das melhores obras críticas a este modelo de Educação.
Claro, esse meu texto é apena inicial. Não tem como explicar tudo da Educação Clássica em uma postagem de blog ou coluna. Meu intuito é muito mais despertar a curiosidade sobre o tema e espero conseguir, ao menos no sentido de dizer: "conheçam antes de rejeitar e assimilarem preconceitos".
Portanto, finalizo com uma sugestão: conheçam o trabalho de Alder, conheçam o Trivium, conheçam o Quatrivium, conheçam - aqui no Brasil - o trabalho do professor Carlos Nogué, conheçam o projeto da brasileira especialista em Educação Selma Palenzuela, dentre tantos outros.
Será uma rica experiência!
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