A Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia de Alagoas (CRP-15) divulgou uma nota pública sobre as críticas que recebeu em relação a uma campanha que fez nas prévias carnavalescas de Maceió em que, a pretexto da política de redução de danos, fez uma cartilha sobre o uso correto de drogas ilícitas.
Como fui um dos que criticou o panfleto, divulgarei a nota na íntegra. A nota não é dirigida a minha pessoa, mas aos críticos. Como fui apenas um, repito, só posso falar pelos pontos que critiquei. Esclareço: não fiz crítica alguma a política de redução de danos (RD), não critiquei a intenção da peça panfletária, pois não conheço quem a fez, muito menos disse que a RD não tem serventia, ao contrário.
Eu critico - isto sim - a linguagem do panfleto que acaba por estimular o uso e se afastar da própria RD, que sei do que se trata. Mesmo este não sendo o objetivo da peça. Mas a maior prova que houve uma falha no entendimento é a repercussão que teve e que é anterior ao meu blog, pois só tratei do tema quando me certifiquei da existência real desta e da opinião do CRP. Então, antes de divulgar a nota na íntegra, pontuarei aqui algumas coisas essenciais do texto que fiz anteriormente:
1) Disse, neste blog, que não posso falar da intenção. Afinal, não conheço as pessoas. Critiquei a linguagem da peça e não a RD em si. A linguagem é péssima. O trocadilho usado reforça a imagem de um efeito positivo da droga e o associa ao verbo aproveitar, o que leva ao entendimento óbvio de tirar o melhor proveito com o menor dano. Isto é reforçado pelo contexto, em que pessoas que não são usuárias buscam drogas - licítas e ilícitas - a pretexto recreativo. Portanto, o panfleto não se destina apenas aos usuários, que devem ser tratados, merecem acolhimentos e devem ser compreendidos com base nos reais dramas humanos que enfrentam. Então, isso por si só se afasta daquilo que deveria ser essência da RD, concordando ou não com tais políticas. E eu concordo com muitas delas. Afinal, os dramas humanos são complexos.
2) Não é essa a essência da RD (a promoção de panfletos descuidados), mas sim entender o usuário dentro de um conjunto de dramas humanos que podem fazer da droga uma muleta e não um mero instrumento recreativo. Reconhecido isso, o tratamento atua de forma holística na compreensão do humano caso a caso. Evitando o corte de laços familiares e comunitários, pois quem sofre precisa de todo apoio possível para a melhor estratégia de ação e tratamento dentro daquele contexto. Jamais se pode defender que pessoas sejam trancafiadas ou isoladas. Se alguém fez isso, é um louco sem empatia. Eu jamais faria isso. Logo, desprezo essa parte da nota por até concordar com ela.
3) Assim, se visa combater o preconceito (que deve sim ser combatido) sem deixar de focar nos males feitos a si e ao outro. Isso vale para drogas lícitas e ilícitas. Eu até poderia fazer críticas ao entendimento da RD no Brasil, com base em escritos até de Theodore Dalrymple e outros psiquiatras. Mas este não foi o meu foco. Por que? Por achar que há sim pontos sérios e complexos nessa discussão, que vai além de uma crítica a uma linguagem usada por uma peça publicitária. O CRP não pode culpar a desinformação dos críticos, uma vez que seu objetivo era melhor informar. Logo, se houve erro no entendimento, este foi deles (os produtores) que não foram sensíveis ao contexto e ao melhor texto a ser empregado. No mais, uma crítica mais profunda tem que levar em consideração haver pontos em que a RD tem razão. E isto requer um debate científico muito mais amplo do que uma crítica a um panfleto.
4) Logo, critiquei a linguagem na peça que soa descontextualizada, com foco apenas no uso e sequer no usuário. Tendo um público alvo mais abrangente que usuários, era para focar na substância em primeiro plano e sem trocadilhos que geram duplas interpretações. Exemplo: como faz o Detran nesses momentos ao intensificar a campanha em relação ao consumo de álcool, onde chama atenção para o dano e a vida.
5) A Nota da Comissão fala da crítica que fiz ao trocadilho do panfleto, mas não reflete o óbvio: em um ambiente onde essas substâncias são postas como recreativas, o verbo PIRAR remete ao estímulo, uma vez que é o que até o usuário não contumaz quer, ao fazer "um experimento". Quando associado ao APROVEITAR, aí se desfaz qualquer contexto educativo que se queria ter, pois induz ao pirar de boa dentro dos menores riscos. É o contexto, o entendimento dúbio, e a linguagem didática dissociada dos eixos da própria RD que eu critiquei. E o fiz justamente por conhecer. Comissão, nem todo mundo que lhe critica é um desinformado. Dalrymple trata do assunto e é um psiquiatra. Ele tem uma humanidade para com as pessoas que sofrem mazelas que é uma lição de vida
6) Mas o pior é aquele que acha que toda crítica parte de desinformados que não conhece o que é RD. Eu posso falar por mim: eu conheço, pois estudei muito isso ao prestar consultoria a um parlamentar que precisava falar sobre problemas em uma rede de acolhimento de dependentes. Como era um tema transversal tive que estudar o funcionamento e tratamento, porque nosso trabalho visava a melhoria de políticas públicas para quem precisava delas. Isto incluia entender relações pontuais com as drogas, sabendo das recaídas que um usuário teria e que nesse caso a RD atuaria para minimizar danos. Portanto, ela é importante sim. Mas como tudo: há contextos.
7) Sendo assim, concordo com alguns pontos da nota: 1) o envolvimento de estudantes em ações propositivas e benéficas (o que nunca critiquei); 2) a preocupação com o cuidado de si e do outro; e 3) a importância da discussão envolvendo a RD. Em momento algum eu critico isso. Agora, eu mantenho a minha visão: o trocadilho que a nota defende é sim infame, pois associa o "PIRE" a "APROVEITAR" no pior contexto e, levando em conta a construção dos signos, acaba por fazer da peça uma cartilhazinha, ainda que essa não tenha sido a intenção. Como disse algumas vezes: não julgo intenções.
8) Por mais incisivo que eu seja, não quero descredenciar TODO o trabalho do CRP e da Comissão. Eles são importantes para a sociedade e para a discussão de temas que necessitam sim da visão de quem estuda sobre o assunto. Sempre defenderei instituições nesse sentido. O que falo é pontual e com foco em um panfleto e sua linguagem. Afinal, é óbvio que eu creio que EM MOMENTO ALGUM se quis estimular o uso de drogas lícitas e ilícitas. Isso nunca passou pela minha cabeça. Acho apenas que a peça publicitária errou e ela, e somente ela, é responsável pela polêmica gerada.
Segue a nota na íntegra e o leitor é livre para tomar a posição que deseja:
NOTA EDUCATIVA PARA ESCLARECIMENTO SOBRE A AÇÃO PAUTADA NA POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS NO JARAGUÁ FOLIA
A Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia de Alagoas (CRP-15) realizou no último dia 22 de fevereiro, uma ação educativa sobre a Política de Redução de Danos (RD) no Jaraguá Folia.
A RD se configura como um conjunto de princípios e ações para abordagem aos problemas relacionados ao uso abusivo ou não de álcool e outras drogas. É uma estratégia usada nacional e internacionalmente por instituições formuladoras de políticas sobre drogas e está vigente nas práticas de cuidados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) reconhecidas pelo o Ministério da Saúde via Portaria n° 1.028 de 1 de julho de 2005, e fazem parte do rol de práticas dos Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPS AD). A RD é respaldada também pela Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (SENAD) e se expressa em um movimento de não criminalização do usuário(a).
Essa política visa a prevenção/redução de danos sociais e à saúde decorrentes do uso e/ou abuso de álcool e outras drogas e de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), suas ações estão presentes no Brasil desde meados dos anos 80. A proposta é atuar de modo a desviar-se de práticas discriminatórias que levam a um processo de estigma e isolamento de pessoas que fazem uso dessas substâncias, propondo assim, uma via de cuidado em saúde a partir do respeito à autonomia dos sujeitos.
Assim, o uso consciente é compreendido como uma forma de prevenção, não tendo a abstinência como a única via de tratamento. Nesse sentido, a abstinência poderá fazer parte do processo de cuidado, mas sempre respeitando a decisão dos sujeitos em toda prática interventiva.
Não cabe na atuação de profissionais da psicologia e das áreas da saúde e assistência social de modo geral, propor uma prática de atuação a partir do que considera moralmente certo/errado. Assim, é importante ressaltar ainda que com base na proposta da RD os(as) profissionais estão comprometidos(as) com uma forma de tratamento in loco, sem retirar os sujeitos do convívio familiar e comunitário indispensável para os cuidados em saúde integral, além de efetivar o debate social sobre a questão, ao invés de simplesmente trancafiar e afastar essas discussões da sociedade, como se fossem invisíveis.
Entendemos que o tema "drogas" ainda é tabu na sociedade sendo abordado sempre de forma dramática e catastrófica, por isso, o preconceito e o estigma associados ao usuário de drogas e também às ações de redução de danos. No entanto, na literatura produzida por profissionais e pesquisadores(as), a RD é apresentada como uma medida de prevenção adequada e eficaz na redução de danos sociais e a saúde de usuários(as), podendo em muitos casos ter a abstinência como resultado final, sem que isso tenha sido uma exigência verticalizada. Associarem "redução de danos" a apologia ao uso de drogas é um sintoma da desinformação. E um sinal verde de que temos muito a avançar na desconstrução desse estigma. Não há possibilidade de tratamento sério sem que tabus sejam quebrados e haja uma ampla discussão sobre um assunto que atinge direta ou indiretamente a todos(as).
Sabemos que no carnaval o uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas aumenta, e o tabu que gira em torno do consumo dessas substâncias acaba gerando formas de uso que potencializa os prejuízos acarretados. Deste modo, o (Res)PIRE: reduzir para aproveitar, através de uma intervenção psicoeducativa buscou levar informações à população com foco na adoção de práticas que diminuíssem os danos para aqueles(as) que usam drogas e para os grupos sociais com que convivem.
Estudantes e profissionais participaram desse momento importante para a Psicologia alagoana, mostrando que o cuidado ao outro pode acontecer em todos os espaços. É preciso construir redes e práticas de cuidados em saúde que possibilitem a dignidade da pessoa humana.
É preciso falar sobre redução de danos, do cuidado de si, e cuidado do outro.
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