O ministro e ex-juiz Sérgio Moro está sendo exposto em mais uma polêmica por conta de sua recente declaração sobre o uso do famoso "recurso por fora" em período eleitoral, mais conhecido como Caixa 2. Em primeiro lugar: é um ato que tem que ser combatido com todas as forças, pois daí nasce uma série de corrupções. Logo, lamento o fatiamento do projeto oriundo das negociações com os parlamentares.
O assunto "Caixa 2" se encontra no pacote de medidas propostas pelo Ministério de Segurança Pública enviado ao Congresso Nacional. No documento elaborado por Moro, é a 14° medida proposta. Trata-se da mudança na Lei de número 4.737/1965, o Código Eleitoral. O foco é o artigo 350.
Atualmente esse é o texto:
"Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:
Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.
Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada".
A proposta de Moro traz a seguinte redação:
“Art. 350-A. Arrecadar, receber, manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso, valor, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem doar, contribuir ou fornecer recursos, valores, bens ou serviços nas circunstâncias estabelecidas no caput.
§ 2º Incorrem nas mesmas penas os candidatos e os integrantes dos órgãos dos partidos políticos e das coligações quando concorrerem, de qualquer modo, para a prática criminosa.
§ 3º A pena será aumentada em 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), no caso de algum agente público concorrer, de qualquer modo, para a prática criminosa.”
Ocorre que política é a arte do possível e na divisão dos poderes constituídos há um parlamento pela frente que pode aprovar tudo do pacote ou não. Com isso, surgem negociações e podem existir mudanças no proposto. Como muitos deputados querem salvar os próprios fundilhos e pensam no futuro, o Caixa 2 é um assunto indigesto...
Moro e o governo cederam a pressão para aprovar a matéria. Esse é um fato. E isto pode sim ser alvo de críticas.
É que, infelizmente, a resitência dos parlamentares à criminalização do Caixa 2 poderia colocar a perder todo o pacote. O governo - na negociação - priorizou as outras mudanças de leis que são vistas como prioritárias pelo governo.
O chamado "caixa 2" ainda não é previsto como crime no Código Penal, mas somente no Eleitoral. A alteração na legislação eleitoral é justamente a 14ª proposta. Como cidadão, reitero, lamento muitíssimo o fatiamento e é uma pena que o Congresso Nacional apresente essa resistência. Mas, ou se perde um ponto ou se perde o projeto todo. Então, eis em cena a arte da política.
E o que disse Moro sobre o assunto? Bem, em momento algum ele defendeu que "Caixa 2" não seria um crime grave. Ao contrário. Dizer que ele entrou no mérito para amenizar a prática do Caixa 2 não corresponde à verdade. A crítica ao ministro e ao governo pode ser pela posição política de olho no cenário do Congresso, mas nunca pelo mérito. Tanto que se pretende trabalhar a pauta fora do pacote.
Eis a frase do ministro:
"O governo está sensível ao debate e nós queremos levar os projetos ao Congresso e convencer os parlamentares do acerto. Mas, também estamos abertos a sugestões. Houve uma reclamação por parte de alguns agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, que crime organizado e crimes violentos. Então, acabamos optando por colocar a criminalização à parte, mas que está sendo encaminhada ao mesmo momento".
Ou seja: ele destaca a questão da negociação política, ressalta a dependência do diálogo para a aprovação do pacote, fala em sugestões e sobre a reclamação por parte dos políticos do Congresso. Mas atesta, Caixa 2 é um crime grave, mas sem a mesma gravidade da corrupção, de crime orgnizado e crimes violentos, na óptica de forças políticas do parlamento. É uma questão de escala lida pelo Congresso. Porém, ainda assim está sendo posto o projeto à parte e foi encaminhado.
A mudança é de estratégia e não de convicções.
E ele separa o Caixa 2 de corrupção por definição técnica, já que o segundo está no artigo 317 do Código Penal e o outro, como já citado, no Código Eleitoral. Ainda assim, o ministro volta a afirmar, como de outras vezes, que é um crime que não está adequadamente tipificado.
"Ah, mas em anos anteriores - quando ministro - Moro falou em "Caixa 2""! É verdade. Vamos às declarações.
Em 2016, ele disse que é "particularmente favorável a essa criminaização". Continua sendo, como visto acima. "Eu acho que o Caixa 2 muitas vezes é visto como um ilícito, mas é trapaça em eleição", complementou. Até aqui a visão é a mesma, uma vez que define como crime grave, mas não tecnicamente igual á corrupção.
Moro segue: "E há uma carência da nossa legislação de tipificar esse tipo de atividade. E essa carência acaba gerando suas consequências no sentido de que se isso não é criminalizado, é tipo como permitido”. O pensamento de Moro ainda é o mesmo, tanto que a proposta fatiada segue ao Congresso. Nela, se tenta melhorará a tipificação.
Tanto que no evento cobrou maior participação do Executivo e do Legislativo no combate à corrupção, em 2016. Agora, no Executivo, manda medidas que expressam a visão dele.
Em 2017, em outra oportunidade, Moro destacou o seguinte: “Tem que se falar a verdade, caixa dois nas eleições é trapaça, é crime contra a democracia. Alguns desses processos me causam espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre corrupção para fins de enriquecimento ilícito, e a corrupção para fins de financiamento de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha eleitoral é pior que para o enriquecimento ilícito”.
Moro fala que o Caixa 2 abre portas para uma corrupção mais grave que o enriquecimento ilícito. E não que ele em si é mais grave que a corrupção.
E segue: "Se eu peguei essa propina e coloquei numa conta na Suíça, isso é provável crime, mas esse dinheiro está lá, não está fazendo mais mal a ninguém naquele momento. Agora, eu utilizo isso para ganhar uma eleição? para trapacear numa eleição? Isso pra mim é terrível". Fica, portanto, ainda mais claro aqui.
Moro fala do uso do recurso para a corrupção, mas não da tipificação penal destes de maneira técnica. Mas ainda assim sustenta a gravidade que sustenta agora.
Agora, mesmo entendendo o mecanismo da política, acho sim uma pena o governo ceder e fatiar. Coloca sim o ministro em uma situação difícil que vai o encontro do que desejaria, tendo que encarar "ossos de ofício" que são bem mais desgastantes do que quando juiz. Isso mostra as dificuldades com o Congresso, talvez fruto da pressa de aprovar tudo de uma vez, mesmo sendo uma pressa que o país precisa.
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