A política nos reserva acontecimentos curiosos, sobretudo quando temos memória. Vejam só, caros leitores, o senador Fernando Collor de Mello (PROS/AL) resolveu - em discurso no Senado Federal - se opor ao pacote anti-crime do ministro Sérgio Moro.

Collor tem até razão em alguns pontos, quando fala de prevenção e políticas transversais. Mas não se pode esperar que esse seja o objetivo do pacote. Esse deve ser - de forma mais ampla - uma preocupação do governo, ao integrar ações - por seus ministérios - para o médio e longo prazo. Mas temos situações que requerem ações urgentes para ontem.

É claro que, dentro de um Congresso Nacional, não se espera unanimidade em relação a qualquer matéria. A unanimidade não é regra, em função da pluralidade de pensamentos ali presentes. Então, qualquer projeto de lei, matéria do Executivo, etc estará sujeito ao escrutínio com as mais diversas opiniões. Concordar ou discordar de algo é ação livre para qualquer sujeito, ainda mais quando se trata de um parlamento.

Todavia, o Collor de hoje, que assumiu - ao menos nesse ponto um discurso a agradar aos críticos das medidas adotadas por Sérgio Moro - já foi mais durão em relação à bandidagem violenta que assola o país. Em 2010, quando disputou o governo do Estado de Alagoas, disse que enfrentaria a deliquência com "munhecada no espinhaço" se preciso fosse.

Há um artigo de autoria do senador publicado no jornal Gazeta de Alagoas que trata sobre o assunto. Lá, Collor - que já era senador pelo PTB - relembra o episódio e fala da segurança pública. Mais ainda: ele se revolta com quem pinça determinadas falas e ações dos contextos da realidade para dar a elas um verniz ideológico e oportunista.

Se dizia vítima da "desonestidade intelectual" daqueles que distorceram a mensagem que quis passar. Qual era a mensagem: endurecer com os bandidos violentos, homicidas, ligados ao crime organizado, ao tráfico etc por justamente querer preservar a vida e a paz na construção de uma sociedade que esteja focada nas vítimas e não nos criminosos.

Olhem um dos trechos do artigo de Collor:

"Foi nesse clima de desmonte do aparato de segurança pública, e da ausência de uma rede de proteção social, que reagi indignado, certamente refletindo a revolta da cidadania alagoana pela leniência governamental. Dar “munhecada” é lançar mão, de forma pronta e firme, da caneta de gestor. É de conhecimento da sociedade o comportamento hesitante do governador, que precisa ler o recente e circunstanciado relatório produzido pela Comissão Especial de Inquérito da Câmara Municipal de Maceió. Essa CEI investigou seriamente a violência homicida em nossa capital".

O senador alagoano segue cobrando o fortalecimento da Policia Militar, ações que acelerem inquéritos para punir os criminosos, combatendo de forma efetiva a cultura da impunidade. E conclui: "Prosseguirei, entretanto, trabalhando e pregando contra os malfeitos locais, independente de agradar ou não a pena do aparvalhado ideólogo do “establishment” estadual".

O senador Collor também fala da necessidade de políticas públicas preventivas porque sabe - e o ministro Sérgio Moro também o sabe - que elas não podem ser dissociadas. Acontece que Moro comanda uma pasta de Segurança Pública e só pode propor as medidas inerentes a sua área em função da realidade que encontra. O contexto maior - que envolve os outros ministérios  - é que caminham para as políticas transversais sem que umas excluam as outras.

Portanto, o que busca Moro é o endurecimento que, lá atrás, de forma enfática, Collor de Mello defendia. Ele sabe disso. O "munhecada no espinhaço" obviamente é uma metáfora, mas que leva ao entendimento do endurecimento do Estado com a bandidagem. É ou não é isso que Collor já defendeu? Claro que é!

Mesmo assim Collor pode criticar as medidas de Moro? Sim! Mas indo à fonte primária e à realidade vigente e não ao discurso genérico. É o que se espera de um senador. Inteligência é algo que o senador alagoano tem de sobra para isso. Dizer - em outras palavras - que as medidas de Moro não tratam de Educação e políticas preventivas é usar de uma retórica vazia. Pois, o objetivo das medidas é direcionado ao crime presente atualmente em nossa sociedade que precisa ser combatido de maneira ostensiva e repressiva.

Busca-se ali: 1) reduzir a impunidade e 2) punir com mais eficácia o criminoso e 3) inibir o crime hediondo por meio das consequências que o bandido haverá de sofrer. A prevenção é outro ponto que não pode sair de foco, evidentemente. Mas até mesmo se esses três pontos forem alcançados contribuirão para a prevenção.

Vemos homicidas cruéis, latrocínios por motivos fúteis, um Estado paralelo criado por facções criminosas que o comandam de dentro de presídios, o cidadão acuado diante da sensação de insegurança e um quadro de aproximadamente 60 mil assassinatos por ano, sem contar com o tráfico de drogas, os desfiles de fuzis e a associação de muitas dessas quadrilhas com a política. A ação enérgica para ir no coração do problema requer a força do Estado.

Isto não significa dizer que no médio e longo prazo não se deva ter ações tranversais para mudanças efetivas, onde se inclui políticas de resgate de uma cultura de paz, moralidade objetiva, respeito às leis, que é onde entra a Educação, o Esporte e outras ações. Uma coisa não exclui a outra.

O Estado deve pensar em escolas, mas também em presídios, ora bolas. Collor sabe muito bem disso, não é um tolo ideológico colocando uma bandeira no cume das utopias. É muito inteligente e está bem longe disso.

Então, as críticas sinceras a Moro tem que ser nessa perspectiva: as ações agora propostas trarão bom resultados imediatos ou não? Que é incompleto - como diz Collor - claro que é. Pois, a mudança a qual o Brasil precisa - nesse estado de coisas que vivemos - é muito mais profunda. Nosso Código Penal é da década de 1940, por exemplo.

O senador sabe disso. Tanto que em seu discurso inicial colocou as medidas como pontos de partida. Claro que são!

Mas é da essencialidade destes pontos de partida que devemos pensar. Nossa legislação é branda com a bandidagem ou não? Precisamos de mecanismos mais duros para combater o crime organizado ou não? São respostas que precisam ser dadas, pois o problema é urgente. 

Não há pressão sobre o STF para impor - por exemplo - a prisão após julgamento em segunda instância, como diz Collor. Há sim uma proposta para que os condenados após segunda instância, diante de crimes hediondos cometidos, possam começar a cumprirem a pena, para que não tenhamos os inúmeros casos em que os criminosos são condenados e ao fim do julgamento voltam para casa no mesmo ônibus da vítima, digamos assim. Ou o caso de criminosos já julgados e condenados que continuam cometendo crimes por aí.

É uma situação que merece sim ser refletida. Coloquemos-nos no lugar da vítima.

Não há sequer generalização de pena, pois os qualificadores que podem atenuar ou agravar um crime estão previstos em lei. Ali se trata da execução penal, que é outra coisa. Se endurece para cima do criminoso em relação à pena que lhe é aplicada individualmente. Collor sabe muito bem disso.

Collor está preocupado com superlotação de prisões? Que se pense em resolver esse problema. Pois lugar de bandidos perigosos é na cadeia mesmo! Isso é diferente dos crimes de menor potencial ofensivo, para o qual já existem as penas alternativas e devem ser aplicadas.

É claro que cabe ao Estado garantir os princípios da dignidade humana nestes casos, mas o princípio da pena é punir quem escolheu delinquir.

Nomear facções criminosas - como também trata Collor - nada mais é do que reconhecer a realidade para poder lidarmos com ela. Ou vamos fingir que não existem e que não são mais perigosas que o bandido comum? Ora, se há essa estrutura no crime, ela precisa ser tratada como tal, inclusive sabendo do nível de periculosidade de seus membros e os tentáculos que existem.

Collor cobra ainda dessas medidas que elas pensem em fatores preventivos, como já dito aqui. Caro senador, esta tem sim que ser uma preocupação do governo, mas dentro de políticas tranversais que não excluem a ostensividade, a repressividade e a punição severa diante da realidade que vivemos.

É claro que todos querem uma sociedade com menos crimes e que isto passa por uma série de medidas, mas o pacote visa a ação enérgica diante da realidade na qual nos encontramos. É - como diria o próprio Collor - a "munhecada no espinhaço da bandidagem".

O foco do plano não agrava penas. Ele agrava a forma de execução destas. Caso contrário, mostre nas medidas uma pena que foi agravada ou aumentada? O que se mostra são os problemas com as execuções. Isto é sim consistente com os anseios da sociedade que vive diariamente o clima de insegurança. Claro que - paralelamente - é preciso trabalhar para que sempre haja menos crimes, o que também é um anseio de todos.

No mais, Collor está certo ao falar da situação dos presídios no Brasil. E este é um problema que o Estado também tem que encarar. Justamente por isso tem que atacar o crime organizado no coração. As facções nao podem ser donas de presídio. A solução para isso não é desencarcerar, mas sim colocar o Estado para efetivamente tomar conta.

É preciso quebrar as pernas dessas facções. O foco na repressão diz respeito ao crime cometido o que - repito - não pode excluir as demais falas de Collor. Que ele cobre algo para além das medidas é correto, mas que ache que por conta das medidas um governo deixe de tomar outras ações é falacioso. Uma coisa não substitui a outra, reitero.

O que se fez da Educação nos últimos anos, Collor? Eis um diagnóstico que o senhor também poderia citar em tribuna. Por anos, em governos dos quais o senhor foi aliado, as políticas tranversais adotadas não surtiram efeito, pois a violência cresceu assustadoramente no país, como apontam os dados. Sequer conseguia formar nossos jovens com o mínimo de conhecimento para enfrentar a realidade e o mercado de trabalho. Some a isso outros fatores e o caos é facilmente reconhecido.

É óbvio que precisa mais. É óbvio que temos que ter um olhar humanista no sentido de termos um resgate de uma alta cultura nesse país. Para isso que o governo também tem outras pastas e que estas - como deve ocorrer em qualquer governo - precisam ser cobradas. Todavia, sem misturar alhos e bugalhos. Quantas vezes - por exemplo - o senhor Collor falou sobre os rumos da Educação do governo que apoiava? Se esta preocupação já estivesse efetivamente na História desse país, o tema Educação não seria apenas um ponto de discursos demagógicos e eleitoreiros.

As cobranças de Collor até fazem sentido e há pontos acertados. Porém, achar que a solução da panacéia na qual fomos jogados terá todos os seus pontos em um projeto de um ministério é, ou ser ingênuo ou querer marcar uma posição a qualquer custo. O pacote de Moro tem um alvo definido e é por meio desse alvo que ele deve ser criticado, analisado e elogiado. Moro não esqueceu de tratar das políticas transversais. Apenas, o lugar delas não é ali.

Afinal, o ministro aponta para os criminosos que já estão aí utilizando das brechas da legislação, se aproveitando da morosidade da Justiça e se criando no celeiro da impunidade, cometendo crimes cada vez mais hediondos pelos motivos mais torpes e colocando uma população trabalhadora de joelhos sem ter a quem recorrer, saindo de casa todos os dias sem saber se voltará viva. Isto sem falar nas áreas desse país nas mãos do estado paralelo da criminalidade por meio das facções criminosas.

Como, caro Collor, é possível combater isso no curto prazo - que é onde se perdem vidas preciosas todos os dias nesse país - sem endurecer para cima da bandidagem? Como, caro Collor, se ataca isso pensando apenas no preventivo de médio e longo prazo quando pessoas morrem diariamente? Assim como Collor, sou favorável a políticas que se integrem. Porém, entendo que ações enérgicas que precisam ser tomadas nesse momento. Moro está na busca de fazer isso. Que o debate seja sobre isso da forma mais honesta possível, até para que o governo não erre.

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