Momentos difícieis para quem acompanha as fanfarronices e jabuticabas brasileiras. Todavia, depois do episódio da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Melo, de soltar condenados em segunda instância, que foi logo revertido pelo ministro Dias Toffoli, para desespero dos vermelho-petistas que já faziam a festa, como Gleise Hoffmann e tutti quanti, duas reflexões do advogado Adriano Soares da Costa me chamaram a atenção. Motivo? Concordo plenamente com elas.
Primeiro (e aqui eu que digo e não Adriano Soares), temos a sensação de tempos de absoluta insegurança política e jurídica em meio a decadência moral e intelecutal das classes que foram definidas por Antonio Gramsci como "intelectualidade orgânica", que nada mais são que os falantes. Segundo (também afirmação minha), poucas são às vezes em que - nesse turbilhão - nos deparamos com a preocupação, nas análises postas, com a construção da ponte neessária entre linguagem e realidade.
Adriano Soares fez (e costumeiramente faz) isso.
Logo após a decisão de Marco Aurélio, o jurista colocou:
"A decisão liminar do ministro Marco Aurelio, mandando soltar os presos condeanos em segunda instância ainda com recursos pendentes, não é um ponto fora da curva. O STF criou uma nova forma de preccedentes: 'o precendente do eu-comigo-mesmo'. Cada ministro decide como fosse uma Corte sozinho, pautado na sua subjetividade, gerando um amontoado de decisões incongruentes, contraditórias, sem fundamentação no ordenamento jurídico
Os que criticam hoje a arbitrariedade de um lado são os mesmos que aplaudem e comemoram a abritrariedade que convém".
Ainda que pese eu achar que não são todos os mesmos que "aplaudem" e "comemoram", entendo perfeitamente a reflexão que Soares faz e nisto, a meu ver, ele tem absoluta razão. Tudo fica por conta do "sentimento da opinião pública" e sua volatividade que conduz a um ativismo judicial. Lembra-nos Rui Barbosa quando falava da ditadura dos togados.
Afinal, para que uma Constituição se cada ministro é uma constituição ambulante a partir de seus sentimentos, causas e posições ideológicas, como ocorre com Luis Barroso no caso do aborto, por exemplo. É muito mais grave que o pontual e por isso não pode ser visto apenas como um "ponto fora da curva". Acerta Soares.
Mas adiante, Soares traz outra reflexão cabível: o fundamento da Procuradoria Geral da República para falar do caso.
Diz Soares:
"A argumentação da Procuradoria Geral da República para cassar a liminar niilista do ministro Marco Aurélio é impressionante na competição com a absurdidade da decisão recorrida: diz que ela, a decisão, fere o "sentimento da sociedade" de combate à corrupção. Certo. Mas o que é o Sentimento da Sociedade? Qual a sua estatura jurídica? Quem poderia vocalizá-lo em um tempo policêntrico, em que as certezas ruíram e se fizeram poeira?".
Pois é! E se tal "sentimento" for o mero conjunto das vozes orgânicas e coordenadas que se passam por opinião pública?
Soares continua:
"Na verdade, o Direito que deixa de se fundar na Constituição e passa a ser fundamentado no sentimento da sociedade é exercitado pela barbárie, pelos sans-culottes, pelo justiçamento do populacho...A mesma expressão estava na entrevista de Deltan Dallangnol, como está em todos os que desprezam o devido processo legal, as garantias individuais, que devem ser descartado porue seriam teses da bandidolatria que assola o país...
O nosso constitucionalismo é sem Constituição; o que vale é o sentimento, o subjetivismo, o arbítrio das boas intenções.
Ou seja: trocamos um subjetivismo por outro, um arbítrio por outro, um canetaço por outro...E a segurança jurídica? Uma expressão vazia do sentido".
A crítica é bastante cabível.
Ressalto apenas - e não é uma divergência com Soares - que sou um crítico do excesso de garantismo e não confundo isso com as garantias individuais, que eu defendo. Quando falo do "garantismo" é seguindo a linha de pensamento da obra Bandidolatria e Democídio, de Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza.
Estes dois autores fazem críticas ao surgido depois de Ferrajoli e, com Ferrajoli, com as quais comungo, por isso aprovo o emprego do termo "bandidolatria" ali, que é justamente a subversão do que são verdadeiras garantias para passar a favorecer o criminoso, na tentativa de colocá-lo como vítima da sociedade. Ninguém passa a ter a culpa individualizada por seus atos e ao mesmo tempo todo mundo é culpado. Maiores detalhes, estarão na obra para quem se interessar.
Em todo caso, o que Soares coloca é algo do que comungo. Uma preocupação que tenho quando vejo o STF agindo da forma como age e - ao mesmo tempo - do outro lado uma dose de jacobinismo em busca da Justiça, que pode se fazer presente nas melhores intenções. Nisto, Soares está coberto de razão.
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